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Arthur Alavarse é intérprete de Jeremias em musical inspirado na Legião Urbana

Premiado com curta em Cannes, ator de 34 anos explica estudos para composição de personagem baseado no vilão de "Faroeste caboclo", apresenta seu método de investigação para o teatro e fala de trabalhos na televisão, de "Reis" a "Dona Beja"

Arthur Alavarse, ator -  (crédito: Adri Lima)
Arthur Alavarse, ator - (crédito: Adri Lima)

O corpo de Arthur Alavarse, de 34 anos, é um arquivo vivo, um palco interno onde ecoam os passos de uma criança de 4 anos diante das câmeras publicitárias e os sussurros do menino de 6 que descobriu, sob as luzes do teatro, que aquele seria seu lar. Crescer em cena não foi uma escolha de carreira; foi, como ele mesmo descreve, uma forma de aprender a falar e andar. O set de filmagem era seu playground, as equipes técnicas sua família extensa, e a responsabilidade, uma lição absorvida tão naturalmente quanto a tabuada. "Crescer em cena me deu uma escuta muito apurada e uma percepção grande sobre gente.
Desde pequeno, convivi com equipes, diretores, atores, luzes, câmeras… tudo isso virou parte natural do meu mundo", afirmou o artista.

De lá para cá, a trajetória se desdobrou em uma tapeçaria rica: das grandiosas produções bíblicas da RecordTV, como Paulo, o apóstolo e Reis, onde aprendeu a existir com naturalidade no épico, à aguardada Dona Beja (Max), onde encarnou a força do feminino histórico. "A televisão amplia a visibilidade, e essa visibilidade vai muito além de reconhecimento nas ruas. Significa mais portas abertas, mais possibilidades de trabalho e a chance de viver com mais dignidade do próprio ofício. Sou muito grato por esses trabalhos porque, além de me desafiarem artisticamente, me deram base para continuar escolhendo histórias que eu realmente acredito e quero contar", comemora Arthur.

No cinema, seu curta Não temas cruzou o oceano e voltou coroado, conquistando o prémio de Melhor Filme na categoria Covid-19 no World Film Festival de Cannes em 2025 — um reconhecimento que ele sentiu não como um troféu, mas como um sinal potente de que a arte feita com os recursos e a dor brasileiros pode ecoar em qualquer latitude. "Para mim, foi uma confirmação de que vale a pena seguir contando histórias humanas, por mais difíceis que sejam, porque elas têm a força de alcançar e transformar quem assiste", celebra o realizador.

Mas para entender a essência do artista, é necessário voltar aos nove anos decisivos à frente da Confraria de Elephantes, sua companhia teatral. Foi naquele caldeirão de criação coletiva que o ator publicitário e o intérprete de épicos se fundiram no investigador incansável. Lá, longe dos holofotes da televisão, o trabalho era artesanal, profundo. O palco não terminava na ribalta; expandia-se para a vida. Daí, nasceu a base de seu ofício: a Biomecânica dos Ritos, um método próprio forjado ao longo de 25 anos pelo diretor da companhia, que bebe das fontes de Meyerhold e Peter Brook e as mistura com filosofia e rituais orientais.

"O corpo, nesse método, é um veículo ritualístico, não apenas técnico, mas ancestral, fractal e presente", explica Arthur. Nele, o gesto, o ritmo e a presença se combinam em um ato vivo, uma ponte energética que liga ator, personagem e plateia. "No teatro, ela aparece de forma mais explícita, na construção física e na respiração de cena. No cinema e na televisão, ela vira quase invisível, mas está ali: é o corpo consciente que sustenta a emoção sem exagero. É o que me ajuda a manter verdade e organicidade, mesmo quando estamos no super close", elucida.

O espelho que incomoda

É essa técnica, somada a uma entrega visceral, que ele aplica atualmente no musical Como é que se diz eu te amo, que passou este mês por Brasília — berço do rock nacional. No espetáculo, prestigiado de perto pela família Manfrendini, Arthur dá rosto e voz a Jeremias, o vilão inspirado no Faroeste caboclo da Legião Urbana.

Não é um antagonista fácil. "Jeremias incomoda porque é espelho", reflete o ator. "É um cara que, mesmo tendo dinheiro, sobrenome e poder, se sente refém das próprias expectativas: do pai, do moralismo, da performance de masculinidade… Quanto mais ele grita, mais se esconde, quanto mais ataca, mais pede socorro. Jeremias incomoda porque é espelho de muitos que estão adoecidos por dentro". E Arthur cita uma frase de Índios que o persegue: "Nos deram espelhos e vimos um mundo doente".

Seu desafio foi não julgar o personagem, escancarando essa ferida social com o corpo e a voz, transformando o palco num "pulmão pulsante" de desespero. "No início, a gente tenta sempre humanizar a personagem, mas ele infelizmente é um recorte sombrio da nossa sociedade, não há defesa para ele", conclui.

Inquietude

Essa inquietude é o motor de Arthur Alavarse. Ator, produtor, ex-gestor de companhia — todas essas facetas são ferramentas para uma única pulsão: contar histórias fortes. E o horizonte que se avista é ainda mais amplo. "Nos últimos tempos me descobri também como diretor criativo", adianta, sem revelar detalhes, mas deixando claro que investe numa criação autoral que dialogue com as urgências do seu tempo.

Quando questionado sobre o personagem mais desafiador de sua carreira, a resposta não vem de uma novela ou filme, mas do profundo do palco experimental: o Gigante Piaimã, de Macunaíma. Dar corpo a uma força sobrenatural, à metáfora viva da colonização e da voracidade, sem cair na caricatura, foi um confronto titânico com seus próprios limites.

Mas talvez a resposta mais reveladora sobre o artista esteja não no palco, mas em casa. Pai de uma menina, Arthur redefine sua própria missão. "Não estou preocupado com o mundo que vou deixar para minha filha. Meu foco é que tipo de ser humano eu deixo para o mundo", diz, encapsulando uma filosofia de vida que ecoa sua arte. "Ser pai é formar, com amor e consciência, um ser humano que possa transformar o mundo e não apenas sobreviver nele."

 

  • Arthur Alavarse, ator
    Arthur Alavarse, ator Adri Lima
  • Arthur Alavarse, ator
    Arthur Alavarse, ator Adri Lima

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postado em 23/08/2025 16:00
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