
A trajetória do ator Igor Fernandez, 29 anos, parece roteiro de filme. Natural de Cataguases, na Zona da Mata mineira — terra do cineasta pioneiro Humberto Mauro —, o rapaz trilhou um caminho de superação que começa na infância humilde, passa pelo trabalho duro na construção civil e deságua, hoje, na realização do sonho de ver seu talento reconhecido nas telas do cinema e do streaming.
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Filho de uma costureira e um pedreiro, Igor começou a trabalhar cedo. Aos 12 anos, era ajudante de obra. O salário, porém, tinha destino certo: investir nos estudos, especialmente nos cursos de teatro da cidade. Para ele, no entanto, a arte nunca foi um sonho distante, mas uma realidade palpável.
"Na verdade, a arte nunca teve esse lugar de sonho para mim, ela sempre foi realidade", conta Igor, em entrevista. "Desde jovem, lembro da minha cabeça inventando histórias enquanto eu peneirava areia, ou carregava tijolos. Lembro de assistir um filme na Tela Quente e pensar: 'Preciso reassistir a isso, quero escrever algo parecido com aquele final', e eu tinha uns 13 anos! Meu olhar buscava outras realidades, coloridas, filosóficas, em tudo ao meu redor", relata.
Essa percepção foi alimentada pelo ambiente artístico de sua cidade natal, com seus festivais de cinema, obras a céu aberto e grupos de dança e teatro. Aos 15 anos, ele expandiu seus horizontes ao integrar o grupo circense itinerante TOCA, onde se tornou palhaço, malabarista e equilibrista. "Nunca foi sacrifício. Eu tinha a opção de trabalhar e pagar meus cursos, comprar figurinos, ou simplesmente não ter acesso a isso, então escolhia ter", relembra.
A mudança para o Rio de Janeiro, em 2014, marcou o início de uma nova fase. Morando na comunidade do Morro do Pinto, ele dividia seu tempo entre trabalhos na construção civil e estudos em tevê e cinema. A persistência rendeu frutos: em 2019, estreou na TV na novela Bom sucesso, da TV Globo, como Luan, o "poeta das ruas", onde inclusive pôde apresentar textos de sua autoria.
Colheita de frutos
O ano de 2025 é um marco na carreira do ator. Neste domingo (31/8), ele estreia no streaming com a série Máscaras de oxigênio (não) cairão automaticamente, na HBO Max. A produção, dirigida por Marcelo Gomes e Carol Minêm, retrata a epidemia de aids no Brasil nos anos 1980/90 e a mobilização de comissários de bordo para transportar o medicamento AZT.
Igor vive Caio, um famoso jogador de futebol e namorado do protagonista, interpretado por Johnny Massaro. "Foi sem dúvidas a preparação mais intensa da minha carreira", revela o ator sobre o projeto. "Pela carga emocional e pela responsabilidade social da série. Todo o cuidado foi necessário para tratar de um assunto tão importante e delicado."
Quase simultaneamente, Igor chegou aos cinemas com Um lobo entre os cisnes, a cinebiografia do bailarino Thiago Soares. No longa, ele interpreta Norberto, um dos grandes amigos do protagonista. Para construir o personagem, ele contou com a ajuda do próprio Thiago. "Ele me contou histórias da sua vivência no hip-hop e explicou que o Norberto reunia traços e histórias dos seus grandes amigos da época", detalha.
Tricô e dança
Mais do que um ator, Igor é um artista completo. Dançarino (com passagem pelo balé clássico e especialização em dança vertical), fotógrafo, pianista e expert em tricô, ele acredita que todas essas linguagens conversam e enriquecem seu processo criativo. "Sempre fui curioso e tenho uma inclinação para dizer 'sim' para as coisas", explica. "Cada personagem é um universo, e quanto mais experiências eu tenho, mais ricas são as possibilidades."
Sobre o tricô, hobby que abraçou durante a pandemia, ele define como uma terapia. "O oposto acontece com os trabalhos manuais, que fazem um bem enorme para a mente. O tricô, por exemplo, é lento. Quando embarco nele, parece que consigo ouvir minha respiração... Me acalma, e sempre termino uma peça cheio de ideias louquíssimas na cabeça", conta.
Futuro
O futuro reserva ainda mais projetos. Ele integra o elenco da série Os donos do jogo (Netflix), com estreia prevista para o fim do ano, e dos filmes Bom retorno e Corrida dos bichos, de Fernando Meirelles. Para o jovem que saiu de Cataguases carregando um sonho e uma determinação inquebrantável, a mensagem para os que estão começando é clara: "Evitem ao máximo comparações, porque cada realidade é única. Existe uma força interior em quem é artista que nos move a colocar a nossa arte no mundo... O caminho é buscar, com as ferramentas que se tem, oportunidades dentro da própria realidade, sempre com responsabilidade e clareza de propósito", conclui.
Entrevista | Igor Fernandez
Como foi crescer em um lugar com tanta tradição cinematográfica e, ao mesmo tempo, ter que conciliar o trabalho na construção civil com o sonho das artes?
Na verdade a arte nunca teve esse lugar de sonho para mim, ela sempre foi realidade. Desde jovem, lembro da minha cabeça inventando histórias enquanto eu peneirava areia, ou carregava tijolos. Lembro de assistir um filme na Tela Quente e pensar: “preciso reassistir a isso, quero escrever algo parecido com aquele final”, e eu tinha uns 13 anos! E carrego isso até hoje, nunca coloquei a arte como um sonho a ser alcançado, ela simplesmente estava ali comigo. Meu olhar buscava outras realidades, coloridas, filosóficas, em tudo ao meu redor. E isso se deve também a minha cidade, artística por natureza: obras de arte a céu aberto, festivais de cinema que trazia personalidades para as ruas, além de grupos de dança, teatro e circo. Cresci nesse ambiente, que alimentou minha alma e me ajudou a me reconhecer como artista.
O que exatamente na arte do teatro te chamou tanto a atenção, a ponto de fazer esse sacrifício tão jovem?
Nunca foi sacrifício. Desde novo aprendi a lidar com o dinheiro e com a falta dele. Eu tinha a opção de trabalhar e pagar meus cursos, comprar figurinos, etc, ou simplesmente não ter acesso a isso, então escolhia ter. O teatro, o circo, a dança nunca foram uma fuga, porque eu vivia tudo isso dentro e fora do palco, mesmo trabalhando na construção a minha cabeça funciona como uma grande instalação artística abstrata (risos), e esse é o vício que carrego até hoje. A mesma sensação que tive ao entrar no teatro com sete anos continua viva em mim, única, incontrolável, como quando eu era criança.
A sua família, de origem humilde, como reagiu quando você disse que queria seguir a carreira artística? Que tipo de apoio você recebeu deles?
Não houve uma “saída do armário” do “família, quero ser artista!”, acontece que desde os sete anos faço teatro e tudo começou quando minha mãe foi fazer curso de artesanato pra complementar renda e eu descobri, naquele centro cultural, a aula de teatro. Desde então eles nunca me viram fora das artes. Eu brincava de encenar, gravava vídeos, inventava personagens. Isso sempre foi a minha realidade, e eu simplesmente nunca saí dela.
O que você carrega até hoje, como ator, da experiência de ser palhaço, malabarista e equilibrista?
Carrego comigo o risco e a necessidade do estudo. O risco vem do circo e da palhacaria. Ser palhaço é se expor, colocar os próprios defeitos no holofote, rir das próprias fraquezas, e isso é uma autoanálise difícil, uma terapia complexa, arriscada porque se você tem medo de quem você é acaba não dando certo. Já o estudo é indispensável, por exemplo no malabarismo, só se avança com prática constante e repetida. E, mesmo depois de dominar, surge a busca por nova técnica porque se não o número vai perdendo a graça. Essa dedicação ao estudo me acompanha até hoje.
Além do circo, você é dançarino (balé clássico, dança vertical), fotógrafo, pianista e expert em tricô. Como todas essas linguagens artísticas diferentes se conversam e influenciam o seu processo de criação para um personagem?
Sempre fui curioso e tenho uma inclinação para dizer “sim” para as coisas. Na pandemia, por exemplo, minha tia começou a tricotar e eu embarquei com ela! Gosto de viver coisas novas e, quando algo me encanta, levo para a rotina. Um diretor, que me deu alguns dos melhores conselhos que já recebi, disse uma vez que “a oportunidade chega quando você tá preparado pra ela. Cada personagem é um universo, e quanto mais experiências eu tenho mais ricas são as possibilidades. Prefiro viver meu tempo com hobbies do que rolando feed.
O tricô, especificamente, surgiu na pandemia. O que essa prática manual e tão meticulosa representa para você em um mundo tão digital e acelerado?
A gente tem cada vez mais informação sobre como a rolagem infinita das redes sociais deixa a gente ansiosos e imediatistas. O oposto acontece com os trabalhos manuais, que fazem um bem enorme para a mente. O tricô, por exemplo, é lento. Quando embarco nele parece que consigo ouvir minha respiração, não sei explicar, mas me acalma, e sempre termino uma peça cheio de ideias louquíssimas na cabeça. É um prazer profundamente saudável.
Vamos falar da série “Máscaras de oxigênio (não) cairão automaticamente” (HBO Max). Como foi mergulhar nessa história baseada em fatos reais e preparar esse personagem?
Foi sem dúvidas a preparação mais intensa da minha carreira até o momento presente, pela carga emocional e pela responsabilidade social da série. Toda a direção, junto com a preparadora Helena Varvaki e outros nomes como Márcia Rachid, que é referência no tema HIV/AIDS, além de infectologista e ativista que luta desde o princípio pela causa, nos acompanharam de perto para garantir o cuidado e a densidade necessários para tratar de um assunto tão importante e delicado.
Qual foi a maior lição ou o impacto emocional de trabalhar em uma produção que resgata uma história tão importante e dolorosa da comunidade LGBTQIA+ no Brasil?
Primeiro é importante dizer que HIV e AIDS não escolhem sexualidade nem gênero. Na própria série abordamos esse ponto, porque a comunidade LGBT foi colocada como alvo unicamente por puro preconceito, e é essa a parte dolorosa. Só que diferente do vírus, que nem ser vivo é, o ser humano tem a capacidade de pensar, refletir e, principalmente, rever seus preconceitos.
E no cinema, você estreia com “Um lobo entre os cães”, a cinebiografia do bailarino Thiago Soares. Interpretar Norberto, um grande amigo de Thiago, exigiu algum contato com o mundo do balé ou com o próprio Thiago? Como foi essa experiência?
O Norberto, meu personagem, é uma síntese dos amigos do Tiago, e isso é algo que ele mesmo me disse quando a gente conversou durantes as preparações para me ajudar a construir o personagem. Ele me contou histórias da sua vivência no hip-hop e explicou que o Norberto reunia traços e histórias dos seus grandes amigos da época. O personagem dança hip-hop, mas curiosamente a minha base veio antes, inclusive do balé clássico que pratiquei por cerca de três anos e acabou me dando fundamentos importantes para transitar em outros ritmos.
Essas duas estreias — no streaming e no cinema — acontecem quase ao mesmo tempo. O que representam para aquele jovem de 12 anos que trabalhava na construção civil e sonhava com o palco?
Assim como o Tiago precisou de uma oportunidade para sair da periferia e levar sua dança pro mundo, acredito que o lugar que venho conquistando hoje é reflexo das chances que recebi desde os 12 anos, quando confiaram no meu potencial. Sem dar spoilers, posso dizer que novas conquistas e estreias estão a caminho, tudo isso fruto de um conjunto de fatores: meus investimentos constantes no aprimoramento artístico, uma vontade enorme de expressar uma arte brasileira que nasce em mim e, sobretudo, de uma rede de pessoas que acreditaram no meu potencial artístico.
Sua estreia na TV foi em 2019, na novela Bom Sucesso, como Luan, o "poeta das ruas". Como foi a experiência de poder apresentar seus textos autorais para milhões de pessoas através de um personagem? Foi assustador ou libertador?
O Luan recitava muitas poesias na novela, e algumas delas foram escritas por mim, revisadas pelo time de autores e depois ganharam o mundo através da trama. Como disse eu sempre escrevi desde muito novo e, durante a preparação para o personagem, cheguei a recitar nos vagões de metrô do Rio poesias minhas, reflexo do meu repertório artístico desde a infância. Foi libertador e ao mesmo tempo motivo de orgulho poder contribuir para a novela e para o Luan com outras habilidades além da atuação.
Seu futuro oferece a série “Os donos do jogo” (Netflix) e os filmes “Bom retorno” e “Corrida dos Bichos” (de Fernando Meirelles) no horizonte. Existe um "sonho de personagem" ou um gênero específico que você ainda almeja explorar?
Impossível não ser grato já a tudo que já fiz porque tudo até hoje teve uma complexidade muito grande e isso só me torna mais experiente na atuação. No audiovisual eu já fui de oito a oitenta, e isso faz parte do desejo que cultivo desde o início da carreira que é viver personagens completamente diferentes de mim, com vivências que talvez eu nunca imaginasse experimentar fora da ficção. É justamente isso que me dá prazer. Por isso, quando falo de sonhos, penso em desafios cada vez maiores, personagens emocionalmente e fisicamente distantes de mim, sob a direção de grandes referências do nosso país e quem sabe também do exterior.
Olhando para trás, toda a sua trajetória é um exemplo de superação. Que conselho você daria para o Igor adolescente de Cataguases ou para outros jovens artistas de origem humilde que estão batalhando para entrar no mercado?
Queria começar dizendo que evitem ao máximo comparações, porque cada realidade é única. Existe uma força interior em quem é artista que nos move a colocar a nossa arte no mundo, e que é uma força linda e potente, e precisa ser usada para motivação e também para tocar o coração do público. O caminho é buscar, com as ferramentas que se tem, oportunidades dentro da própria realidade, sempre com responsabilidade e clareza de propósito, desde o início até onde se deseja chegar. Ser artista e viver somente de arte é um grande desafio, e uma origem humilde torna a caminhada ainda mais desafiadora, por isso tratar o seu percurso com muito amor e cuidado também faz parte do jogo. O destino pode depender de muitos fatores, então reconhecer seus limites e encontrar prazer em todo passo dado é essencial. Vá com tudo!
Diversão e Arte
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