Cinema

'A hora do mal': terror conquista público com tensão psicológica e gatilhos de medo

Junto com os esperados sustos do gênero de terror, três produções chegam potentes às telas, pelo incremento psicológico e gatilhos de medo: A hora do mal e Juntos, além do clássico remexido Drácula

 

"A família é importante" é uma das falas, entre pais dos mais aflitos, que impulsiona a trama do mais novo filme de terror do cineasta Zach Cregger, A hora do mal, antes celebrado pelos méritos da estreia em Noites brutais (2022). Agora, numa trama de amplo apelo sobrenatural, ele se consagra pela lida imediata e desmedida de traços exagerados. Independentemente da origem desconhecida das forças alinhadas no enredo em que um grupo de 17 pequenos estudantes desaparecem, a capacidade narrativa do diretor se projeta. Com alguns espaçados problemas no roteiro, Cregger traz personagens sólidos, numa história bastante ramificada, mas que mantém uma linha coerente. Num misto de paranoia e alcoolismo, a professora da criançada abduzida, Justine Gandy (Julia Garner, em mais um destaque, depois de ser a Surfista Prateada) é das que mais sofre, junto com o menino que, afortunadamente, ficou para trás, na debandada aparentemente involuntária dos colegas, o também vitimizado Alex (Cary Christopher).

Haverá muitos sustos, com as inesperadas entradas de personagens com olhos proeminentes e aterradores, como no caso de Marcus (Benedict Wong) o diretor da escola problemática, que até pode ter as feições do lunático protagonista do clássico Oldboy. Volta e meia, o longa adota a trajetória de policial, até porque o policial Paul (Alden Ehrenreich, de Han Solo: Uma história Star Wars) está conectado à professora. Armas, do título original, faz referência a potenciais objetos com a função espalhados pela trama: de injeções a tesouras, passando por arma de fogo até inocentes garfos. A esfera simbólica de armas pesa fortemente.

Nas câmeras, há especulação de um comportamento em massa de crianças teleguiadas. Dados de autonomia, independência e fatores hostis circundam os tipos dispostos no enredo. O diretor Zach Cregger traz a interessante capacidade de concentrar, ainda que com pontas do enredo dispersas, e paradoxalmente, há unidade coesa na dinâmica que mantém interesse do público a mil por segundo. Na tentativa da elaboração de um luto comunitário, o roteiro (do diretor) faz questão de apontar a geral incapacidade e o descaso das autoridades em solucionar o caótico quebra-cabeças, um incômodo geral na comunidade. Tema, aliás, que Cregger abordou previamente em Noites brutais.

Limites ultrapassados de violência se avolumam, num crescente. Sistematicamente, fica clara a proposta da associação da temática com práticas esotéricas (até mesmo o triângulo, ilustra artes do longa que explora vertentes de energia interpessoal) e alguns acenos ao clássico Psicose. Junto com desleixo policial, A hora do mal enfatiza elementos encavalados como a solidão, representada por Alex (e ainda a personagem da veterana Amy Madigan, já indicada ao Oscar, há 40 anos, por Duas vezes na vida), e o ciclo parasitário dos cordyceps, fungos, com quê de conexão ao sumiço das crianças.

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Crítica // Juntos

Enrolados: um amor que machuca

Um kit médico de primeiros socorros usado da maneira mais insuspeita revela o calibre de ironia empregado no filme de estreia do australiano Michael Shanks que sabe muito bem rimar amor e terror. O emprego na trilha de um êxito das Spice Girls, 2 become 1, torna ainda menos denso o longa estrelado pelo casal (também na vida real) Alison Brie (no papel da maternal Millie) e Dave Franco (Tim, um fracassado músico). Brie, vale lembrar, fez filmes como Artista do desastre, enquanto Franco teve participações em filmes bem diversos como Se a rua Beale falasse e Dupla jornada.

Rejeição ("Eu não quero você" é assim, cru e disparado, no roteiro) e o choque em presenciar drogas aspiradas (num ferrenho combate à ocitocina, um dos hormônios do amor) acompanham a mudança drástica de endereço de Tim e Millie. O retrato de dois cães, encaixados, de olhares únicos e aterradores, antecipam a torta jornada do casal em foco. Difícil, no filme, esquecer a letra de Eu te amo (de Chico Buarque), com "Meu sangue errou de veia e se perdeu"...

Cabelo que engasga na garganta do parceiro, situações com substâncias bastante meladas e demais sufocamentos se espraiam na trama em que uma inofensiva massagem pode gerar descontrole. A alarmante situação de fusão entre pessoas que se amam alimenta a maior mensagem do filme. Mordidas e carnificinas (a exemplo do longa Até os ossos) estão neste original filme que explora aos limites o diálogo de sinestesia com o público.

Invocando teoria de Platão e ainda uma figura de linguagem pesada, com Millie arrastando um "peso morto", o roteiro, detido na magnética atração entre o perturbador casal, contempla dois grandes momentos de assustadora intimidade: na cena do banho e ainda na intensa sequência no banheiro escolar dos meninos. A harmonia e a ansiedade do casal (que "se joga") é posta à prova também, num clima à la Herege (filme do ano passado). Tramados em irremediável amor (num diálogo cortante, um "Eu te amo" é respondido com mero "Tá"), Millie e Tim serão parceiros ainda do ciúmes sentido pelo vizinho Jamie (Damon Herriman, o Charles Manson de Era uma vez em... Hollywood). (RD)

Crítica // Drácula — Uma história de amor eterno

Título?????????

Depois de se erguer de uma temporada de limbo, com o romântico June e John, lançado à época do dia dos namorados, o francês Luc Besson volta à condição de ostracismo, ainda que amparado pela literatura do cânone criado por Bram Stoker. Com as bases nos anos de 1400, o personagem central atravessa mais de 400 anos para desembocar em Londres, numa atmosfera tenebrosa que desfia a fé da crença e a compreensão da ciência.

Com diálogos rasos e um protagonista que não faz sombra ao recente Nosferatu da telona, Caleb Landry Jones faz o que pode, em harmonia imperfeita com elenco que contempla Zoë Bleu Sidel (nas versões das pretendentes Elizabeta e Mina, deslocadas no tempo) e Christoph Waltz (um religioso, na trama, que guarda tiques de repertório do ator).

Em exaustivo mais do mesmo, se vê a perseguição a sangue fresco, num clima melancólico cheio de divagações e com direção de arte esquecível. Os soldados de pedra que servem ao conde, saídos da decoração do castelo, e os seculares sacrifícios do protagonista hematófago arrastam o peso de um enredo manjado. O milagre, em termos de cinema, brota da disposição da sensual personagem Maria, de acentuada languidez, e calibrados caninos, uma praga bem-vinda e que se ajusta ao talento da atriz Matilda De Angelis. (RD)

 


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