Um dos nomes mais autênticos da música popular brasileira, a cantora Angela Ro Ro morreu na manhã desta segunda-feira (8/9), aos 75 anos. Ela estava internada desde junho no Hospital Silvestre, na Zona Sul do Rio de Janeiro, devido à uma infecção pulmonar grave. Nos últimos meses, a vocalista sofreu uma série de complicações de saúde e passou por uma traqueostomia. Recentemente, teve uma nova infecção e não resistiu.
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Conhecida pela personalidade irreverente e letras confessionais, Ro Ro, nascida Angela Maria Diniz Gonsalves, herdou o apelido ainda na infância, devido a voz grave e rouca. Aos cinco anos de idade, a carioca deu os primeiros passos rumo à carreira musical, estudando piano clássico. No entanto, o primeiro trabalho da artista que veio a público foi somente aos 22, quando tocou gaita em Nostalgia (That's what rock'n roll is all about), uma das faixas do álbum Transa, de Caetano Veloso.
Na época, auge da ditadura militar brasileira, a instrumentista morava na Europa, passando pela Itália, país onde conheceu o cineasta Glauber Rocha, e pela Inglaterra, trabalhando como faxineira, garçonete e lavadora de pratos. Nas horas vagas, porém, ela se dedicava à música, compondo e se apresentando em pubs locais. Em 1974, retornou ao Rio de Janeiro e começou a se apresentar em casas noturnas até ser contratada pela gravadora Polygram - Polydor, atual Universal Music.
Em 1979, lançou o primeiro álbum, intitulado Angela Ro Ro, e emplacou o principal sucesso da carreira: Amor, meu grande amor. Gota de sangue, Balada da arrasada, Agito e uso e Tola foi você também fazem parte do disco de estreia. Influenciada por ícones da música como Elis Regina, Maysa e Ella Fitzgerald, ela também inspirou grandes nomes da cultura brasileira, como Ney Matogrosso e Maria Bethânia, que interpretaram composições de Ro Ro ao longo da carreira.
Nos mais de 40 anos de estrada, Ro Ro lançou 13 álbuns, sendo o último deles, Selvagem, em 2017. Desde a pandemia, no entanto, a cantora vinha enfrentando problemas financeiros e pedindo ajuda por meio das redes sociais, após se ver obrigada a pausar a agenda de shows. Em maio deste ano, já acometida pela doença, ela repetiu o apelo na internet: "Fui diagnosticada com infecção no sangue e suspeita de câncer", escreveu na época. "Eu não iria brincar com um assunto sério, pois eu amo a minha vida, eu amo a vida de todos. Qualquer valor será bem-vindo. Gratidão a todos pela boa vontade. Desejo a todos saúde, prosperidade, paz e amor", acrescentou a cantora.
Em julho de 2025, o advogado da cantora, Carlos Eduardo Campista de Lyrio, revelou em entrevista ao Globo que a renda mensal de Ro Ro era de apenas R$ 800, proveniente de direitos autorais, e que ela não recebia aposentadoria. Sua última apresentação ocorreu em maio, no Rio de Janeiro.
Luto no meio artístico
Nas redes sociais, Zélia Duncan foi uma das primeiras artistas a lamentar a morte da colega. "Obrigada pela coragem e pela luta que você nos deixa como caminho. Pela voz inigualável e pelas canções belas e profundas, que não nos deixarão te esquecer", agradeceu a cantora. Também na rede social, Ney Matogrosso homenageou Ro Ro parafraseando uma das composições da carioca. "Que bom que nunca vai haver talvez para quem tudo na vida sentiu, disse e fez", publicou o artista, citando Não há cabeça, do álbum Angela Ro Ro.
Maria Bethânia, por sua vez, compartilhou duas fotos ao lado da cantora com a legenda "Só amor". No domingo, a irmã de Caetano Veloso prestou homenagem à cantora durante show no Rio de Janeiro, ao incluir no repertório da turnê comemorativa dos 60 anos de carreira as faixas Mares de Espanha e Gota de sangue, ambas gravadas pela própria Bethânia no álbum Mel, de 1979.
Em meio à cena musical de Brasília, a morte de Ro Ro também foi lamentada. Intérprete da carioca, a cantora Anna Christina tem a artista como uma das principais referências da carreira. "Ela era uma poetisa em suas composições e deixa um legado maravilhoso. Vou continuar sempre sendo fã do jeito irreverente dela", garantiu a artista.
Sandra Duailibe, responsável por uma das regravações de Gota de sangue, definiu Angela Ro Ro como imortal. "Mulher forte, compositora de coração cheio, cantora de voz rouca e irreverente, abriu muitos caminhos para todas nós, na arte e na vida. Extremamente franca, dizia o que queria, o que pensava e acreditava. Exemplo de luta pelas mulheres e pelos homossexuais", destacou.
"Tive a felicidade de gravar com o pianista Leandro Braga uma de suas mais belas canções e ela aprovou. Ufa! Que alívio! Ela escreveu e eu cantei: "Beba comigo a gota de sangue final". Viva Ro ro! Para sempre em nossas vidas", acrescentou Sandra.
Cantora, produtora cultural e professora de música, Thaise Mandalla lamentou a falta de reconhecimento de Ro Ro em vida. "É uma artista que se vai sem receber seu devido mérito. Ela teve pouco reconhecimento, e não digo de fama, e, sim, de reconhecimento por composições exímias que ficaram tão famosas na voz de outras pessoas, principalmente homens, sendo que falam do afeto feminino e da forma de amar da mulher", apontou.
"Ela era uma mulher que não se subordinava. Fazia o que queria e não se sujeitava às demandas mercadológicas ou de produtores que tentavam polir ou condicionar seu trabalho. Além disso, era uma mulher lésbica e que representava a comunidade LGBTQIAPN . Isso, com certeza, também dificultou a carreira dela, porque ela não se vendeu para as facilidades que ela poderia encontrar se ela se envolvesse com certas pessoas", ressaltou Thaise, que pretende fazer um show em homenagem à Ro Ro no próximo mês, no formato voz e piano. "Se hoje eu faço turnês nacionais e internacionais, e tenho projetos com o meu nome, é porque existiu Angela Ro Ro", finalizou.
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