OBRA LITERÁRIA

'Meu nome': mais que um livro infantil, um memorial para crianças mortas em Gaza

Obra literária escrita e ilustrada por Marilda Castanha relata o drama de crianças que vivem em Gaza e relembra as vítimas da guerra no Oriente Médio

Fátima, Abeer, Khalid, Musab, Layla, Karim, Najla, Rafiq, Youssef… Esses nomes são de crianças que morreram durante a guerra em Gaza. Segundo o Unicef, mais de 50 mil meninos e meninas morreram ou foram feridos na região desde novembro de 2023. Mundo afora, milhões de pessoas se veem comovidas com a flagrante violação dos direitos humanos e, de modo especial, das crianças de uma nação que vive em guerra conflagrada há 709 dias. No entanto, poucas pessoas fazem algo depois de engolir o choro. A maioria segue a vida à margem da realidade distante. 

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A ilustradora e escritora Marilda Castanha fez diferente. Há dois anos, ela foi impactada com um vídeo que mostrava crianças escrevendo o próprio nome nos corpos para que pudessem ser identificadas em caso de morte ou mutilação por ataques ou bombardeios. Perplexa com a cena da vida real, ela assimilou a dor à arte e escreveu o livro infantil “Meu nome”. 

A autora conta ao Correio que o processo criativo envolveu lágrimas, pesquisa e a ressignificação da morte. Com mais de 30 anos de experiência no trabalho com o público infantil, Marilda detalha como o sofrimento das crianças em Gaza deu origem a essa obra.

“Uma criança não pode se ocupar com a finitude da sua vida por causa de uma bomba. Eu fiquei muito chocada e a primeira coisa que eu fiz quando vi o vídeo foi chorar. Depois pensei: ‘O que vou fazer com essa dor’? E aí veio a história quase de uma vez. Primeiro fiz um esboço e depois resolvi que eu queria falar sobre a vida. É uma barbárie o que está acontecendo e as crianças tomarem essa atitude de escreverem seus nomes, me chocou muito e foi um ponto central”, pontuou Marilda Castanha.

O livro ‘Meu nome' apresenta um recorte da rotina das crianças em Gaza e mescla cenas a infância, com brincadeiras e atividades familiares, com os conflitos da guerra armada que assombram a população em Gaza. Em todas as páginas, recursos gráficos são utilizados para ambientar e contextualizar o local e a guerra. Crianças colhem azeitonas e andam entre soldados gigantes armados; jogam bola entre explosões; empinam pipas enquanto outros se mudam levando dor na mala; a ida à escola também envolve coragem entre escombros e ruínas. 

‘Meu nome também abarca memórias. Como de uma tarde festiva, de quando todos nos reunimos para participar da grande colheita. E como esquecer o meu avô que, gracejando dizia: ‘O seu nome até herdou das azeitonas, o melhor sabor’. Por isso que, por este nome, que abriga e revela tanto (e tudo) da minha História, é que me orgulho de ser chamado. Para jogar bola, para brincar com meu irmão, para ir à escola, e para voltar para a minha casa. É por tudo isso que eu, assim como muitos dos meus amigos, escrevemos, com letra caprichada, nossos nomes. Por todo canto, por todo corpo’ diz um trecho do livro. 

Jaqueline Fonseca / CB/DaPress -
Jaqueline Fonseca / CD/DaPress -
Jaqueline Fonseca / CD/DaPress -
Jaqueline Fonseca / CD/DaPress -
Jaqueline Fonseca / CB/DAPress -

A autora pontua que o nome, além de catalogar coisas, apresenta a identidade de cada ser, carrega simbolismos, fé, força e história. E por carregar tanto significado, os nomes utilizados nas ilustrações do livro não foram aleatórios. Marilda decidiu não só jogar luz ao tema, mas fazer um memorial para eternizar e homenagear as crianças assassinadas em Gaza. “O nome é algo muito próprio de todos nós, de toda cultura, todas as nações e todos os povos. E os nomes utilizados no livro não são nomes fictícios, eu não coloquei eles do nada. Coloquei eles em constelações. No último ano de produção do livro encontrei um memorial com o nome de 15 mil crianças palestinas mortas, quando vi os nomes descendo nas telas, fui buscando nomes e sobrenomes e eu fui anotando, registrando e coloquei seus significados e todos os nomes dessa arte foram tirados desse memorial”, sublinha Marilda. 

As ilustrações do livro também foram produzidas pela autora, que utilizou recursos como pintura em nanquim, ecoline, colagens e água sanitária. Todas as páginas do livro são conduzidas em tons de tons de vermelho, preto e marrom e apenas na última página, quando as crianças estão perto de alcançar a liberdade no voo de uma pipa, surgem as cores verde, branca e vermelha, presentes na bandeira da palestina. 

“Empatia não tem nacionalidade, não é uma coisa geográfica. Isso foi muito importante para fazer essa indignação se tornar uma ideia e essa ideia se tornar que não seja só um memorial, mas um tributo, uma homenagem às crianças e ao povo palestino. O que eu fico pensando muito é que em cada ofício você pode fazer algo. Se você é um médico, você pode ser um médico sem fronteira. Eu sou ilustradora. E uma ilustradora sem fronteira"”, reflete Marilda Castanha.

Desejando um futuro melhor para as crianças de Gaza, ela destaca missões humanitárias e faz deferência ao grupo que integra a Flotilha da Liberdade para furar o cerco de Israel e levar mantimentos à Gaza. Marilda cobra mais envolvimento das autoridades e da sociedade para defender a infância e inocência daqueles que estão sendo mortos e mutilados em função da guerra.

“Eu acho que, no mínimo, o mundo não deve dar as costas para elas [as crianças]. O que eu desejo é que a gente não feche os olhos, que o mundo não feche os olhos. Porque não são soldados, não foram 18 mil soldados mortos, foram 18 mil crianças. Porque criança é alvo e criança não pode ser alvo disso. A criança tem que ser alvo de proteção e respeito. É o mínimo que a gente deseja”, defende Marilda. 


 

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