
Crítica // Goat ★★
O que alimenta passatempo, e resulta em lazer, torcida e distração, pode facilmente desviar para tensão e medo — quando um tema popular como o futebol americano passa pela percepção sombria de um produtor de cinema como Jordan Peele, responsável, na direção, por títulos de sucesso como Não! Não olhe!; Corra! e Nós. Misturando elementos de Foxcatcher (2014) e de O escritor fantasma (2010), um bunker abriga um dos protagonistas, que passará por sufocante processo moldado para apagar sua individualidade e posicioná-lo, pelo "potencial ilimitado", à grandeza suprema de ser um jogador de ouro nos campos de futebol americano.
Passada a pandemia, o cineasta Justin Tipping lidou com perguntas como "Como gastamos nosso tempo?" e "Vale mesmo a pena fazer x ou y?". Nisso, concentrou em obsessões e na cegueira no campo profissional que fazem a festa no roteiro de Goat, o thriller esportivo que tem direção de Tipping (lembrado pelas séries Black monday e Dear white people). Diversão, pressão, liderança e sacrifícios despontam no filme que acata uma cartilha de cinema incisivo no qual ecoa Darren Aronofsky (Mãe!) e um final aos moldes de um Parasita (2019) no qual tudo desanda e consegue colocar muito a perder para o espectador.
"Sem garra, sem glória" é um ensinamento que não sai da cabeça do personagem de Tyriq Withers, o atleta Cam, chamado de "him" (tipo "o cara" do título originalmente idealizado para Goat). Com um legado muito preso à paternidade, Cam, com o cérebro lesionado (e o uso de um fecho eclair na cabeça) presenciará fenômenos inexplicáveis e atravessará uma preparação com cara de seita, que embaralha a ordem dos fatores "Deus, família, futebol": traz, nisso, um efeito particularmente assustador para os brasileiros. A cultura do esforço desmedido e a vontade de perfeição resultam numa rede de brutalidade e manipulação psicológica. Protegido pelo mentor, o personagem central fica um período distanciado da sociedade, em reclusão, local em que ele adere à máxima de nunca ser bom o suficiente.
A produtora Monkeypaw Productions, que rendeu títulos como Fúria primitiva (de Dev Patel) apostou alto em Goat, a sigla que, em inglês, traz iniciais de "Maioral de Todos os Tempos". O título que versa sobre masculinidade (tóxica), preconceitos e comportamentos bizarros atrelados a celebridades esportivas de autoestima abalada. Grosso modo, o filme contrapõe juventude ao estilo de vida conquistado pelo coach de Cam, Isaiah White (Marlon Wayans, velho conhecido do público, por As branquelas e O pequenino). O atleta é visto como mercadoria descartável, e o esporte, distanciado de nobreza. Cabe ainda a rasa ostentação que segue parâmetros celebrados em meio a hip hop. Num papel importante, Jim Jefferies modera na comicidade e cria a persona do doutor Marco, conselheiro que adverte Cam: "Nunca se mate por um trabalho!".
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Na trama de Tipping, coescrita por Zack Akers (da série Limetown) e Sherri Saum (também atriz), há espaço para o brilho momentâneo de torcedores, como uma ambivalente e furiosa mulher, visualmente, próxima a Lady Gaga. Entre nomes femininos no elenco, Julia Fox se destaca como Elsie, a companheira de White, peça-chave na sucessão dos esportistas; um deles com a deformação mental de assumir "ser o (próprio) futebol". Cenas tensas embaladas por música sacra, o horror de uma sequência sobre auto-transfusão de sangue, artimanhas de gaslighting e o emular do novo clássico A substância trazem acentuado interesse, mas a cena final do filme deforma todo o desenvolvimento, com devastador resultado para o filme de terror e suspense.
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