CINEMA

Novo filme de Luca Guadagnino estreia com dilemas morais e personagens complexos

Em coletiva de imprensa, Luca Guadagnino, Julia Roberts, Ayo Edebiri e Michael Stuhlbarg compartilham suas experiências no novo projeto do diretor, 'Depois da caçada'

Com lançamentos anuais desde o sucesso de Me chame pelo seu nome, Luca Guadagnino não iria fechar 2025 sem brilhar nas telonas. Carregando em seu nome grandes sucessos como Suspiria, Rivais e Queer, o diretor desvia um pouco de suas temáticas recorrentes com o novo longa Depois da caçada, que estreou em outubro. Mergulhando no roteiro de estreia de Nora Garret, o diretor reúne Julia Roberts, Ayo Edebiri, Andrew Garfield e Michael Stuhlbarg no novo projeto. 

A narrativa gira em torno de debates complexos, envolvendo raça, classe e gênero. Na trama, a professora universitária Alma Imhoff (Julia Roberts) é surpreendida quando Maggie Price (Ayo Edebiri), sua aluna e grande amiga, denuncia o professor Hank Gibson (Andrew Garfield) , amigo de longa data de Alma, por assédio sexual. No meio do conflito, Alma teme que seu passado venha à tona e carrega o medo de que sua vida perfeita desmorone. Em Depois da caçada, os personagens lidam com muitas questões internamente e muito não é dito, apenas retido por eles. 

Quando Luca Guadagnino recebeu o roteiro de Depois da caçada, estreia de Nora Garret na roteirização, ele não tinha planos para produzir um filme este ano. "Ao lê-lo, fiquei profundamente impressionado com a qualidade da escrita, com a precisão na descrição do mundo em que a história se passa, com as belas complexidades desses personagens, e com os diálogos que me lembravam o cinema clássico que eu amo", contou Luca, em coletiva de imprensa. Logo depois de ler o roteiro, o diretor conheceu Julia Roberts e decidiu embarcar no projeto. 

Julia Roberts comenta que estar na órbita de Luca Guadagnino, alguém tão interessado, curioso e apaixonado pelo ofício foi fundamental para a construção da personagem. "Conversar com ele sobre a Alma, que era tão estrangeira, complicada e desafiadora para mim, me animou com as possibilidades dessa interpretação. Ele me encorajou profundamente, acreditou em mim antes mesmo de eu saber o que estávamos fazendo", destaca a atriz. O processo de construção do personagem foi muito rápido e cada vez que Julia sentia dúvida, Luca a encorajava. "À medida que o elenco se formava e evoluía, tudo se transformava num sonho e esse sonho se manteve até o último dia de filmagem. Foi incrível", relata. 

Para Ayo Edebiri, o roteiro ficou marcado em sua cabeça e a personagem pareceu um desafio empolgante. "Eu queria estar à altura de todos. A Maggie, para mim, também era uma personagem muito distante. E percebi, conversando com o Luca, que eu tinha muito mais julgamentos do que imaginava. Então, houve algo muito instigante em tentar encontrar essa pessoa e conhecê-la sem julgamentos, com honestidade. Isso fez parte da decisão de participar do filme", conta a atriz. 

Michael Stuhlbarg, que trabalhou com Luca em Me chame pelo seu nome, destaca que poderia se aprofundar no personagem Frederik por anos. "Eu não sabia nada sobre psicanálise freudiana, nem sobre gastronomia ou musicologia. Todos esses elementos compõem quem ele é, junto com o extraordinário pano de fundo criado pela história brilhante e complexa da Nora. Havia uma infinidade de coisas para explorar em muito pouco tempo. Então, fizemos o melhor que podíamos e nos jogamos", ressalta Michael. 

A personagem de Alma é bem distante das mulheres que Julia Roberts já interpretou no cinema. Questionada sobre o que aprendeu com esse papel, Julia destaca que foi muito importante para sua autoestima e confiança. "Preciso aprender a colocar em mim a mesma fé que coloco no Luca. Porque é realmente difícil e desafiador. Quanto menos eu trabalho, mais fortes voltam os medos quando retorno. Espero por algo que vá ser realmente difícil, e quando finalmente acontece, penso: "Agora eu tenho que fazer isso." Há aquele momento entre aceitar o papel e realmente interpretá-lo e esse é o doce ponto, em que você tem esse grande filme com o Luca Guadagnino e ainda não precisou fazer nada", brinca Julia. "Mas então vem o trabalho duro. Acho que se trata de perceber que tudo já está dentro de mim, só preciso acreditar nisso", destaca. 

Luca Guadagnino costuma trabalhar com os mesmos atores em diferentes projetos, como fez com Timothée Chalamet e Tilda Swinton. Dessa vez, traz novos rostos com Julia Roberts e Ayo Edebiri. "O problema dos diretores é que não podemos fazer tantos filmes quanto os atores. E minha principal motivação é trabalhar com eles, porque eu os amo profundamente. Admiro o processo inteligente e sensível de observar e transformar isso. É uma paixão minha testemunhar isso acontecer", comenta Luca sobre seu trabalho com atores. "Adoro criar laços com meus atores, porque eles se tornam minha família. E quando alguém se torna como uma irmã, como a Julia ou a Ayo, não quero deixá-las ir. Podemos fazer outro filme completamente diferente, com os mesmos atores, e ainda assim seria incrível", reforça o diretor. 

Para Julia Roberts, o longa aborda muitos comportamentos e estruturas sociais que compõem os dias atuais. "Esse é o grande bônus de fazer um filme como esse: ver as pessoas debatendo com entusiasmo e profundidade. Não é só sobre política de gênero, é sobre muitas camadas. Fico feliz por termos chegado a esse ponto juntos. Eu adoro conversar e adoro que esse filme tenha despertado esse tipo de diálogo", destaca a atriz. 

Ayo complementa que o filme aborda essa teia complexa entre gênero, política, raça e classe. "Para mim, o mais importante é o 'cinza'. Criar mais espaço para o cinza. Mais espaço para conversas, para nuances, para dizer 'isso é confuso, vamos repensar depois'. Vivemos numa indústria que lucra com extremos, com polarização. Então, precisamos criar espaço para o meio-termo, para a escuta e para a complexidade", ressalta Ayo Edebiri. 

As atrizes, tanto em suas personagens no filme quanto na vida real, podem enfrentar pontos de vista diferentes entre as suas gerações. Questionadas se haviam discutido temas em que discordavam para construir Maggie e Alma, Julia destaca que tiveram a sorte de conversar e se conhecerem antes das gravações e que teve uma conexão imediata com Ayo. Senti que ela realmente me via, e eu também a via de uma forma bonita. Rapidamente nos sentimos à vontade, abertas e empolgadas, o que é essencial quando se trata de cenas difíceis, especialmente as físicas. É preciso conhecer bem as pessoas", reflete Julia. 

Ayo comenta que essa dificuldade de comunicação entre gerações a atrai muito. "Mas, realmente, acho que a chave é se comunicar. E tanto a Julia quanto o Luca fizeram um trabalho incrível em criar um espaço onde pudéssemos fazer isso. Mesmo com diferenças de opinião, quando há escuta verdadeira, você não olha para trás e pensa que tivemos uma briga, mas sim, que houve troca. Acho isso muito valioso, mesmo que nem sempre seja fácil", destaca a atriz. 

 

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