
Surgido em 1983 como livro e disco gravado, O Baile do Menino Deus estreou nos palcos tradicionais do teatro e ficou oito anos em cartaz. Foi adaptado para diversas formas de apresentação, desde orquestras sinfônicas até montagens de escolas e ONGs e, há 22 anos, tomou a forma atual: uma encenação de rua no centro da capital pernambucana que, a cada 23, 24 e 25 de dezembro celebra o nascimento de um menino na Praça do Marco Zero, ponto visceral da capital pernambucana.
Inspirada na cultura popular brasileira, a narrativa busca mostrar um outro Natal. "Não somos um país nevado, onde o Natal deve ser comemorado a portas fechadas, em casa, com uma lareira para se aquecer em família. Nós, no Nordeste, temos uma concepção que o Natal é para ser vivido na rua, nessa festa e nesse baile", diz Ronaldo Correia de Brito, escritor cearense que assina o livro com Assis Lima.
Baile do Menino Deus gira em torno do nascimento de um menino divino e da família formada por José, Maria e Jesus. "Só que nós fazemos isso a partir de um modelo de celebração popular, inspirado no Reisado, no Cavalo-Marinho, nas lapinhas, nos pastoris e no Guerreiro. Espetáculos que são desse ciclo natalino, mas que incorporam a cena profana. Isso que é importante", explica Correia de Brito.
A narrativa é conduzida por dois palhaços chamados Mateus, a quem o autor descreve como "equilibrados entre o sagrado e o profano, clássico no teatro popular". O espetáculo é dividido em cinco partes: os personagens brincam pela estrada, cantando, em busca de uma casa, quando encontram uma com a porta fechada. Eles brincam, cantam e rezam até que a porta se abra; ao entrar, estão lá José, Maria e a criança que nasceu. A revelação do nascimento do menino e o grande milagre são o penúltimo ato. A narrativa é finalizada pela despedida, uma afirmação de que o Baile não acaba por ali.
Apesar de centrado na celebração do nascimento de Jesus, Correia de Brito enfatiza que o espetáculo não é religioso. "Nasceu um menino que traz, nele, a chama de sagrado que todos nós temos. Nós celebramos e louvamos o nascimento sagrado, mas é o nascimento do homem. Jesus era de uma comunidade paupérrima, como é o Brasil e o Nordeste, periferia do Brasil. Então, o Baile assume esse lado social de incorporar o mais periférico e todas as manifestações e referências da nossa cultura, incorporando na dança e na música um grande maracatu", afirma. "Quando a porta se abre, e o menino é revelado, vêm o batuque, o maracatu e o canto dos povos africanos, indígenas e ibéricos, como se fossem Reis Magos que viessem celebrar esse menino."
Longevidade
A obra celebra 42 anos de lançamento neste ano, e 22 do formato de rua na Praça do Marco Zero. Para o autor, é "miraculoso que uma obra se mantenha viva durante esse tempo, porque já estamos na geração dos netos e bisnetos do Baile." Mesmo assim, o espetáculo segue cativando público diverso por onde passa. "Você vai encontrar as pessoas mais periféricas dos morros que, para garantir uma cadeira — o espetáculo começa às 20h — e, às16h, já estão sentados. Às 17h, já está hiperlotado, então há algo que fala para todo mundo, e o nosso público é predominantemente jovem. É impressionante. As repetidas encenações em cidades de Alagoas, Pernambuco… são feitas por gente muito jovem que alcança pessoas muito jovens."
Correia de Brito considera que a obra "permanece mais viva que quando estreou, há 40 anos", porque a dramaturgia é criada a partir de um tema ainda relevante: a busca de uma casa. "A dramaturgia é em busca de uma casa: eu vi a casa sonhada, onde pode se abrigar de sol e chuva. Esse é um sonho humano, de todo o planeta, de todo o universo. É uma das principais questões", conta. O autor usa como exemplos as situações de São Paulo e Recife, com muitos moradores de rua, ou dos Estados Unidos e Índia. "O eixo que conduz a dramaturgia é a busca de uma casa e, depois de encontrar, abrir uma porta. Mateus diz que 'em um mundo sem porta, ando à procura e, de porta em porta, eu sigo adiante'. Todo o tempo fala de porta, abrir portas, que é o sentido da existência. Estamos atrás de que as portas sejam abertas num tempo em que as pessoas estão sendo expulsas", resume.
A mensagem permanece relevante porque, para o escritor, "o mundo não mudou". "Estamos dizendo isso com a promessa de que, no fim, se vai cantar e dançar, que era a promessa de Jesus. Não sou religioso, mas sou admirador desse socialista que era Jesus, que pregava igualdade e estava ao lado dos desfavorecidos. É espetáculo ao lado dos desfavorecidos", define. A dramaturgia, porém, não aborda o tema de forma realista, e sim mágica.
Novidades
O Baile do Menino Deus segue como uma obra aberta, com ambos os autores vivos. Ao longo do tempo, o espetáculo passou a incorporar os artistas tanto de Pernambuco e outros estados do Nordeste, como de outras regiões do país. Há três anos, um grupo de rua de hip hop performa um breakdance na cena que retrata a chegada dos Reis, representados pelos povos formadores do Brasil (africanos, indígenas e ibéricos).
Artistas da periferia de Recife, de Okado do Canal, da comunidade do Canal do Arruda participam do espetáculo. Além disso, este ano a programação contará com apresentações de Joyce Alane, cantora de brega indicada ao Grammy Latino 2025 na categoria de Melhor álbum de música de raízes em língua portuguesa com Casa Coração, e do forrozeiro Flávio Leandro. O repertório do espetáculo original era composto por 12 músicas, número que aumenta para 26 nesta edição. O que se mantém é o corpo dramático, o mesmo em todos os anos. "Nós vamos introduzindo novas músicas, vamos pesquisando, recriamos, mas tudo para compor uma cena do nascimento", diz Correia de Brito.
*Estagiária sob a supervisão de Severino Francisco

Diversão e Arte
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