Crítica // Guerra civil ★ ★ ★ ★
Sem convicção, um presidente ensaia falar da "maior vitória da humanidade", ao tratar de uma escalada militar. A verdade, entretanto, é que ele não goza mais de nenhum respaldo popular. No triplo mandato, ele ensaia ser entrincheirado à la Hitler, tendo o esmagamento pelas Forças Ocidentais (num vínculo entre o Texas e a Califórnia) e a chamada Aliança da Flórida. Sem encorajar uma cúpula de paz, o filme Guerra civil, de Alex Garland, apregoa um salve-se quem puder. A bandeira norte-americana ostenta duas mirradas estrelas — e para desespero do público brasileiro, muito se fala em salvaguardar Deus e a nação. Ah! Para completar, o presidente implanta intencional ruído de comunicação junto à imprensa.
A exemplo de O ano em que vivemos em perigo, tem- se tem em quadro a frieza e as tensões inerentes aos jornalistas aglomerados em lobbies de QGs de hotéis. O caos dá brechas às crueldades esperadas (há até sequenciado atropelamento de corpo mutilado e pessoa queimada viva), neste filme incapaz de emular uma textura sólida que lembre Oliver Stone e opere, mesmo com modesto orçamento, entre citações à adaptação de No coração das trevas (definitiva, nas mãos de Francis Ford Coppola), gerando, de fato, um exemplar reflexivo do sempre publicitário cinema de Alan Parker (como visto no moderado Mississippi em chamas).
Um aprendizado ríspido espera pelos personagens (da imprensa) Lee (Kirsten Dunst, ótima), Joel (Wagner Moura, com brilho, num tipo que faz meio de campo entre Cidade de Deus e Tropa de elite), o experiente Sammy (Stephen McKinley Henderson) e a despreparada e juvenil Jessie (Cailee Spaeny, um achado visto em Priscilla). O filme espezinha a América fatiada ("tipos" de americanos pipocam), num relato de entrechoque no quintal estadunidense, aos moldes de um filme de guerra, mas com inimigo sob "alça de mira" turva, de onde deriva a falta de leis e de lados que desembocam em terror junto aos arredores do National Mall, mais precisamente com ecos dentro da Casa Branca.
Na ficção gestada por Garland cabe a ironia dos ideais estampados no carro da polícia novaiorquina, prezando "polidez, profissionalismo e respeito". Junto com outro deboche, o de o Paraíso Gelado (uma vila temática de Natal) estar sob sol escaldante, vem o emprego, em chocante cena, de Say no go (De La Soul). Há vitalidade crítica ainda no retrato dos negacionistas do enredo. Mas faz falta ver mais ação da convulsiva população, que, em anticlímax, não demarca o esperado imediatismo pela sobrevivência. Com olhar decisivo, Kirsten Dunst responde pelo melhor papel, em cenas marcantes, como a em que limpa o sangue de um amigo. Além de se render ao clássico conceito da visão de um cemitério de carros em estrada, o diretor abraça um final nem tão satisfatório. Curiosa, aliás, é a atual realidade de Nova York, que briga com malabarismos fictícios: infestada de ratos, traz um graúdo magnata, a ocupar o banco de réus, para (des)encanto de uma nação.
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