
Por Sérgio Leo — Rapidamente, a Internet espalhou o comentário venenoso sobre a premiação do Oscar para melhor atriz, que, além da flagrante injustiça com a minha, a nossa Fernanda Torres, desprezou a veterana — e nunca premiada - Demi Moore — em favor de uma jovem atriz. Dizia o meme: a cerimônia do Oscar mostrou, ao vivo, o tema do enredo de A Substância, filme estrelado por Demi Moore.
O filme trata de uma veterana atriz de Hollywood empurrada ao ostracismo por sua "avançada" idade de 50 anos, que pelas artes de ficção científica, volta ao estrelato criando uma versão mais jovem, o que acaba em encrenca. Nem o filme de Demi Moore, nem Anora, a premiada película da vencedora Mickey Madison, mereceram muitos elogios dos críticos aqui no Brasil. Fato é que a escolha da rebolativa atriz de 25 anos para o Oscar tem mesmo um cheiro de etarismo.
Já vai longe o tempo em que Machado de Assis, em seu conto Linha Reta e Linha Curva, descrevia um vaidoso personagem de 50 anos como "velho gaiteiro". O Brasil já tem mais gente com mais de 60 anos que jovens de 15 a 24 anos, e o velho contemporâneo não é mais o que costumava ser. Nem velho se acha. Muito "idoso" enfrenta olhares desaprovadores de gente que duvida sua idade, ao vê-lo na fila preferencial do supermercado, ou estacionando em vaga reservada.
Claro, ainda há quem, com os cabelos brancos (ou com a perda dos ditos-cujos) vá aposentando o prazer de viver, acomodando-se ao estereótipo da idade. Mas a juventude da turma veterana está aí, na cara de quem viu a quantidade de foliões grisalhos nas ruas, nos últimos dias, e dos fãs à espera de setembro deste ano para comemorar a sagração da jovial Fernanda Torres como nossa mais recente sexagenária com história na passarela da fama de Hollywood.
Mas é bem verdade: os nascidos em meados do século passado enfrentam problemas com a contemporaneidade. Sabe do que estou falando quem, como este cronista, tem dificuldades com o controle remoto das TVs atuais, e com o mundo dos podcasts, dos streamings e dos aplicativos de música que jamais substituirão os queridos CDs acumulados na estante de casa. Muita gente também sofre no mundo virtual em que robôs servem de atendentes para (não) resolver problemas com fornecedores como companhias e energia e telefonia.
Quem sabe, a inteligência artificial, cada vez mais esperta e capaz de resolver demandas, virá para salvar a terceira idade. Em vez das insuportáveis atendentes pré-gravadas que nos impõem opções 1,2,3 etc., uma solícita personagem eletrônica fará, cada vez mais parte do nosso cotidiano, abençoada seja.
É torcer para que esses cuidadores virtuais não ganhem vida própria, como A Substância de Demi Moore, e acabem nos jogando perversamente na obsolescência da senilidade sem remédio. Prefiro não dar ouvidos ao Oliveira, o canalha da redação, sempre cético, para quem a inteligência artificial do futuro terá patrocinadores, e ao ser solicitada, certamente aproveitará nossa ingenuidade para empurrar um empréstimo consignado, com juros a perder de vista.