Crônica

Carpe diem, como as cigarras

E nos poucos dias de vida ao ar livre elas só fazem três coisas: cantam, se alimentam da seiva das plantas e se reproduzem

Beto Seabra, escritor -  (crédito: Reprodução Internet/ Divulgação)
Beto Seabra, escritor - (crédito: Reprodução Internet/ Divulgação)

Por Beto Seabra—Se a vida fosse medida em dias e não em anos, talvez valorizássemos mais os momentos. "Quais meus planos para os próximos cinco dias?", pensaria. Ou então: "Neste dia novo prometo não falar mal de ninguém, parar de fumar e fazer ginástica". Já pensou? A cada dia novos planos, uma nova vida. Poderíamos morrer de tudo, menos de tédio.

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Penso nisso ao escutar as cigarras que enchem Brasília de canto nesta época do ano. Elas vivem pouco tempo na fase adulta (no máximo quatro semanas), depois de ficarem anos no subterrâneo, na forma de ninfas que se alimentam das raízes das plantas.

E nos poucos dias de vida ao ar livre elas só fazem três coisas: cantam, se alimentam da seiva das plantas e se reproduzem. Cantam quando o dia nasce e voltam a cantar quando se aproxima o pôr do sol. Sorvem o alimento que as árvores lhes servem sem cobrar nada. E buscam seus parceiros para gerar novas cigarras que cantarão nos próximos anos. Como o tempo é curto, fazem apenas o essencial.

Alguém perguntaria, mas cantar é essencial? Para elas sim, pois o canto das cigarras, produzido apenas pelos machos, atrai as fêmeas e espanta os predadores.

Conheço gente que se pudesse só faria essas três coisas na vida, como as cigarras. Não os recrimino. O homem criou tantas coisas ao seu redor que acabou se esquecendo do essencial. Perde tanto tempo com tantas coisas, que o principal acabou ocupando um pequeno espaço na sua vida. Come-se mal e rápido, o sexo também é apenas o trivial, e cantar virou coisa só para artistas.

Assisti dia desses um sarau de jovens e talentosos cantores de Brasília. Imaginei a vida deles como a das cigarras. A diferença é que bem mais longa. Para que mais do que isso? É a própria filosofia hippie, ou dos nossos indígenas.

Mas os homens e as mulheres estão sempre buscando algo mais, e nessa busca encontram coisas boas, mas também muitas coisas ruins. Se querem mais conforto para suas vidas, é preciso trabalhar mais do que o necessário. Mas além do conforto surge o desejo de acumular, de ter e não apenas de aproveitar o momento, então o trabalho vira vício, ou exploração do outro.

Os antigos já se preocupavam com esse tema, bem antes dos dilemas modernos. O poeta romano Horácio cunhou a expressão latina carpe diem, que significa "aproveite o dia", querendo dizer com isso que a vida é curta e que não devemos nos preocupar excessivamente com o amanhã. Além disso, está lá na Bíblia também: Deus fez o mundo em seis dias, e no sétimo descansou. Vejam que até Ele precisou parar, mesmo sabendo que havia um universo para cuidar.

É por isso que devemos fazer como as cigarras e aproveitar cada dia como se fosse o último, ou o primeiro. Carpe diem!

 


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postado em 31/10/2025 06:00
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