Artes cênicas

Dan Stulbach vive personagem de Shakespeare que reflete sobre racismo

Dan Stulbach vive Shylock em 'O mercador de Veneza', uma das obras-primas de William Shakespeare, em temporada na Caixa Cultural

Dan Stulbach sempre sonhou interpretar um personagem de William Shakespeare, mas nunca conseguiu viabilizar até receber o convite para viver Shylock, o protagonista de O mercador de Veneza, uma das peças mais geniais do bardo. Com direção de Daniela Stirbulov e uma temporada de 12 sessões, incluindo esta sexta-feira (19/12), sábado (20/12) e domingo (21/12), na Caixa Cultural, a montagem traz ao palco uma história concebida no século 16, mas incrivelmente atual. "Essa peça, dentre as peças do Shakespeare, é uma das que eu mais queria fazer. Todo mundo tem as suas preferidas, eu tenho algumas preferidas e essa era uma delas", conta Stulbach. "Ela fala do antisemitismo, do racismo, do preconceito contra a mulher, do preconceito de uma maneira geral e isso é sempre importante", garante Stulbach.

Tudo começa com uma história de um rapaz ambicioso empenhado em conquistar uma herdeira. No entanto, para chegar até a moça, ele precisa do dinheiro que não tem, única forma de atravessar os mares que separam a Veneza do século 15 das terras da família rica. É com Shylock, um judeu bem-sucedido, que o ambicioso Antonio vai conseguir a quantia e, como multa, caso não pague, será obrigado a entregar uma libra de sua própria carne. 

É um negócio arriscado, mas Shylock leva em conta o antisemitsmo de Antonio ao propor o arranjo. Um julgamento final, já que o empréstimo não é pago,  torna a peça uma das mais geniais de Shakespeare que, já no século 16, inseriu ali discussões sobre antisemitismo, racismo, preconceitos e a dificuldade humana de aceitar as diferenças. "Encontrar uma opinião diferente sempre foi algo prazeroso, com o qual você podia aprender e, hoje em dia, é uma dificuldade para muitas pessoas. A peça fala disso", aponta o ator, que também tem certo fascínio pelas cenas finais de O mercador de Veneza, um julgamento no qual todos os personagens revelam as verdadeiras facetas e expõem o quão longe estão do que dizem ser, um artifício inevitável para viver na sociedade veneziana do século 15. "O julgamento tem momentos geniais, de uma sacada, de dramaturgia perfeita. É uma história que tem suspense, tem emoção e tem viradas", explica Stulbach, que conversou com o Correio sobre os desafios e a atualidade do texto de Shakespeare. "No sentido da dramaturgia, né? Um dos melhores momentos, uma das melhores cenas já criadas.

Serviço

O Mercador de Veneza

Direção: Daniela Stirbulov. Com Dan Stulbach. Sexta-feira (19/12), às 20h30, sábado (20/12), às 17h e às 20h, e domingo (21/12), às 16h e às 19h, na CAIXA Cultural Brasília (Setor Bancário Sul - Quadra 4, Lotes 3/4). Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia). Não recomendado para menores de 12 anos


Entrevista//Dan Stulbach


Qual o maior desafio de interpretar Shylock? 

Num personagem como o Shylock, que já foi tão feito e sobre o qual tantas pessoas têm opiniões, a primeira coisa é fugir dessas opiniões todas, dos estereótipos possíveis, e encontrar o seu caminho, a sua ligação e o seu jeito de fazer esse personagem. E trazendo com humanidade, verdade, para que ele exista. A criação de um personagem desses é mais elaborada, porque também é algo muito distante de mim, da minha vida, do meu cotidiano. Eu nunca estudei tanto para um personagem quanto para esse. É muito fácil encontrar na internet pessoas fazendo o personagem, citando monólogos, cenas, atores importantes, mais conhecidos, menos conhecidos. O que é muito bom, é muito legal, mas você não pode virar um retalho de cópias de pessoas que já passaram por ali. Então, acho que acreditar, encontrar a sua maneira de fazer, talvez seja o desafio mais difícil, mas também mais prazeroso.


Antisemitismo é um dos grandes temas deste texto. Qual é a importância de falar desse tema nesse momento? 

A importância é a de sempre: falar do preconceito, lutar contra o preconceito é importante. Todas as formas de preconceito são terríveis. Preconceito é filho da ignorância, filho do medo, filho da certeza, você retratar isso num espetáculo é importante. O espetáculo fala do antisemitismo, mas também fala do preconceito de outras maneiras. De uma sociedade que tem dificuldade em aceitar a pessoa diferente. Algo que é, infelizmente, muito atual. Eu digo sempre que a peça é, felizmente, atual pela sua qualidade e, infelizmente, atual pelos temas que ela acaba abordando e que ecoam nos dias de hoje. Ainda mais reforçados pela rede social, que utiliza muito bem as nossas certezas para formar bolhas e fomentar a dificuldade que é ouvir opiniões diferentes. Então, acaba sendo um grande exercício do ego e o reforço da burrice.


O que essa peça representa e o que você mais gosta nesse texto? 

Acho absolutamente genial porque ele tem uma história que todo mundo entende, personagens que são muito claros, que se apresentam logo do início, todo mundo já entende a história e, a partir desse entendimento da história, que é muito envolvente, coisas são ditas e o espectador é provocado a pensar. E tem um ponto que é fundamental, que é a escolha da direção da Daniela, de deixar todos os personagens humanos. Não há herói, não há vilão, todos justificam as suas ações a partir de quem eles são e assim a gente consegue provocar a sociedade a refletir sobre o mundo de hoje. É sensacional. Eu gosto e acredito muito no teatro que diverte, mas que faz pensar. 



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