ENERGIA

Sobretaxa na conta de energia elétrica pode subir 50%

Aumento, que será anunciado na próxima semana pela Aneel, terá forte impacto na inflação. Cobrança extra se destina a pagar os custos do uso massivo de usinas térmicas, diante da crise hídrica que esvaziou reservatórios de hidrelétricas

Israel Medeiros
postado em 28/08/2021 06:00
 (crédito: Reprodução/Internet)
(crédito: Reprodução/Internet)

Diante de um cenário inflacionário que parece descontrolado, o bolso do consumidor será ainda mais penalizado nos próximos meses. Isso porque uma nova — e significativa — alta na tarifa das contas de luz, que vem sendo discutida nas últimas semanas por técnicos do governo, diante de uma das piores crises hídricas no país, deve ser anunciada na próxima semana.

Ontem, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) informou que a bandeira vermelha, taxa extra cobrada nas faturas, será mantida no patamar 2, o mais elevado, em setembro. A tendência, porém, é de que o encargo passe dos atuais R$ 9,49 para R$ 14,20 a cada 100 quilowatts-hora (kW/h) consumidos — um aumento de quase 50%. Esse reajuste duraria até dezembro deste ano. Os valores ainda não foram confirmados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A autarquia se reúne na próxima terça-feira para decidir sobre o reajuste.

Em junho, o órgão decidiu aumentar a taxa que era de R$ 6,24 para os atuais R$ 9,49. Apesar de expressivo, no Ministério de Minas e Energia, o aumento foi considerado insuficiente para bancar os custos com a geração de energia via usinas termelétricas. A própria Aneel entende que o valor da tarifa para bancar os custos de funcionamento das termelétricas seria algo em torno de R$ 19.

Ontem, o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), detalhou que o governo encaminharia um pedido à Aneel para reajustar a bandeira para R$ 24 entre setembro e dezembro deste ano ou para R$ 14 de setembro a maio de 2022. A segunda opção, segundo ele, dependeria de “as distribuidoras aceitarem prolongar o pagamento”, mas é a ideal para o governo neste momento.

Isso porque o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) está em uma espécie de sinuca de bico. Com a inflação explodindo, a insatisfação com a economia pode derrubar ainda mais sua popularidade. Para o presidente, que pensa em se reeleger no ano que vem, um aumento expressivo na conta de luz — que encarece os custos em toda a cadeia produtiva, desde a agricultura até o varejo — pode ser o que faltava para inviabilizar sua candidatura.

A energia elétrica é, ao lado da gasolina, a principal responsável pela disparada da inflação nos últimos dois meses. Com alta de 0,89% este mês, o país atravessa o pior agosto, quando o assunto é inflação, desde 2002, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15).

Em junho, data do último reajuste das tarifas, o governo federal previa que a utilização de termelétricas elevaria os custos com geração de energia em R$ 9 bilhões até o fim do ano — valor bancado pelos consumidores. Naquele mês, o IPCA ficou em 0,53%. Já em julho, a estimativa dos custos com termelétricas foi atualizada para R$ 13,1 bilhões, um aumento de 45%.

Esse artifício, vale lembrar, é utilizado quando o volume de chuvas está baixo e o governo é obrigado a acionar usinas termelétricas, que funcionam com a queima de combustíveis como gás natural, biomassa, carvão mineral, nuclear, óleo combustível entre outros. Trata-se de uma energia suja, mas capaz de gerar abastecimento imediato, diferente do que ocorre com a energia eólica ou solar, por exemplo.

Atualmente, o Brasil é líder em produção de energia através de fontes renováveis, que correspondem a mais de 80% de sua matriz energética. Mesmo assim, especialistas defendem que o país deveria investir mais em geração de energia via fontes alternativas e renováveis. Além de serem necessárias para bancar os gastos com produção de energia, as bandeiras tarifárias também têm caráter educativo, para incentivar a economia — embora a eficácia dessa estratégia não seja consenso.

 

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Inflação mais alta e crescimento menor

A nova alta da bandeira vermelha 2, prevista para setembro, vai ter forte impacto na inflação. “Ainda não se sabe se o reajuste vai ser R$ 14 ou R$ 15. Supondo que o consumo de 100kWh dá uns R$ 200, foi para R$ 210 em agosto e passaria para R$ 215 em setembro”, calcula Etore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos. Segundo ele, essa alta tem impacto de 0,39 ponto percentual na inflação, que deve encerrar 2021 em 7,5%.

Nas contas de Flávio Serrano, economista-chefe da Geenbay Investimentos, em setembro, a sobretaxa pode custar entre R$ 11,50 e R$ 25,00 a mais. Com isso, o impacto na inflação seria de 0,40 ponto percentual. Assim, sua estimativa para a alta do custo de vida, antes de 7,1% para 2021, subiu para entre 7,50% e 7,60%. “Na prática, a população vai sofrer ainda mais com as implicações da energia nos preços de bens e serviços, principalmente o dos alimentos”, ressalta Serrano.

De acordo com Serrano, devido ao cenário, as previsões de crescimento econômico baixaram de 2% para 1,7%, no ano que vem. “E o índice de desemprego, hoje em 14,1%, deve chegar ao final de 2021 em 14,5%. Com o fim da estiagem, é possível que baixe para 13,5%, em 2022”, assinala.

Bruna de Sá, 27 anos, dona de um centro automotivo em Goiânia diz que está sendo difícil não repassar o aumento para os clientes. “Antes, nossa conta de energia girava em torno de R$ 1.000, agora tem saído por R$ 1.600, mesmo tomando várias medidas de economia”, conta Bruna.

Ryan Castro, morador do Riacho Fundo 2, em Brasília, lamentou pelo dinheiro que vai para a conta de luz, em vez de alimentação. “Antes, a gente pagava R$ 160 mensais, e agora pagamos R$ 200. É um valor que nos ajudaria a comprar os produtos do mercado, por exemplo, que também aumentaram demais”, reforça Castro.

ONS vê oferta no limite

Com os sistemas no limite, o risco de apagão na energia elétrica fica cada vez maior, embora o governo continue descartando a possibilidade de racionamento. Segundo nota técnica do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), divulgada nesta semana, a previsão é de que o consumo de energia elétrica seja maior que a oferta em outubro e novembro deste ano, caso novas unidades de geração de energia não comecem a operar.

O operador disse que é necessário aumentar a oferta de energia em 5,5 GW a partir de setembro para que não haja deficit. Isso corresponde a cerca de 7% do consumo diário. Se uma nova fonte de energia não passar a operar, haverá riscos de apagão.

A crise elétrica é consequência direta dos problemas que o Brasil tem enfrentado com o sistema hídrico. O país enfrenta a pior crise hídrica dos últimos 91 anos. Os reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste, que respondem por 70% da geração de energia do país, estão com 23% da capacidade de armazenamento, nível menor que o registrado em agosto de 2001, quando o país enfrentou racionamento de energia. O nível dos reservatórios do centro-sul do país já estão em níveis mais baixos que os que levaram à crise que levou ao racionamento de energia em 2001.

Segundo o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), houve “relevante piora” das condições hídricas e, por isso, é necessário adotar novas providências para manter os reservatórios das hidrelétricas.

Em novembro, quando começa o período chuvoso, o ONS prevê que os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste cheguem a 10% da capacidade. Para preservar a água nos reservatórios das hidrelétricas, o governo vem acionando as usinas termelétricas, que são mais caras e poluentes.

*Estagiárias sob supervisão de Odail Figueiredo

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