As chances de o crescimento da economia em 2024 ser maior do que o projetado pelo mercado são cada vez maiores, afirma Eduardo Velho, sócio e estrategista da JF Trust Investimentos. Na avaliação dele, não há nenhum exagero nas falas do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, de que o Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre vai surpreender para cima, e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que há estimativas apontando para avanço de até 2,6%. "Há mudanças estruturais ocorrendo na economia brasileira, cujos impactos não estão sendo captados pelos especialistas, não na magnitude correta", afirma. Por isso, os erros frequentes nas projeções. "As minhas previsões, neste momento, vão de 1,8% a 2%, com viés de alta." Para Velho, que integrou a equipe econômica entre 1999 e 2002, houve um expressivo aumento da produtividade da economia, que tem se refletido em redução dos custos da empresas e em lucros maiores. Há, porém, muitas nuvens cinzentas no horizonte, carregadas, sobretudo, pelas incertezas fiscais no país.
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Correio.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, diz que o PIB do primeiro trimestre deste ano crescerá mais do que o previsto e vai surpreender. Como vê essa declaração?
O presidente do BC tem uma ótima fundamentação e argumentos para sua previsão, ou seja, faz todo sentido. O mercado errou muito nas previsões de crescimento do PIB do ano passado. No fim de 2022, a mediana das expectativas do Boletim Focus apontava para um avanço de apenas 0,8%, sendo que alguns economistas e gestores de instituições financeiras previam até o risco de recessão no Brasil em 2023. Em janeiro do ano passado, o FMI previa expansão de apenas 1,2% para o país e, agora, sabe-se que será mais que o dobro disso. Na minha avaliação, caso o PIB brasileiro surpreenda em 2024 , será para cima e não para baixo — o viés é de alta. Vejo a declaração de Roberto Campos como positiva, mas, também, consistente com a realidade da economia brasileira, com surpresas para cima do PIB no pós-pandemia.
O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirma que já há estimativas no mercado de avanço de até 2,6% do PIB neste ano. Há exagero nessa projeção? Por quê?
Na última pesquisa Focus, a mediana das expectativas para o PIB de 2024 estava em 1,6%, enquanto estou prevendo uma taxa um pouco superior, de 1,84%. Entretanto, isso é uma previsão com modelagem econométrica que não, necessariamente, estaria captando alguns fatores estruturais que têm gerado uma performance mais positiva do crescimento econômico e do PIB potencial brasileiro. Não vejo exagero nessa estimativa de 2,6%, a tal ponto que o teto da minha projeção é de 2,03% para o PIB neste ano.
Por que o mercado tem sido tão pessimista em relação à economia e errado tanto nas estimativas? O que mudou estruturalmente na economia que os analistas não estão vendo?
Avalio que os erros das estimativas são provocados por alguns fatores que não estão sendo bem calibrados nos modelos de previsão do PIB. Em primeiro lugar, após o ciclo inicial da pandemia de 2020, ocorreram mudanças estruturais no padrão de crescimento da economia brasileira. Creio que reformas como a trabalhista, da Previdência e da independência do BC, além de movimentos estruturais de alocação de recursos dos últimos anos, a exemplo do home office, da inteligência artificial e da diversificação da matriz energética, estão repercutindo na elevação do PIB potencial do país. Isso, a despeito do último ciclo de aperto da taxa de juros. Há uma proporção mais elevada de pessoas trabalhando em home office, que tem permitido redução de custos nas empresas com deslocamento de funcionários, luz, energia, bem-estar. Ou seja, estamos falando de aumento da produtividade, que se reflete em maior faturamento e crescimento captado nas estatísticas do PIB. Para se ter uma ideia, uma pesquisa da FGV apurou que a proporção de empresas que constataram aumento da produtividade passou de 22%, em 2021, para 30%, em 2022.
Esse aumento da produtividade é ainda mais visível no agronegócio, certo?
Com certeza. O agronegócio teve aumento recorrente de produtividade, e isso ainda deve persistir por causa dos investimentos sistemáticos em tecnologia previstos para os próximos anos. Entre 2006 e 2021, a participação do agronegócio na produção nacional aumentou de 23,4% para 27,4%, conforme dados do Cepea. Além disso, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos apontou que o Brasil foi líder em produtividade agropecuária de um ranking de 187 países, entre os anos de 2000 e 2019. Em suma, avalio que existem componentes autônomos descolados dos ajustes da política monetária e da questão fiscal sugerindo que novas surpresas positivas para o PIB podem aparecer e endossar as declarações recentes de Roberto Campos Neto. Historicamente, quando os juros sobem, o mercado de trabalho perde força.
Mas, ainda que a taxa básica da economia tenha chegado a quase 14% ao ano, o desemprego é o menor em nove anos e as contratações continuam fortes. Como se explica isso?
De novo, a reforma trabalhista, aprovada em 2016, e as mudanças de alocação do capital humano e tecnológico resultaram em reduções de custos para as empresas e no aumento da produtividade, suavizando as pressões de demanda por procura por emprego. Esse movimento permitiu que o aperto da taxa de juros para dois dígitos para controlar a inflação a partir de 2021 ocorresse sem provocar um aumento acentuado do desemprego, como era predominante no passado no Brasil.
A inflação caminha para mais perto do centro da meta, mas a atividade ainda continua mostrando força. O BC será mais comedido no corte dos juros? Por quê?
Vamos por partes: a eficiência na gestão da política monetária pelo Banco Central tem de ser reconhecida como positiva, pois enfrentou diversos choques adversos, que pressionaram a desvalorização do real e os preços internos desde a implantação do regime de metas de inflação, em 1999. A despeito disso, a autoridade monetária conseguiu que a inflação ficasse dentro dos intervalos da banda do IPCA na maioria dos anos. Em 2021 e 2022, a inflação superou o teto da meta, mas ficou um pouco abaixo desse limite em 2023. Dado esse histórico recente, considero que há racionalidade no fato de o BC ser comedido na intensidade dos cortes dos juros. Além disso, a meta central do triênio 2024-2025 é de 3% ao ano. Em suma, o sarrafo do IPCA está mais baixo. Não acredito que o BC vá interromper o corte da taxa Selic neste momento, mas é sabido que, no contexto de as expectativas da inflação de 2025 e 2026 estarem rodando na casa de 3,5%, acima da meta central, é justificável a prudência.
Qual a sua projeção para o dólar? Há risco de uma nova disparada da moeda?
Tenho estimado, por meio de um modelo com cinco variáveis, um piso informal de R$ 4,72 por dólar no curto prazo, isto é, excluindo movimentos diários eventuais mais expressivos de ingressos no fluxo cambial — por exemplo, captações externas e investimentos para a bolsa e em renda fixa —, não vislumbro um dólar inferior a esse patamar, pelo menos no curtíssimo prazo, de um a três meses. Enquanto presenciarmos uma incerteza sobre a meta fiscal no Brasil e sobre a dinâmica dos juros nos Estados Unidos, acho que o dólar seguirá mais próximo de R$ 5 no curtíssimo prazo do que em patamares inferiores a R$ 4,72. Vale lembrar que a dívida pública bruta do Brasil aumentou de 71,6%, em dezembro de 2022, para 74,3% do PIB em dezembro de 2023, e o fluxo de ingressos de recursos externos tem ficado aquém do esperado, sobretudo, em janeiro deste ano. Não vejo um risco elevado para uma disparada do dólar ante o real.
Até que ponto a economia mundial vai afetar o desempenho da atividade no Brasil. Há, realmente, risco de recessão nos Estados Unidos?
Não trabalho com retração do PIB anual nos EUA em 2024, podendo, no máximo, registrar uma taxa negativa em algum trimestre. O cenário referencial é de desaceleração moderada da atividade, sem correção forte para baixo das bolsas de valores a curto prazo. De certa forma, se a inflação norte-americana seguir desacelerando, mesmo que lentamente, as taxas de juros externas vão recuar e impulsionar o crescimento, porém, com efeitos mais para 2025. Creio que os investidores já absorveram que não teremos um cenário de alta expressiva dos preços das commodities em 2024. As previsões recentes captam esses impactos negativos no setor de commodities, com um superavit comercial brasileiro de, no máximo, US$ 80 bilhões em 2024, contra US$ 98,8 bilhões em 2023. Em suma, a contribuição externa para o PIB do Brasil será inferior em 2024.
Como vê o embate entre o presidente da Câmara, Arthur Lira, e o governo. Até que ponto isso pode afetar o ajuste fiscal ?
No nosso regime de presidencialismo de coalizão, esse embate só prejudica: trava o andamento e aprovação de projetos fiscais, principalmente de obtenção de arrecadação que tanto o governo necessita para cumprir as metas fiscais. Além do efeito da mudança de humor com os rumos da taxa de juros nos Estados Unidos e da elevação do dólar ante o real desde janeiro, a recente rigidez do câmbio foi motivada pela incerteza fiscal e pelo ruído político entre Executivo e Congresso. Acredito, contudo, que, nas próximas semanas, tudo caminhará para uma solução. O presidente Lula e o presidente da Câmara já se comprometeram a zerar o jogo e a trabalharem mais afinados.
Como avalia a situação fiscal no país? Será possível cumprir a meta de deficit zero?
Faz tempo que não acredito que a meta de deficit zero será cumprida, mas se a equipe econômica já tivesse jogado a toalha, o novo objetivo fiscal seria encarado como um piso pelo mercado. É possível que o governo não consiga a mesma magnitude de arrecadação pretendida pela Medida Provisória 1.202/2023. Teremos menos receita e mais deficit público. O governo está tentando negociar um meio-termo. Outra questão é o parâmetro oficial do crescimento real do PIB utilizado no Orçamento da União, que o mercado considera que esteja superestimado entre 0,5 a um ponto percentual. O governo terá que reconhecer um deficit fiscal em 2024 ou, então, fazer um forte contingenciamento de despesas para atingir a meta de equilíbrio, de 0% do PIB, o que tem probabilidade reduzida diante da proximidade das eleições municipais. Não podemos descartar os riscos de judicialização da questão dos incentivos fiscais, que levaria também a menor arrecadação. Qualquer sinal negativo na meta fiscal terá impactos nos mercados.
Quais serão os maiores desafios para o governo neste ano?
Um desafio já contratado é equilibrar as demandas sociais e elevar as taxas de crescimento econômico com uma rigidez orçamentária. Atualmente, os gastos obrigatórios do governo federal representam um pouco mais de 90% da despesa primária total. Assim, será necessário sustentar a desaceleração da inflação para as metas ao longo de 2024, a fim de melhorar a distribuição de renda, o que passa pela convergência de ações da Fazenda e do BC. Outro ponto importante é propiciar a melhora do ambiente de negócios para elevar, de forma sustentada, a taxa de investimento e a produtividade do segmento de infraestrutura, resultando em mais poupança. Os agentes do setor produtivo precisam ter a percepção de que a política econômica comprometida com inflação baixa, metas fiscais exequíveis, bom ambiente de negócios e avanço das reformas estruturais não será revertida, evitando uma recessão aos moldes de 2015 e 2016.
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