análise

Raul Velloso: O diagnóstico macro é que está errado

"Para acreditar que essa encrenca é realmente séria, o problema só se mostra realmente gigantesco quando se adicionam as demais esferas de governo a todo o raciocínio feito até agora", observa o economista

Dívida pública cresceu 0,65%, segundo o Ministério da Fazenda  -  (crédito:  Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)
Dívida pública cresceu 0,65%, segundo o Ministério da Fazenda - (crédito: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

Correndo atrás de dinheiro farto, o governo insistiu bastante na defesa da reoneração tributária, mas acabou se vendo instado a trocar um tanto mais de desoneração sobre a folha de pagamento de vários setores pelo fim completo do benefício apenas em 2028.

A insistência na busca de uma solução que, no lado fiscal, atuasse apenas pelo lado do aumento de arrecadação (ou da redução da desoneração tributária, o que dá no mesmo, ambos sugadores de poupança e, portanto, de investimento privado) para solucionar a crise macroeconômica que vem atingindo o país há algum tempo (ou seja, frente ao temor de que se perca definitivamente o controle do crescimento da dívida pública), revela a tendência de ocorrer algo que muitos, como eu, temiam. Ou seja, que dificilmente o governo atual tentará sair da enrascada em que está metido desde seu início via medidas que operem exclusivamente do lado do corte de gastos correntes, que seria o caminho ideal.

Agora, ele continua tentando convencer os mercados de que chegará, em breve, a uma solução eficaz para o problema central, ainda que essa operasse apenas do lado da receita e que demorasse um tanto para fazer efeito pleno. E não importa que o instrumento escolhido, que tem a denominação exótica de "arcabouço fiscal", seja difícil para a média das pessoas entenderem.

Outro ponto importante que cabe enfatizar, mas que o governo não parece ter percebido, é que constatado o elevadíssimo peso a que chegou o super-rígido item previdência no gasto público total, notadamente no caso em pauta — isto é, o federal, que passou de 19,2 para não menos que 51,8% do total no curto período entre 1987 e 2021 —, o governo não parece ter se dado conta da igualmente super-rígida estrutura do grosso dos demais gastos federais correntes, deixando de lado apenas dois itens insignificantes da superminoritária pauta de gastos discricionários — o investimento em infraestrutura e o custeio geral. Estes, há pouco, representavam apenas 3,1% do total, ou seja, tinham praticamente zerado.

O X da questão é que, por volta de 2021, a parcela restante de 45,1% do total dos gastos federais se referia a gastos correntes em grande medida "imexíveis" ou "obrigatórios", tanto quanto a previdência. Só que, no caso, muitos deles gastos mínimos em boa medida determinados por "vinculações" rígidas de receita, ou valores obtidos — como no caso de educação e saúde — pela aplicação de percentuais fixos da arrecadação tributária, levando aos seguintes pesos dos gastos individuais no total: educação (6,5% do total gasto) e saúde (10,1%). Em adição, surgiram novas prioridades, como assistência social (16,4%), sem falar no velho pessoal ativo (12,1%). Daí, o subtotal de 45,1%, que, somados aos gastos previdenciários, nos levariam a 96,9% da verba toda.

Quem seria tão maluco politicamente para propor uma redução desses percentuais, exceto previdência como solução?

Única saída

Assim, a única saída seria dar um passo na direção do equacionamento definitivo do problema previdenciário federal, envolvendo pelo menos a zeragem do passivo atuarial da União como meta de médio prazo, um ajuste ao redor de não menos do que R$ 1,3 trilhão no caso específico dela, o que demonstra mais uma vez como estamos deveras encrencados.

Para completar o drama, note-se que tudo o mais considerado, sobrariam apenas 3,1% residuais do total, que, no mesmo ano, foram destinados à infraestrutura (2,2%) e outros custeios (0,9%) — ou seja, praticamente zerados. Por conta disso é que, conforme apurei, os investimentos públicos consolidados em infraestrutura, na União, estados e municípios, variaram à taxa média de -5,4% a.a. em 2010-22, viabilizando apenas a irrisória taxa média de crescimento do PIB, pelos padrões brasileiros, de 1,2% a.a. no mesmo período.

Para acreditar que essa encrenca é realmente séria, o problema só se mostra realmente gigantesco quando se adicionam as demais esferas de governo a todo o raciocínio feito até agora. Com efeito, se considerarmos estados e municípios, o peso dos gastos previdenciários se mostra realmente imenso, bastando considerar que a taxa real média de seu crescimento foi nada menos do que 12,5% a.a., no caso dos municípios, e 5,9%, no dos estados, na última década.

Por causa disso, com a adição de estados e municípios, o passivo atuarial total aumentaria para R$ 5,3 trilhões, um verdadeiro escândalo. Para completar, fica certo que se nada for feito para evitar isso, os investimentos públicos em infraestrutura tenderão rapidamente a estar zerados e o PIB não crescerá mais do que a média recente, bem próxima de 1% a.a. E o emprego que se dane...


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RAUL VELLOSO
postado em 14/05/2024 03:55
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