Guerra comercial

Tarifaço sobre produtos brasileiros saiu menos ruim que o esperado

Em lista divulgada nesta quarta-feira (30), Estados Unidos poupam produtos exportados pelo Brasil, como aviões e suco de laranja, mas mantém taxa de 50% para outros, igualmente importantes, como carne e café

A tarifa de 50% sobre produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos foi confirmada ontem, por meio de um decreto executivo assinado pelo presidente Donald Trump. A medida é fundamentada na declaração de uma "emergência nacional" contra ações do governo brasileiro, que, segundo Trump, representam ameaças à segurança, à economia e à política externa dos EUA. A implementação das tarifas, que estava prevista para o próximo dia 1º, foi adiada pelo governo norte-americano, com a publicação da ordem executiva, e deve entrar em vigor a partir do dia 6 de agosto.

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Apesar de atingir diretamente setores como agronegócio, mineração e indústria de base, o documento publicado ontem exclui, por exemplo, itens estratégicos como metais de silício, polpa de madeira, minérios, laranja, combustíveis, componentes aeronáuticos e derivados energéticos. Ao todo, a lista retira 694 produtos da tarifa de 50% que será cobrada a partir da semana que vem.

De acordo com a Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil), os produtos isentos corresponderam a US$ 18,4 bilhões das exportações brasileiras para os Estados Unidos no ano passado, o que representa 43,4% do valor total de itens vendidos aos EUA durante o período. "Embora essas exceções atenuem parcialmente os efeitos da tarifa de 50% anunciada, a Amcham reforça que ainda há um impacto expressivo sobre setores estratégicos da economia brasileira", destaca a entidade.

Apesar da quantidade significativa de exceções, alguns produtos estratégicos para o comércio entre os dois países ficaram de fora da lista, a exemplo do café, que historicamente é a principal exportação brasileira para os norte-americanos no setor agropecuário. Em 2024, 16,7% de todo café vendido para o exterior teve os EUA como destino final, de acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).

Em nota, o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) informou que seguirá em negociações com representantes do setor norte-americano, como a National Coffee Association (NCA), com o objetivo de incluir o produto na lista de exceções elaborada pelo governo dos EUA. "Diante da relevância do café aos consumidores e à economia norte-americana, entendemos que se faz necessária a revisão da decisão de taxar os cafés do Brasil - ato que implicará elevação desmedida de preços e inflação, uma vez que esses tributos serão repassados à população americana no ato da compra", comunicou.

A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC) também manifestou que acompanha com atenção os desdobramentos do anúncio de Trump. De acordo com o setor, se somada à alíquota atual de 26,4%, a carga tributária total ultrapassaria 76%, o que poderia comprometer a viabilidade econômica das exportações ao mercado norte-americano, que, segundo a Abiec, importou 229 mil toneladas da carne brasileira no ano passado. 

"A ABIEC seguirá atuando de forma propositiva, em parceria com o setor público e os importadores, para preservar a competitividade da carne bovina brasileira, assegurar previsibilidade aos exportadores e contribuir com o equilíbrio do comércio internacional e da segurança alimentar global", frisou.

Já a Associação Brasileira das Indústrias de Pescado (Abipesca) afirmou que acompanha com "grande preocupação" a confirmação da tarifa de 50% sobre produtos brasileiros. O setor também foi atingido com a medida e destacou que mais de um milhão de pescadores profissionais serão diretamente afetados. "A interrupção do escoamento da produção nacional comprometerá a subsistência de uma ampla rede de trabalhadores e comunidades, provocando consequências drásticas para a segurança econômica do país", comentou.

O decreto assinado ontem estabelece ainda, que, em caso de retaliação do governo brasileiro, as tarifas poderão ser ampliadas. Por outro lado, Trump também admite a possibilidade de reverter a medida caso o Brasil se alinhe novamente aos "valores democráticos, de livre mercado e de proteção aos direitos humanos", diz o documento da Casa Branca.

A execução da nova política será coordenada por diversos órgãos dos EUA, incluindo o Departamento de Estado, o Tesouro, o Departamento de Comércio e a Alfândega e Proteção de Fronteiras. Um sistema de monitoramento será criado para acompanhar os desdobramentos no Brasil, e relatórios periódicos serão enviados ao Congresso norte-americano.

Motivação política

O documento, publicado no site oficial da Casa Branca, alega que autoridades brasileiras estão promovendo práticas que violam direitos humanos, censuram cidadãos norte-americanos e interferem nas atividades de empresas dos Estados Unidos. O presidente dos EUA afirma que a decisão é amparada pela Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA) e pela Lei de Emergências Nacionais (NEA), que conferem à presidência amplos poderes em tempos de crise internacional.

Entre as justificativas apresentadas, o decreto cita diretamente o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Trump acusa o magistrado de abuso de autoridade ao autorizar prisões políticas, bloqueio de contas bancárias, apreensão de passaportes e censura de conteúdos e perfis de redes sociais pertencentes a cidadãos norte-americanos. Segundo o texto, Moraes teria atuado em coordenação com outras autoridades brasileiras para perseguir opositores e suprimir críticas ao governo.

Trump afirma ainda que o ministro brasileiro teria ordenado a entrega de dados sigilosos de usuários americanos por parte de empresas de tecnologia sediadas nos EUA, e ameaçado essas companhias com multas, suspensão de serviços e ações criminais caso não atendessem às exigências. O presidente americano classifica essas ordens como ilegais e inconstitucionais sob a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que protege a liberdade de expressão.

Além disso, o decreto afirma que Jair Bolsonaro está sendo alvo de um processo judicial com motivação política, no qual é acusado injustamente de crimes relacionados ao segundo turno das eleições de 2022. Trump considera que o julgamento de Bolsonaro pelo STF compromete o Estado de Direito no Brasil e ameaça a realização de eleições livres e justas em 2026.

Na visão do professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB) César Bergo, apesar ainda haver espaço para negociação, a questão política ainda permanece muito forte no radar da Casa Branca e deve ditar a pauta dos próximos dias. "Dessa forma, o governo brasileiro deve, de alguma forma, mostrar a avaliação equivocada dos Estados Unidos com relação ao comércio com o Brasil", considera. 

Para o especialista em comércio internacional Máximo Della Justina, o presidente dos EUA deve manter algumas restrições ao comércio entre os dois países. "Se ceder tudo, Trump sofre arranhões na credibilidade, demonstra fraqueza dentro dos EUA e no mundo. Isso também o desmoraliza e tem consequências político-eleitorais", avalia Della Justina.

O especialista também ressalta a influência dos Brics nesse movimento. O grupo é visto com maus olhos pelo presidente norte-americano, que já sinalizou impor tarifas específicas ao bloco, o que não se concretizou até o momento. "Com as tarifas, haveria um fortalecimento dos Brics se a China passasse a importar grande parte que não iria mais para o mercado americano. Assim, se pretendia jogar contra os Brics usando o Brasil, o efeito foi ao contrário", acrescenta. 

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