Entrevista

"Alíquota de 50% inviabiliza completamente a exportação", diz presidente da AEB

Em entrevista ao Correio, executivo e especialista em comércio exterior recomenda "cautela total" e diz que a crise política em torno da prisão de Bolsonaro pode paralisar as negociações com os EUA sobre a sobretaxa que começa a vigorar hoje

05/02/2019. Crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Correio Debate - Desafios da Economia em 2019, realizado no auditório do jornal Correio Braziliense. Na foto, José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). -  (crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press)
05/02/2019. Crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Correio Debate - Desafios da Economia em 2019, realizado no auditório do jornal Correio Braziliense. Na foto, José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). - (crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press)

As negociações sobre as tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros exportados aos Estados Unidos tendem a ser ainda mais delicadas diante da crise política no Brasil, agravada pela prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A avaliação é de José Augusto de Castro, presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), que alerta para o risco de paralisação nas negociações e defende cautela por parte do governo. "Esse tipo de situação pode suspender conversas importantes. Nenhuma das partes — nem o Brasil, nem os Estados Unidos — vai querer negociar em meio a ânimos exaltados", afirma em entrevista ao Correio.

Segundo ele, declarações fora de contexto podem intensificar tensões diplomáticas e prejudicar ainda mais o ambiente de diálogo. Para o especialista, o ideal neste momento é evitar decisões precipitadas.

Castro defende que uma das estratégias mais eficazes no curto prazo seria ampliar a lista de produtos isentos da nova taxação. "Uma alíquota de 50% inviabiliza completamente a exportação. Qualquer redução é como um impulso à competitividade", sugere, ao avaliar as expectativas em relação ao plano de contingência que deve ser anunciado pelo governo. Confira os principais trechos da entrevista:

A prisão domiciliar de Jair Bolsonaro pode dificultar as negociações com os Estados Unidos sobre o tarifaço?

Poder, pode. Mas, na verdade, não atrapalhar, suspender as negociações. Neste momento, ninguém vai querer discutir uma negociação. Então, basicamente, ele [o episódio] pode, de repente, paralisar as negociações. E é importante que nenhuma das duas partes, tanto Brasil quanto Estados Unidos, dê declarações que possam gerar qualquer tipo de divergência. Nenhuma das partes vai querer negociar em meio a ânimos exaltados.

Como avalia a decisão do governo de só divulgar o plano de contingência depois da entrada em vigor das tarifas?

Correto, porque pelo menos evita tomar uma decisão agora que precise ser revertida mais tarde. Neste momento, ninguém vai tomar uma decisão profunda, vai ser uma decisão quase superficial, apenas para marcar presença, não uma decisão definitiva. Basicamente, ninguém tem dados suficientes hoje para isso. Por exemplo, quando o Trump colocou 50% de tarifa para o Brasil, naquele momento, ele não tinha nenhuma intenção clara, era 10%, depois passou para 50%. Mas como ele tem o hábito de tomar decisões por impulso, sem avaliação técnica, foi uma decisão impulsiva. E depois, ele reverteu muito mais do que se imaginava.

Quais medidas acredita que podem estar nesse plano?

Olha, eu não vi o plano até agora, só se falou dele. Mas o governo sabe exatamente o que precisa fazer. Claro que há componentes mais técnicos do que políticos, e o governo vai evitar tomar qualquer decisão técnica que possa gerar atrito mais à frente.

O senhor acredita que seja melhor não agir agora?

Agora é o momento de fazer muito pouca coisa. Principalmente, não mexer em nenhuma pedra, deixar tudo no lugar. Assim, evita-se o risco de ter que reverter algo mais adiante. Neste momento, tenho a expectativa de que é melhor não fazer nada do que fazer algo errado e depois ter que reverter a situação. Total cautela, porque os ânimos estão meio exaltados. Tem muita gente falando, mas pouca, com capacidade real de falar. E, infelizmente, os ouvidos deste momento não estão bons para escutar declarações fora de contexto.

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Mesmo com as isenções, a indústria está preparada para lidar com os impactos? O melhor caminho seria ampliar essa lista?

Exatamente. Essa seria a ação mais rápida. Por quê? Uma alíquota de 50% inviabiliza completamente a exportação. Não dá para exportar nada com esse nível de tarifa. Cada vez que eu reduzo uma alíquota, estou criando mais condições. É como se eu aumentasse minha competitividade ao reduzir as tarifas. Acho que vão ser criadas mais isenções de produtos, o que vai tornar um pouco menos difícil exportar para os Estados Unidos.

Em uma visão mais otimista, há quem diga que a realocação das exportações pode beneficiar o Brasil. O senhor concorda?

Poder, pode. Descobrir um novo mercado hoje é possível, mas difícil, todos os países do mundo estão buscando novos mercados. O Brasil seria apenas mais um. A diferença é que o Brasil, além de buscar novos mercados, precisa reduzir custos. Temos esse famoso Custo Brasil, que é muito elevado e atinge principalmente os produtos manufaturados. Esses já entram perdendo de goleada. Se conseguirmos reduzir esse custo, ajuda. Mas sabemos que isso não acontece da noite para o dia. Vai levar um, dois, três anos... O que pode ser feito agora é reduzir a tarifa, é como se estivéssemos criando um estímulo adicional para exportar.

 


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postado em 06/08/2025 03:59 / atualizado em 06/08/2025 06:33
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