
A Uniao Europeia (UE) iniciou, nesta quarta-feira (3/9), o processo de ratificação do acordo de livre comércio com o Mercosul, e, como das outras vezes, a França continua relutante. O Executivo europeu validou o acordo comercial com o bloco sul-americano e prometeu garantias "sólidas" para proteger o setor agrícola, muito crítico ao tratado.
Contudo, para entrar em vigor, o acordo ainda precisará ser aprovado pelos 27 países do bloco e pelo Parlamento Europeu. As negociações de um acordo de livre-comércio entre os dois blocos começaram em 2000, e, em dezembro do ano passado, foram concluídas oficialmente.
De acordo com a AFP, fontes da Comissão Europeia informaram que a instituição pretende agir com rapidez e espera alcançar um acordo com os 27 países até o fim de 2025, durante a presidência rotativa do Brasil, iniciada em julho. A expectativa é de que a assinatura do acordo poderá ocorrer durante a cúpula do Mercosul, que será realizada no Brasil, em dezembro.
Na avaliação de Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Washington, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deu um impulso extra para que esse acordo que vem sendo negociado há mais de 20 anos entre os dois blocos saísse do papel desde que assumiu o comando da Casa Branca. Além do tarifaço aplicado ao Brasil, Trump aumentou impostos de produtos de vários países, inclusive os da União Europeia.
“Agora o acordo vai sair. Acho que a Comissão Europeia vai aprovar e a assinatura deverá ocorrer durante a presidência do Brasil, em dezembro”, disse Barbosa, em entrevista ao Correio. “Acho que a decisão está tomada. A geopolítica prevaleceu, com a ajuda do Trump”, acrescentou.
O Uruguai recebeu a notícia com "alegria" e desejou que o mecanismo seja concluído até o fim do ano. "A nossa alegria hoje (é) que esse processo final começou (…) Nosso desejo (é que) antes do término da presidência brasileira (no Mercosul) no mês de dezembro este acordo seja ratificado", afirmou o chanceler uruguaio, Mario Lubetkin, a jornalistas, informou a AFP.
Fontes da chancelaria brasileira informaram que o governo está monitorando a tramitação interna do processo de ratificação na UE. Segundo elas, "o andamento do processo é positivo".
A especialista em comércio internacional Lia Valls, pesquisadora associada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), também reconheceu que o início do processo de ratificação do acordo de livre-comércio UE-Mercosul pelos países-membros é um sinal importante. "Isso mostra que as coisas estão andando neste momento em que há toda a incerteza em torno das medidas tomadas por Donald Trump, que implicaram em um retrocesso enorme para o comércio internacional", afirmou. "O sinal é positivo, mas a parte comercial ainda deve demorar para o livre comércio ser uma realidade, porque há prazos longos para alguns produtos, com cotas e cronogramas de cinco, 10 ou 15 anos", explicou.
"Esse acordo UE-Mercosul é importante para o Brasil por conta da magnitude, pois é o primeiro grande acordo do Brasil, que vai implicar em impacto na balança comercial", afirmou Lia Valls. Segundo ela, os acordos recentes não têm tanto impacto.
Assim como Barbosa, Lia Valls concorda que o tarifaço de Trump está ajudando a acelerar o processo para o acordo comercial entre UE e Mercosul. "Donald Trump está jogando todo mundo a buscar acordos comerciais, mas, de qualquer maneira, isso não é um bom sinal, porque a desorganização que está sendo feita no comércio internacional é muito grande", destacou. Na avaliação dela, o retrocesso é grande e remete aos tempos anteriores à criação do GATT, acordo geral de tarifas e comércio, de 1947, que buscou promover o comércio internacional no pós-Segunda Guerra Mundial. "O retrocesso é tamanho que, agora, não há mais qualquer tipo de regra", lamentou.
Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e sócio da BMJ Consultores Associados, também considerou positivo o início do processo de ratificação do acordo. “É uma boa notícia. Acho que é um passo a mais para eles terem colocado, provavelmente já houve algum tipo de alinhamento dentro da União Europeia, apesar de sabermos que alguns países vão ser contra de qualquer forma. Mas é um passo importante", afirmou. Em tom otimista, ele disse que espera, até o fim deste ano, algum movimento para a assinatura do acordo.
A presidente da CE, Ursula von der Leyen, afirmou que "trata-se de um acordo benéfico para todas as partes, com vantagens significativas para os consumidores e as empresas" dos dois continentes. Contudo, desde que as negociações foram concluídas no mês de dezembro do ano passado, os sindicatos de agricultores europeus não poupam críticas à parceria.
O acordo UE-Mercosul deve permitir, por exemplo, que a União Europeia exporte mais automóveis, máquinas e bebidas alcoólicas para Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai, países-membros do Mercosul. Em troca, facilitaria a entrada de carne, açúcar, arroz, mel e soja dos países sul-americanos na UE, sob o risco de enfraquecer alguns setores agrícolas europeus.
A França reiterou nos últimos anos sua oposição ao projeto de tratado, que considera uma ameaça para sua produção de bovinos, aves, açúcar e biocombustíveis, ao mesmo tempo em que exige medidas adicionais de proteção. O processo de ratificação do acordo bilateral coincide com a crise política na França, onde o governo pode cair na próxima segunda-feira se o primeiro-ministro François Bayrou não superar uma moção de confiança.
Diversificação
Além de apresentar as propostas ao Conselho para a assinatura e conclusão do Acordo de Parceria UE-Mercosul (APEM), a Comissão Europeia também apresentou a proposta para o Acordo Global Modernizado UE-México (AGM). Esses acordos históricos constituem uma parte essencial da estratégia da UE para diversificar suas relações comerciais e fortalecer os laços econômicos e políticos com parceiros com ideias semelhantes em todo o mundo, de acordo com nota da instituição.
“Essas parcerias criarão bilhões de euros em oportunidades de exportação para empresas da UE de todos os portes, contribuirão para o crescimento econômico e a competitividade, apoiarão centenas de milhares de empregos europeus e promoverão os interesses e valores da UE”, destacou o comunicado. De acordo com a entidade, ambas parcerias “fortalecerão as cadeias de valor e ajudarão a UE a ampliar sua gama de fontes confiáveis de insumos e matérias-primas essenciais”. “Em um momento de crescente instabilidade geopolítica, esses acordos nos aproximam de parceiros estrategicamente importantes, proporcionando uma plataforma compartilhada para fortalecer a confiança mútua e enfrentar desafios globais comuns, incluindo a modernização do sistema de comércio global baseado em regras”, afirmou o documento.
Ambos acordos reafirmam nosso compromisso conjunto com os direitos humanos, o multilateralismo e a paz e a segurança internacionais. Eles também reforçarão nosso engajamento em questões-chave como Desenvolvimento sustentável, crime organizado transnacional e migração, conforme dados da CE.
- Leia também: Mercosul-UE, um acordo histórico de livre-comércio
“Nossos acordos com o Mercosul e o México são marcos importantes para o futuro econômico da UE. Continuamos a diversificar nosso comércio, a promover novas parcerias e a criar novas oportunidades de negócios. As empresas da UE e o setor agroalimentar da UE colherão imediatamente os benefícios de tarifas e custos mais baixos, contribuindo para o crescimento econômico e a criação de empregos. A UE já é o maior bloco comercial do mundo e esses acordos consolidarão essa posição”, disse a Ursula Von der Leyen, em nota da instituição.
O acordo UE-Mercosul criará a maior zona de livre comércio do mundo, abrangendo um mercado de mais de 700 milhões de consumidores. As empresas da UE desfrutarão da vantagem de serem pioneiras, beneficiando-se de tarifas mais baixas em uma região onde a maioria dos outros países enfrenta tarifas elevadas e outras barreiras ao comércio.
Pelas estimativas da CE, o acordo poderá aumentar as exportações anuais da UE para o Mercosul em até 39% (49 bilhões de euros – o equivalente a R$ 312 bilhões), gerando mais de 440 mil empregos em toda a Europa. “O acordo reduzirá as tarifas frequentemente proibitivas do Mercosul para as exportações da UE, inclusive, sobre produtos industriais essenciais, como automóveis (atualmente 35%), máquinas (de 14% a 20%) e produtos farmacêuticos (de até 14%)”, destacou a nota da CE.
Além disso, "o acordo facilitará o investimento das empresas da UE em cadeias de suprimentos essenciais, incluindo matérias-primas críticas e produtos relacionados, tudo com um alto nível de proteção ambiental e trabalhista. Isso pode desempenhar um papel fundamental no avanço das transformações econômicas verdes e digitais de ambas as regiões, garantindo cadeias de suprimentos previsíveis e estáveis".
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