Sistema financeiro

Governo e bancos apertam cerco a golpes digitais

Aliança nacional combina ações do Ministério da Justiça e do Banco Central e cria barreiras contra contas falsas. Ofensiva inclui 23 ações coordenadas, além de medidas para dificultar a atuação de quadrilhas; especialistas aprovam

Brasil se tornou um dos países com maior número de tentativas de fraude digital, atrás apenas da China -  (crédito: DINO)
Brasil se tornou um dos países com maior número de tentativas de fraude digital, atrás apenas da China - (crédito: DINO)

O governo federal e o sistema financeiro deram início a uma nova ofensiva contra fraudes digitais no país. O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), em parceria com entidades do setor financeiro, lançou um plano de ação integrado para enfrentar golpes e crimes cibernéticos que se multiplicam nas transações digitais.

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Paralelamente, o Banco Central (BC) anunciou novas medidas para dificultar a abertura de contas falsas usadas por quadrilhas para movimentar dinheiro de forma irregular, reforçando a estratégia nacional de contenção às fraudes e ao avanço das organizações criminosas no ambiente virtual.

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À medida que as operações on-line ultrapassam as presenciais no sistema financeiro, o Brasil se tornou um dos países com maior número de tentativas de fraude digital, atrás apenas da China, de acordo com o estudo The Emotional Undercurrent of Financial Scams.

A iniciativa, batizada de Aliança Nacional de Combate a Fraudes Bancárias Digitais, reúne 23 ações articuladas e é fruto de um acordo de cooperação técnica entre o MJSP e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, destacou como a digitalização transformou o cenário da criminalidade. "A crescente complexidade da criminalidade, exacerbada pela digitalização, tem transformado profundamente o cenário da segurança pública. O combate ao crime exige uma abordagem que transcende as ações estatais. É imprescindível que a sociedade participe ativamente", disse no lançamento da Aliança.

Segundo Lewandowski, a Aliança tem horizonte de cinco anos e reúne iniciativas já em execução, como o novo portal voltado às vítimas de golpes. "Já existem diversas ações concretas em andamento, como a criação de um site hospedado no Ministério da Justiça. Este portal tem como objetivo fornecer informações claras e confiáveis aos cidadãos, especialmente às vítimas de fraudes, que muitas vezes não sabem como agir ou a quem recorrer", explicou.

 combrate fraude digital
combrate fraude digital (foto: editoria de arte)

O objetivo é fortalecer ações de prevenção, detecção e repressão a fraudes, além de oferecer apoio direto às vítimas. "Esta Aliança é essencial, porque demonstra algo que o crime não terá, que é a capacidade de integrar setores distintos, público e privado, com agendas próprias, em torno de um objetivo comum", destacou Isaac Sidney, presidente da Febraban.

De acordo com ele, o esforço conjunto inaugura uma nova etapa na resposta às ameaças digitais. "Assim, mostramos ao Brasil que, para combater a criminalidade digital, podemos romper barreiras históricas e criar soluções coletivas para enfrentar um dos desafios mais graves e complexos, que são os golpes, as fraudes e os ataques cibernéticos nas transações financeiras."

O plano se apoia em seis pilares: aprimoramento dos processos de prevenção de golpes, intensificação da repressão, compartilhamento de dados, capacitação de agentes públicos e privados, atendimento às vítimas e conscientização da população.

Identidade segura

Também entrou em vigor na última semana o BC Protege , novo sistema do Banco Central que permite aos clientes bloquear a abertura de contas em seus nomes, ampliando a proteção contra fraudes e golpes no sistema financeiro.

A partir da ferramenta, todas as instituições financeiras são obrigadas a consultá-la antes de abrir contas de depósito, poupança ou contas de pagamento pré-pagas, garantindo que apenas titulares autorizados possam movimentar recursos.

A adesão ao serviço é voluntária e pode ser feita pelo portal Meu BC, que já reúne funcionalidades como o Registrato e o Sistema de Valores a Receber (SVR). Segundo resolução do Banco Central, a consulta ao BC Protege é obrigatória e deve ocorrer de forma prévia à formalização de qualquer nova conta.

Gratuito, o serviço permite que pessoas físicas e jurídicas bloqueiem a abertura de novas contas em seus nomes ou como representantes, obrigando as instituições a conferir a restrição antes de concluir qualquer contratação, reduzindo golpes de identidade.

Para o especialista em Direito do Consumidor Stefano Ribeiro Ferri, o recurso adiciona uma nova camada de proteção, ao oferecer ao consumidor maior controle sobre sua identidade financeira, representando também um avanço significativo na governança do sistema bancário. "Funciona como uma trava de segurança que o próprio cidadão ativa voluntariamente", ressalta.

A abertura de contas irregulares para ocultar operações suspeitas é uma das principais portas para atividades criminosas. Segundo o especialista, a nova camada de proteção reduz, significativamente, a vulnerabilidade porque ataca o problema na origem, que é o uso indevido do CPF ou CNPJ. "A ferramenta dificulta a prática de criação de contas laranjas, reduz oportunidades para golpes com Pix e reforça barreiras contra lavagem de dinheiro, especialmente em contextos de fluxo rápido e pulverizado de recursos", diz.

Ferri alerta, ainda, que a funcionalidade não elimina todos os riscos. "Ela não elimina 100% das fraudes, porque o golpe também envolve engenharia social, vazamento de dados e falhas humanas", afirma. "É uma ferramenta essencial, mas não suficiente sozinha", completa, lembrando que criminosos podem usar métodos que não dependem de novas contas.

Contas-bolsão

Além da nova ferramenta, entrou em vigor o fim das chamadas contas-bolsão, utilizadas para movimentar recursos de terceiros sem identificação individual dos titulares. Comuns em plataformas de comércio eletrônico, essas contas passaram a ser exploradas por organizações criminosas para ocultar operações financeiras e lavar dinheiro, motivando a restrição do seu uso.

As instituições financeiras serão obrigadas a encerrar esse tipo de conta, que dificulta o rastreamento de recursos e já apareceu em investigações como as operações Carbono Oculto, ligada ao PCC, e Poço de Lobato, sobre o Grupo Refit, apontado como maior sonegador de impostos do país.

Ao regulamentar a terceirização de serviços bancários pelo modelo Banking as a Service (BaaS), o Banco Central deixou claro que as contas abertas, mantidas ou encerradas nesse sistema devem ter titularidade individualizada e só podem ser movimentadas pelos clientes finais.

Adequação à LGPD

O avanço das fraudes de identidade e dos crimes cibernéticos tem impulsionado instituições financeiras e reguladores a reforçar mecanismos de prevenção no país. Para especialistas, a combinação entre ferramentas públicas, governança robusta e adequação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é decisiva para garantir segurança sem comprometer direitos de privacidade.

Segundo Luiz Fernando Plastino, advogado especialista em Privacidade, Proteção de Dados e Direito da Informática no Barcellos Tucunduva Advogados, o Brasil possui algumas das regras mais desenvolvidas do mundo em relação à segurança das instituições financeiras, e o Banco Central atualiza constantemente essas normas para responder ao surgimento de novas ameaças.

O especialista alerta que falhas na prevenção podem gerar responsabilização. "As instituições podem responder por perdas e danos se falharem em endereçar adequadamente o risco de fraude, inclusive quando o incidente envolver prestadores de serviços", diz.

A depender da causa, também podem ser aplicadas sanções administrativas por descumprimento de normas de segurança e governança. Quando houver vazamento ou uso indevido de dados pessoais, a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) pode investigar e autuar a instituição, aplicando multas ou até determinando a suspensão de atividades.

Plastino destaca que biometria e inteligência artificial reforçam a segurança, mas exigem base legal, transparência e controles humanos para evitar erros e garantir monitoramento contínuo. De acordo com ele, a tecnologia pode identificar padrões suspeitos e prevenir fraudes de forma automática, mas deve operar com "controles humanos para evitar falsos positivos e negativos, além de monitoramento contínuo".

Em sua avaliação, o país dispõe hoje de um ecossistema regulatório e tecnológico capaz de reduzir de forma significativa a superfície de ataque das fraudes. "O Brasil está na vanguarda da proteção contra fraudes, combinando normas robustas, ferramentas públicas e tecnologias avançadas, sempre com atenção aos direitos de privacidade e à segurança jurídica."

 


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postado em 15/12/2025 04:00
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