
Paranaense de Rolândia, Wlamir Motta Campos foi inspirado por um brasiliense a tornar-se arremessador de peso e, posteriormente, presidente da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt). Campeão dos 800m na Olimpíada de Los Angeles-1984 e prata na prova de meio-fundo em Seul-1988, Joaquim Cruz é uma das referências do chefão de uma das mais visadas entidades do esporte olímpico do país. Daqui a 300 dias, o dirigente estreitará os laços com o Distrito Federal ao colocar em cartaz no quadradinho o Mundial de Marcha Atlética.
O evento em 12 de abril de 2026 será o primeiro no hemisfério sul. A disputa passará pelo coração da capital federal, com largada na Catedral Metropolitana, cruzando o Eixo Monumental e outros cartões postais de Brasília. A realização é um tributo ao papel da CBAt e reconhecimento ao celeiro da modalidade. O DF ostenta o único medalhista olímpico da marcha atlética. Talento de Sobradinho, Caio Bonfim será o anfitrião da festa. Em entrevista ao Correio, Wlamir destaca a escolha da cidade e destrincha o cenário do atletismo no Brasil.
Entramos na contagem regressiva. Como andam os preparativos para um evento dessa magnitude no DF?
O coração está batendo mais forte, porque o tempo está passando muito rápido. Há uma vantagem: Brasília está pronta. Para o Mundial, não temos de construir nada, temos de organizar. Além de fazer um grande Mundial, que seja uma experiência para esses atletas que estão vindo do mundo todo, para conhecer, vender, expor e girar a economia de Brasília. Queremos mostrar ao mundo que estamos preparados e que o Brasil não tem essa imagem que se faz, ainda mais Brasília. Queremos colocar muita luz sobre Brasília, sabemos do potencial gigantesco.
A medalha de prata do Caio em Paris foi decisiva para a escolha de Brasília como sede?
Com certeza. A World Athletics busca novo mercados e somos um país de 200 milhões de habitantes. O evento nunca foi disputado no hemisfério sul. Esse é um ponto. Mas, se nós não tivéssemos nenhum ídolo, não faria sentido levar uma prova desconhecida a um lugar no qual não tem alguém que seja referência. É diferente da situação que vivemos hoje. O Caio já é um ídolo do atletismo mundial. Tenho certeza de que se não fosse o Caio, não teríamos esse Campeonato Mundial aqui.
Qual a importância de um ídolo?
O efeito do Caio para o desenvolvimento da marcha atlética no Brasil foi absurdo. Nos orgulhamos muito e que tem a ver com o DF: o João Sena, pai e técnico do Caio. A marcha atlética não existia nos JEBs nem nos Jogos da Juventude. Conseguimos trabalhar isso levando sempre o João Sena como referência. Conseguimos inserir nos JEBs e passo a ser obrigatório a prática da marcha atlética no Brasil. Há dois anos, inserimos nos Jogos da Juventude e, hoje, é uma das provas mais concorridas.
Como anda a relação da CBAt com o COB?
Excelente. Desde que assumimos, buscamos essa aproximação. O COB, sem sobra de dúvidas, tem que ser o nosso maior parceiro, pois somos a maior delegação em todos os Jogos. Temos muitos atletas com potenciais e precisamos estimular e permitir que eles participem de eventos no mundo todo. No atletismo, tanto no Mundial quanto em Olimpíadas, tem duas formas de estar: por índice ou ranking. Infelizmente, a World Athletics tem uma visão eurocentrista. As competições estão todas no Hemisfério Norte, principalmente nos EUA na Europa. Nossos atletas têm uma desvantagem muito grande em conquistar pontos, porque fazemos competições aqui, mas as principais estão lá. Para isso, precisamos de parceiro, e o COB tem sido um grande aliado.
Como estão as contas da CBAt?
Nós mais que dobramos a receita, por meio das renovações com a Caixa, mas, principalmente, pelos termos de fomento. Com essa ideia de descentralizar as competições no Brasil, eventos que eram realizados com recursos da Caixa sempre nos mesmos lugares, comecei a ter parceiros. Com isso, ao entrarem esses recursos, eu os desonero. Ou seja, é mais dinheiro da Caixa que posso investir em outros projetos. Das 38 Confederações olímpicas, cinco são autossuficientes.
Já foram procurados por bets?
Duas vezes. Mas, como temos o patrocínio com as Loterias Caixa, não temos como ter bets no atletismo. Confesso a você que também não quero. Acho que essa aposta não dialoga com o atletismo. Tenho muito receio. A World Athletics tem essa preocupação. Não queremos que tenha nenhum tipo de contaminação ou influência de apostas esportivas no resultado do atletismo. Mas eles estão chegando. É um caminho sem volta. Isso vem sendo bastante discutido, mas espero 'não precisar'. Se depender de mim, não quero bets no atletismo.
E o contrato com a Puma?
O retorno financeiro é em caso de bonificação, mas não dá para falar dos valores, pois é bonificação de resultado, porque o contrato tem cláusula de sigilo, mas estamos falando em algo em retorno de R$ 40 milhões ao longo do contrato (até 2032). É um contrato robusto, mas em material. Não existe aporte mensal. É um material de excelente qualidade, pela primeira vez, é um contrato que entra todo material, até as sapatilhas, que são caríssimas. Nada é produzido no Brasil, o que é um problema gigantesco, tudo é importado. Dá uma média de 800 peças por delegações. Temos 20 por ano. É um volume gigantesco. Estamos satisfeitos tanto com a tecnologia para performance quanto com o visual.
Como estão as pistas do Brasil?
A infraestrutura é um problema. Das 27 unidades da Federação, só duas não têm pista sintética: Rondônia e Bahia. Nosso desafio é fechar o mapa. A maioria das pistas, hoje, estão em universidades federais ou em bases militares. Faltam pistas, mas mais grave do que isso é não podermos acessar às pistas. Apresentamos uma proposta há dois anos e vamos insistir nisso: faz-se necessário regulamentação para o uso dessas pistas.
Além disso, há o fato de termos pistas, mas não termos a infraestrutura, equipamentos e implementos. Temos 40 pistas aproximadamente, só duas com equipamentos e implementos. Dificulta muito para treinamento e realização de competições.
O Brasil é muito grande. Dá para dizer que cada estado contribui para o desenvolvimento específico de alguma modalidade?
Não dá para cravar, mas Rio de Janeiro é forte em provas de velocidade. Em Brasília, a marcha atlética. Estados do Sul, arremesso e lançamento, até pelo próprio biotipo. O resto está bem pulverizado. O atletismo está presente nas 27 unidades da Federação.
Há casos de talentos que a CBAt perdeu para outras modalidades?
Perder para outras modalidades, não. Hoje, os principais destaques do bobsled, desporto no gelo, são do atletismo, mas que estavam em uma transição ou não chegou aos Jogos Olímpicos, mas chegou pelo bobsled. Mas o que mais acontece é na iniciação. Perdemos muito talento, principalmente nas provas de salto em altura, principalmente no feminino. Identifica, vai ao clube, ele sai e vai para o vôlei ou para o basquete. Os clubes pagando mais para um atleta do vôlei do que para o de atletismo. O resultado vem mais rápido.
Se pudesse mudar apenas uma coisa no atletismo brasileiro com um estalar de dedos, qual seria?
Uma pista em Petrolina (PE), porque estamos no núcleo do sertão, sem nenhuma pista e com um potencial gigantesco. Fui em projetos onde não há água na escola, mas há campeões sul-americanos.
Qual momento mais te emocionou como presidente e amante do esporte?
Do alto rendimento, o Caio. Tive o prazer estar assistindo presencialmente à prova, carregando o filho dele no colo. Por outro lado, na iniciação, uma atleta de Russas (CE), que mora em barraco, não treina em pista e, aos 14 anos, bateu dois recordes brasileiros. Aquilo mostrou que era isso que eu queria. Precisamos colocar luz sobre essas crianças. Agora, de todos os tempos, a medalha de ouro de Joaquim Cruz em 1984. Foi o que me fez entrar no atletismo. Aos 14 anos, aquilo me chamou a atenção e jamais imaginei que me tornaria amigo dele.
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