
Aos 45 anos, Ricardo José Dognella Lima de Oliveira está diante de um novo desafio. Não mais dentro da área, com a responsabilidade de colocar a bola no fundo da rede como nas artilharias da Libertadores de 2003 ou do Campeonato Brasileiro de 2015. O ex-centroavante de Portuguesa, Santos, Valencia, Betis, São Paulo, Milan, Atlético-MG e Coritiba está de volta ao último clube da carreira dele, o Brasília Futebol Clube.
Em vez de usar a chuteira, o calção e a camisa 9 nas costas, ele assume a função de vice-presidente, abaixo de Flávio Simão na hierarquia. A primeira missão será catapultar o colorado à elite doméstica na Série B, com início no próximo dia 30. Em entrevista exclusiva ao Correio, o campeão da Copa América em 2004 e da Copa das Confederações em 2005 com a Seleção fala sobre a transição da carreira de jogador para dirigente e os planos para resgatar a história do time pelo qual fez dois gols em sete jogos na elite candanga em 2023.
De onde vem essa frase publicada nas suas redes sociais: "Eu amo este jogo, e vou fazer de tudo para ele me amar de volta"?
Essa frase nasce da minha história com o futebol, que é muito forte. A minha mãe dizia que, com nove meses, a primeira palavra que eu falei foi gol. Eu, como um bom filho, nunca a contrariei. Então, eu sempre vi o jogo como algo que exige amor, entrega e respeito. Eu aprendi que o futebol só devolve aquilo que você investe, ou seja disciplina, dedicação, sacrifício, paixão. Eu criei para expressar exatamente isso, que não basta você só amar o jogo, é preciso viver de tal forma que ele reconheça esse amor e retribua em forma de legado. Por isso, criei essa frase que representa muito para mim.
Paulo Roberto Falcão costuma dizer que um jogador de futebol morre duas vezes: uma ao se aposentar e a outra na morte natural. Como tem sido o distanciamento no papel de atleta?
Essa frase do Falcão é um mandamento do futebol. Ela traduz bem o sentimento. Para mim, não foi fácil. Uma carreira de 23 anos dentro dos gramados. Mas eu me preparei para isso. Costumo dizer que esgotei o físico e o mental, deixei tudo dentro do campo para não ter tempo de me arrepender.
Como tem sido a distância dos gramados?
Em vez de enxergar a aposentadoria como uma morte, eu a encaro como uma transição natural. Ninguém resiste ao tempo. Eu falo na terceira pessoa que o atleta Ricardo continua vivo dentro de mim em cada brincadeira com os amigos ou alguns jogos representando os másters do Milan da Itália, o Real Bétis da Espanha... Eu coloco tudo isso para fora novamente em forma de aprendizado, de um novo papel que estou desempenhando.
Dá para conciliar vida de empresário e jogador nas horas vagas?
Continuo tocando meus negócios, entre outras coisas que eu tenho, jogando futebol e tentando retribuir o que ele me deu. Existe um tempo e depois que esse tempo acaba você passa por uma transição. Graças a Deus, ela está sendo maravilhosa. Tenho ajudado a construir oportunidades e fortalecer o futebol fora das quatro linhas.
Como foi esse processo de transição da carreira de jogador para dirigente? Era parte do plano trocar o uniforme pelo terno e a gravata?
Esse processo de transição da carreira começou bem antes da aposentadoria. Fui estudar, fazer alguns cursos ouvindo profissionais que viraram autoridade nessa área da gestão do futebol e para mim entendo como um processo natural. A minha liderança não se limita ao campo. Durante a minha carreira, aprendi sobre disciplina, gestão de grupo, tomada de decisão e agora eu aplico isso como dirigente, como vice-presidente do Brasília. Sabia que, em algum momento, continuaria servindo ao futebol em outra função e está acontecendo.
Você gosta de ler sobre gestão de clubes de futebol? Qual é o livro preferido?
Sempre fui muito apaixonado por leitura e nunca me apeguei somente a um tema. Invisto muito no meu desenvolvimento pessoal e a leitura me engrandeceu como ser humano e trouxe muitas oportunidades de aprender sobre histórias de outras pessoas, insights importantes. Um livro que eu gosto e me marcou muito é sobre liderança, do John Maxwell. Embora não seja específico sobre futebol, traz princípios fundamentais para conduzir pessoas e projetos no futebol. A gestão de clubes não é sobre números somente. É sobre gente, pessoas, e essa leitura me ajuda a aplicar isso na prática. Passei 23 anos no futebol aprendendo com vários dirigentes competentes com os quais aprendi. Ouvindo muitos conselhos, vou conseguir implementar no Brasília.
Temos vários casos de ex-jogadores que hoje são dirigentes. Quem é a sua referência ou inspiração nessa nova profissão e mercado?
Eu me inspiro em pessoas que conseguiram fazer a transição com muita seriedade: o Leonardo, que foi diretor do Paris Saint-Germain. Eu trabalhei com o Léo lá no Milan. Ele é a grande referência como dirigente, um cara que teve muito sucesso nisso. Preciso olhar para minha referência maior, que, sem sombra de dúvida, é a própria história de Jesus. Eu sempre procurei aprender com a forma de Jesus liderar e de servir, que é o que Ele nos ensina. O bom dirigente, o bom líder, é aquele que coloca o clube, o atleta, os torcedores acima do próprio ego. Tenho muito bem definido quem são as minhas referências.
Por que a escolha por Brasília e pelo Brasília nessa parceria com o presidente Flávio Simão?
A ideia é tratar o clube como uma SAF?
Eu nunca imaginei que jogaria em Brasília e a vida me apresentou o Brasília em 2023. Assumi o compromisso de ajudar o Flávio naquele projeto e vi da melhor maneira possível. Brasília é o coração do Brasil. A capital merece ter um futebol forte, representativo e respeitado. Ele compartilha comigo a mesma visão: transformar o Brasília em uma referência alcançando a sociedade, transformando por meio do esporte. Acreditamos que o modelo de SAF pode ser um caminho. Nós não fechamos portas para isso, mas o mais importante é criar uma gestão profissional e transparente. Isso daí eu não abro mão para que possamos atrair investidores que deem sustentabilidade ao nosso projeto. Temos isso muito claro.
Como foi o processo de escolha do técnico do Brasília para a Série B do Candangão?
Temos definido quem vai ser o nosso treinador (Manuel Rodrigues). Analisamos o perfil, tivemos reunião. É uma pessoa de liderança, disciplina, e que se identifica com a nossa visão. Nós não estávamos atrás de um formador de atletas apenas, mas de homens. O foco foi em alguém que pudesse trazer resultados dentro e fora do campo. Um projeto ambicioso.
Como vão funcionar os investimentos no clube? O seu papel é de investidor ou mais administrativo?
Meu papel é mais estratégico e administrativo, voltado para a gestão, a captação de recursos e a credibilidade. Nós queremos usar toda a minha história, a minha rede de contatos, para atrair os investimentos e os patrocinadores. Os recursos serão aplicados de forma responsável. Dentro de alguns anos, Brasília estará no cenário nacional.
Como a sua imagem e história no futebol podem ajudar a atrair patrocinadores e investidores?
A minha história fala por si. Foram 23 anos de carreira profissional. Sempre mostrei liderança, disciplina, seriedade e compromisso. Sempre foram marcas da minha vitoriosa carreira. Isso gera confiança para poder usar essa história toda com um peso. Muitos investidores querem resultados, mas também valores. Isso conta muito. Eu pretendo trazer para o Brasília um projeto sólido, transparente e com muita credibilidade.
Temos casos de dirigentes como Rivaldo e Romário que, além de donos, decidiram jogar também pelo Mogi Mirim e o América. Você pretende ser o 9 do Brasília na Série B do DF ou atuar somente na gestão, mesmo, fora das quatro linhas?
A paixão sempre vai existir, mas a minha missão, agora, é outra: vou contribuir fora de campo da melhor maneira possível. A minha função é estruturar o clube e preparar o caminho para que novos talentos brilhem e sejam revelados. A minha missão é fora do campo na gestão, e nisso eu concentro toda a minha energia.
Como foi a primeira experiência no futebol do Distrito Federal? Alguma história inusitada?
A experiência no futebol do Distrito Federal foi maravilhosa. Meu primeiro jogo no Mané Garrincha teve uma energia única, de tirar o fôlego. Vou viver isso novamente, só que agora do lado de fora, ansioso, mas também entusiasmado. Nós estamos montando a melhor estrutura física e humana para conseguirmos os nossos objetivos.
O DF só tem times na Série D, a última do futebol brasileiro. Como explicar a ausência de uma das cidades com o maior PIB do país sem um time de futebol forte na A, B ou na C? Qual é o diagnóstico dessa crise?
O diagnóstico passa pela gestão profissional. Isso é determinante para a continuidade de projetos em Brasília. A cidade tem recursos, mas demanda um modelo de gestão sério, transparente. O maior desafio é resgatar a confiança para que haja investimento também na base para montar um projeto sustentável que leve o futebol de Brasília de volta ao cenário nacional. É o que a gente vai tentar fazer.
Como é a sua relação com Brasília? O que gosta de fazer aqui na cidade?
Tenho um carinho enorme por Brasília, pela beleza e pela história da cidade. Eu sou apaixonado por história. Gosto muito de jantar, de me relacionar com pessoas, de entender a cultura local, e Brasília tem uma força especial. Eu acredito que nós podemos construir algo grande para a cidade.
Há um problema sério para a Série B do DF: a falta de estádios. Onde o Brasília mandará as partidas?
Esse, sim, é um desafio real, a falta de estrutura para jogar a Série B do DF, mas nós estamos conversando. A ideia é que o Brasília tenha uma casa que acolha o torcedor e dê condições dignas aos nossos atletas e aos adversários. Nós entendemos que o torcedor merece ver o time em um ambiente seguro e adequado. Estamos trabalhando para que isso aconteça.
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