Entrevista

Bicampeã mundial Jillian Anne Ellis fala sobre expectativa para Copa de 2027

Única técnica bicampeã mundial em anos consecutivos, inglesa diretora de futebol da Fifa conta ao Correio como o pai a inspirou a derrotar o machismo e sugere ao Brasil fazer o mesmo na Copa Feminina de 2027

 02/12/2025. Ed Alves CB/DA Press. Esportes.Entrevista com Jill Ellis - Tecnica de Futebol Bicampeã e Diretora de Futebol da Fifa.  -  (crédito:  Ed Alves CB/DA Press)
02/12/2025. Ed Alves CB/DA Press. Esportes.Entrevista com Jill Ellis - Tecnica de Futebol Bicampeã e Diretora de Futebol da Fifa. - (crédito: Ed Alves CB/DA Press)

Aos 59 anos, a inglesa Jillian Anne Ellis é a mulher superpoderosa do esporte mais popular do mundo. Nascida em Folkestone, a simpática senhora de 1,70m não foi nomeada por acaso pelo presidente Gianni Infantino diretora de futebol da Fifa. Ela é a única treinadora bicampeã da Copa do Mundo Feminina em edições consecutivas. Levou os Estados Unidos à glória nas versões de 2015 e de 2019.

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Até então, somente o italiano Vittorio Pozzo ostentava esse feito na Copa do Mundo masculina na dobradinha de 1934 e 1938.

Jill Ellis foi escolhida a dedo por Infantino para vir a Brasília. Falta um ano e meio para o início da Copa do Mundo de 2027 no Brasil. A primeira na América do Sul em 10 edições. Uma das virtudes da treinadora convertida em executiva é a capacidade de agir estrategicamente. As movimentações pela cidade foram discretas como as táticas usadas no passado para surpreender adversários, ganhar jogos e empilhar taças.

A britânica usou o carisma para promover a Copa do Mundo em projetos sociais na capital, mas também para checar o ritmo e os cumprimentos dos protocolos do Brasil nos preparativos a fim de atender às demanda da Fifa na contagem regressiva para o megaevento. Na entrevista a seguir ao Correio, Jill Ellis conta como driblou o machismo para jogar futebol desde a infância, mostra paixão pela arquitetura de Brasília, manifesta o carinho por Marta e aponta os favoritos à Copa masculina de 2026 na América do Norte.

Falta um ano e meio para o início da Copa do Mundo Feminina 2027. Como avalia os preparativos do Brasil para a primeira edição na América do Sul?

Parte da minha vinda a Brasília foi para encontrar o governo federal. Precisamos ter uma fundação e uma infraestrutura. Encontrei com o Comitê Organizador da Copa do Mundo para tratar sobre a segurança, a infraestrutura dos estádios, os impostos. Temos um bom progresso. Saímos bem de 2025 e iniciaremos a fase de implementação em 2026. Estamos observando os centros de treinamento. Temos uma equipe para isso. Construindo relações. Estou muito animada para 2027.

Brasília e o Mané Garrincha estão entre as oito sedes da Copa. Espera vê-lo lotado?

Sim. Lembro-me de ter jogado aqui como técnica. Da atmosfera, do ambiente. E olha, eu acho Brasília uma cidade única, a arquitetura. É muito diferente em relação a estar em São Paulo, no Rio de Janeiro. Tem um charme especial. Eu adoro o estádio. Barulhento. Parece que as pessoas estão em cima de você. Quando olhamos para o alto, tem o céu passando. É uma arena icônica, tem muita história.

A senhora não tem boas memórias do Mané Garrincha: a Suécia eliminou os EUA aqui nas quartas de final dos Jogos Olímpicos do Rio-2016...

Competitivamente, não. Experimentalmente, sim. Foi um jogo competitivo. Como técnica, quando você passa por uma dor, olha para trás e trata como uma experiência.

Pia Sundhage era a treinadora da Suécia. Como foi auxiliá-la na seleção dos EUA e, anos depois, ser eliminada por ela?

Eu fui assistente da Pia em 2008 nos Jogos Olímpicos de Pequim e em Londres-2012. Ela é uma mentora, uma ótima amiga. Foi doloroso para mim, mas prazeroso vê-la ganhar a medalha de prata (Rio-2016). Fiquei feliz por ela. Eu sempre soube que seria difícil enfrentar a Suécia e que ela sempre teria um plano. Aquela derrota foi uma espécie de reset. Como meu pai (John Ellis) sempre dizia, 'você é tão bom quanto seu último jogo'. Aquilo nos devolveu à terra, fez perceber que precisávamos continuar evoluindo. Fico feliz em vê-la na ativa e estou surpresa com o fato de a Suíça não ter renovado o contrato dela. Foi bem na Euro.

A senhora vê legado da Pia Sundhage na Seleção Brasileira?

A Pia convocou jogadoras novas. Para disputar uma Copa, você precisa de uma combinação entre juventude e experiência. É necessário ter essa mistura. Uma das coisas que a Pia fez ao longo da carreira foi formar uma nova geração de jogadoras, construir. Então, eu acho que esse é o legado: identificar talentos. A (atacante) Debinha (Kansas City), por exemplo, era jovem naquela época.

Como avalia o trabalho do Arthur Elias na Seleção Brasileira?

Faz um trabalho fantástico. Está criando uma cultura vencedora. Expectativa por bons resultados. Conquistou a prata nos Jogos Olímpicos de Paris-2024, ganhou a Copa América. Quando você tem esse sucesso, cria confiança, fome. Quanto mais você ganha, mais quer ganhar. Eu adoro o que ele faz, a mistura de gerações. Ele é inovador.

Vê chance de pódio ou até título na Copa de 2027?

Eu sou otimista. Acho que o Brasil, com o público de casa e o talento que tem, certamente será um país difícil de ser dominado na Copa do Mundo.

Só uma seleção ganhou a Copa em casa: os EUA, em 1999.

É difícil gerenciar a expectativa do país. Eu vi isso na França em 2019. Há uma pressão. É um país que gosta de futebol. Eu acho que a Seleção vai crescer nesse ambiente.

Está satisfeita com o trabalho de base das seleções filiadas à Fifa?

Eu acho que a Copa de 2023 foi um verdadeiro benchmark (referência de bom desempenho). Vimos novas equipes, novas jogadoras. As bases estão muito competitivas. O futebol feminino está se globalizando. Há uma enorme quantidade de talento em todos os lugares. Temos uma rede de pesquisa muito melhor. Um crescimento nas ligas femininas profissionais.

A Copa Feminina tem 32 seleções. Há margem para um novo aumento?

Muitas pessoas pensaram que o aumento (do número de participantes) na Austrália e na Nova Zelândia seria problemático, mas eu acredito que a Fifa tem iniciativas para fazer com que essas equipes cheguem preparadas ao Mundial. Há orçamento não somente para as Eliminatórias, mas para a preparação para a Copa do Mundo.

O futebol feminino tem contra si o machismo. Como o seu pai, John Ellis, e a mãe, Margaret, ensinaram você a driblar o preconceito?

Essa é uma ótima pergunta. Meu pai era um treinador. Cresci na Inglaterra, onde meninas não jogavam. Era um esporte de meninos. Só comecei quando mudei para os Estados Unidos. Minha mãe ficou horrorizada no início, mas, depois, no primeiro jogo, ela já estava gritando com o árbitro. Acredito que o futuro do esporte será quando alguém assistir à Serena Williams e disser: "Uau, que tenista", e não "que tenista mulher". O fã moderno aprecia a precisão técnica, o físico, sem ver gênero. Vou compartilhar com você uma história rápida: quando eu treinava na UCLA (Universidade da Califórnia, Los Angeles, EUA), contratei um assistente que nunca tinha treinado mulheres e era meio crítico. Um dia, coloquei-o para jogar contra as jogadoras e ele percebeu: "Oh, m****, elas são reais, são rápidas e técnicas". Às vezes, você precisa entrar no ambiente para perceber. José Mourinho (bicampeão da Champions League e atual técnico do Benfica) me ligou após nosso jogo contra a França na Copa do Mundo de 2019 elogiando a estrutura e a proficiência técnica da equipe (dos Estados Unidos). Para os críticos que ficam no porão de casa sendo negativos, não lhes dê atenção. Eles estão perdendo algo incrível

Qual é a sua mensagem ao povo brasileiro para a Copa de 2027?

Vocês têm a oportunidade de, potencialmente, ter um time para competir em um campeonato mundial. Apoiem, apareçam no estádio. Fui treinadora e sempre estive exposta. Se as críticas partem de alguém que você respeita, ouça. Mas se é de alguém que só tem uma opinião e quer ser negativo, quebrar as coisas, não lhes deem muita atenção. O que eu sei é que nós acreditamos no que estamos construindo. Tínhamos mais de 2 bilhões de telespectadores na Copa de 2023. O mundo está assistindo. Se alguém escolheu não assistir ao nosso jogo e criticá-lo, eu não posso controlar isso. Mas eu acho que eles estão perdendo.

O papai John Ellis é a sua inspiração?

Meu pai foi definitivamente uma inspiração para mim. Eu trabalhei quando era jovem. Recebia bem. Eu me lembro de ser oferecida ao cargo de segunda assistente em uma universidade por US$ 6 mil por ano. Liguei para a minha mãe e ela disse que eu era louca. Telefonei para o meu pai e ele disse que era uma oportunidade incrível. Às vezes, na vida, decidir é escolher ir para a esquerda ou a direita. Eu estava paralisada até que o meu pai disse: "Ellis, a vida deve ser uma aventura. Faça uma escolha valente". Foi um passo de fé. Escolhi a paixão e não o salário. Meu pai também afirmou sempre: "Ellis, nunca treine apenas para manter o seu trabalho, mas pelo que você acredita".

Esses conselhos sustentaram os dias mais difíceis?

Quando nós perdemos aqui, no Mané Garrincha, em 2016, muitas pessoas disseram: "Ela tem que ir embora". Eu fui perguntada em conferências de imprensa se temia perder o trabalho. Respondi que não estava treinando para manter o meu trabalho, mas pelo que eu acreditava. E o que eu acreditei é que nós tínhamos de passar por uma reestruturação, uma reconstrução. Nós tivemos que encontrar novos talentos, olhar taticamente como nós jogávamose e nos tornarmos mais diversas. Se eu não tivesse essa inspiração do meu pai, eu provavelmente sentiria a pressão. Meu pai tem 86 anos. Ele ainda joga futebol três vezes por semana, treina na vila onde ele mora, na Flórida. Meu pai tem sido não apenas meu treinador, mentor, mas um dos meus maiores apoiadores.

Por falar em incentivo, espera ver a Marta dentro ou fora de campo na Copa de 2027?

Bem aqui é o que eu diria (aponta para o gramado do Mané Garrincha). A Marta tem de tomar a decisão dela, e o treinador, a dele. Minha esperança, como fã de futebol, como alguém que competiu contra a Marta, é que ela esteja aqui no Brasil, em 2027, no campo. Eu ainda vejo o nível de jogo, sabe? Ela pode não começar uma partida, mas ela pode entrar como inspiração, liderança. Eu absolutamente adoro a Marta. Provavelmente, a maior que enfrentei. Os melhores do mundo podem jogar em qualquer time e serão jogadores de impacto. Se você pegasse a Marta e a colocasse no time japonês, ela estaria bem. Se você a colocasse no time americano, ela entraria bem. Se colocasse no time francês... Não importa qual time. Eu adoro que ela seja uma embaixadora do esporte, uma jogadora incrível. Tenho grande admiração por ela.

Está preparada para uma Copa do Mundo masculina sem Neymar e a feminina sem Marta?

Uau, eu não pensei nisso. Eu já fui treinadora, sei que essas decisões são difíceis. Quando você olha para um time e faz essas seleções... Eu tinha uma jogadora em 2015. O nome dela era Abby Wambach. Era o fim da carreira dela. Eu me lembro de ter uma conversa com Abby. Eu disse: "Não sei quantos minutos você vai jogar na Copa do Mundo, mas quero você, sua experiência, liderança. Quero todas essas coisas". Ela foi uma das peças mais importantes no título da Copa de 2015. Saiu do banco e fez gol contra a Nigéria. Eu a coloquei na primeira partida contra a Austrália pela experiência dela, liderança. Ela foi a liderança consumida. Você passa por essas escolhas como treinadora, constrói. Então, sim, seria o que eu ofereceria à Marta na Copa de 2027? Com certeza! Se ela não estiver em campo, liderará em termos de energia nos bastidores da Copa do Mundo de 2027.

O presidente Gianni Infantino completará 10 anos na Fifa em 2026. Como foi receber o convite para fazer parte dessa história como diretora de futebol da entidade?

Uma honra incrível. Eu conheci Gianni Infantino e Mattias Grafström, que é o nosso secretário-geral. Aprecio o interesse deles pelo investimento na evolução do futebol feminino. Receber o convite para fazer parte da liderança estratégica não só do futebol das mulheres, mas de outros elementos, foi um privilégio. Eu acho que ele construiu uma boa equipe ao redor. É uma nova Fifa. As pessoas ainda têm ressaca de muito tempo atrás. Infantino é um líder, motivador, inspirador e inovador. Tenta acelerar o jogo e torná-lo acessível a todos. Isso me animou a me juntar ao time.

Ao contrário da Copa Feminina, a masculina jamais foi conquistada por um técnico estrangeiro. O Brasil irá à Copa sob o comando de Carlo Ancelotti. O italiano será o primeiro a repetir o seu feito, ou seja, uma inglesa que levou os EUA ao título feminino?

Eu acompanhei a carreira dele. Carlo Ancelotti é impressionante como treinador. O Brasil fez uma escolha muito interessante e criativa por um técnico experiente, que lidou com situações de pressão alta. As Copas do Mundo são difíceis. Agora, são oito jogos para conquistá-la. Olhe a Argentina na última... É preciso ter as rédeas do elenco. Mesclar juventude, experiência e disponibilidade das estrelas para ajudá-lo.

Quem são os favoritos ao título da Copa do Mundo masculina em 2026 na América do Norte?

Eu acho que você não pode pensar em uma Copa do Mundo sem ter a Espanha no meio. São necessárias três coisas em uma Copa: mentalidade, proficiência técnica e física para competir em oito jogos. A Espanha tem isso. Eu acho que a Inglaterra, com o Thomas Tuchel (alemão), está jogando futebol criativo. A Argentina tem que estar na conversa. O Brasil está sempre na conversa. Ganhou cinco vezes. Gosto de Portugal. O treinador (Roberto Martínez) é meu amigo. Eu o considero um treinador fantástico. Há sempre alguns times que ninguém espera surpreender. Pelo que aconteceu com Marrocos, no Catar, pode ser o momento de o continente africano ir ainda mais longe.

  •  02/12/2025. Ed Alves CB/DA Press. Esportes.Entrevista com Jill Ellis - Tecnica de Futebol Bicampeã e Diretora de Futebolda Fifa.
    02/12/2025. Ed Alves CB/DA Press. Esportes.Entrevista com Jill Ellis - Tecnica de Futebol Bicampeã e Diretora de Futebolda Fifa. Foto: Ed Alves CB/DA Press
  •  02/12/2025. Ed Alves CB/DA Press. Esportes.Entrevista com Jill Ellis - Tecnica de Futebol Bicampeã e Diretora de Futebolda Fifa.
    02/12/2025. Ed Alves CB/DA Press. Esportes.Entrevista com Jill Ellis - Tecnica de Futebol Bicampeã e Diretora de Futebolda Fifa. Foto: Ed Alves CB/DA Press
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    02/12/2025. Ed Alves CB/DA Press. Esportes.Entrevista com Jill Ellis - Tecnica de Futebol Bicampe.. e Diretora de Futebol da Fifa. Foto: Ed Alves CB/DA Press
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MP
postado em 07/12/2025 06:00
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