Além do conhecimento formal presente nos livros didáticos, a escola tem a missão fundamental de trabalhar com os estudantes o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, também conhecidas pelo termo em inglês soft skills. São competências cada vez mais valorizadas pelo mercado de trabalho e também essenciais para a vida em sociedade. Comunicação, empatia, criatividade, liderança e resiliência começam a ser aprendidas na infância e impactam em toda a vida, principalmente na fase adulta.
A educadora especialista em infância e adolescência Priscilla Montes explica que, na primeira infância, a criança está formando suas bases emocionais e sociais. "É nesse momento que ela aprende a confiar, a se relacionar e a lidar com pequenas frustrações. Quando esse cuidado é bem feito, lá na frente a criança terá mais facilidade em desenvolver habilidades como comunicação, empatia, colaboração e resiliência. Ou seja, investir na primeira infância é investir nas soft skills que ela vai carregar por toda a vida escolar."
Habilidades como autorregulação emocional, empatia, comunicação e resolução de conflitos são as mais importantes na fase inicial, destaca a especialista. "Uma criança que aprende, por exemplo, a esperar a sua vez ou a expressar o que sente leva isso para a sala de aula. Ela vai conseguir se concentrar melhor, relacionar-se bem com os colegas e ter mais disposição para aprender. Isso impacta diretamente no ensino fundamental e no médio."
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Na prática escolar, esse olhar começa muito cedo. "Com dois anos, a criança está começando a transicionar para saber que existe para além de si. Nosso papel é apoiar esse reconhecimento do outro. Os professores precisam emprestar suas próprias soft skills para que as crianças amadureçam as delas", afirma Débora Cândido, orientadora educacional da Open to New Experiences School (ONE School).
As expectativas e práticas variam conforme a idade. "Com crianças maiores, de 4 a 8 anos, abordamos temas como liderança, responsabilidade e as consequências dos atos. Nosso currículo interno está alinhado à BNCC (Base Nacional Comum Curricular), que estabelece o que se espera em cada faixa etária", detalha Débora.
Ela conta que o projeto One Kind World é um dos pilares do colégio: "Nosso valor principal é a gentileza. Trabalhamos, por exemplo, a comunicação não violenta: 'Olha, a sua maneira de falar com o colega não foi gentil. Escolha outro tipo de comunicação'", exemplifica.
As consequências desse trabalho aparecem nos anos seguintes. "Esse aluno chega ao ensino médio mais seguro, crítico e preparado. Consegue nomear as próprias emoções, tem estratégias para lidar com elas e participar melhor de ambientes coletivos", afirma Débora.
A educadora Priscilla Montes reforça que o impacto é direto: "Conteúdo e soft skills podem andar juntos. A escola pode trabalhar cooperação em atividades em grupo, pode estimular escuta e empatia quando surge um conflito no recreio, ou incentivar a criança a falar sobre o que pensa em sala de aula. São situações simples do dia a dia que, quando orientadas de forma intencional, ajudam muito no desenvolvimento socioemocional".
Segunda língua
Outro ponto importante é a aprendizagem de idiomas. "O ensino de outra língua não só contribui para que a criança se encontre no mundo e faça parte dele, mas também fortalece conexões neurológicas. O inglês, por ser a língua mãe do mundo, é ainda mais potente", afirma Débora.
Priscilla Montes acrescenta: "Aprender um segundo idioma vai além de falar outra língua. Ajuda a criança a desenvolver flexibilidade cognitiva, criatividade e curiosidade. Além disso, abre a mente para outras culturas e estimula respeito e empatia. Isso dialoga muito com o desenvolvimento integral, porque prepara a criança para um futuro mais conectado e diverso".
A colaboração das famílias é fundamental para garantir esse desenvolvimento."Os pais podem observar se a escola realmente coloca isso em prática, e não só no papel. Vale perguntar como ela lida com conflitos, se incentiva a criança a se expressar, se valoriza o trabalho em equipe. Uma escola que olha para o ser humano integral vai além do boletim: ela também se preocupa com a convivência, a escuta e as relações", orienta Priscilla.
Esse papel é reconhecido também pelas famílias. Pedro Fonseca, orientador parental e pai de quatro filhos, João (17), Irene (13), Teresa (11) e Joaquim (8), resume a expectativa dele e da companheira, Lua: “A premissa básica para a gente é que a escola consiga desenvolver uma verdadeira parceria com a família e acolher as crianças. Para nós, as habilidades socioemocionais são o item de maior importância.”
Esse trabalho, na avaliação de Pedro, tem reflexos claros dentro de casa. “O que mais vejo nos meus filhos hoje é autoconfiança. São crianças seguras de si, capazes de falar o que sentem, de se posicionar e até de repactuar as coisas em casa. Já vivemos momentos em que isso faltou, e é muito doloroso ver uma criança sem acreditar em si mesma. Hoje, sinto que eles estão crescendo saudáveis emocionalmente.
Pedro também observa esse impacto na prática familiar. Ele lembra de um momento delicado, quando um dos filhos enfrentou barreiras com a escola por não se sentir capaz de estar ali. “Ouvir de uma criança de sete anos que ela não é capaz de frequentar uma escola é devastador. Mas quando encontramos um espaço de pertencimento, tudo muda. A confiança volta e a criança volta a existir plenamente”. Ele ainda afirma que a individualidade da criança influencia e que a mesma escola a que um dos seus filhos não se adaptou de forma alguma funcionou muito bem para a outra filha.
Ele reforça que a escola deve ser um espaço coletivo de cuidado. “A infância não é um problema a ser resolvido, é um processo. E esse processo precisa caber dentro da escola de forma coletiva. Mais do que preparar para um futuro que ninguém sabe como será, a escola precisa oferecer às crianças a confiança para existir plenamente.”
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*Estagiária sob supervisão de Mariana Niederauer
Educação básica
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