Livros de colorir e canetinhas estilo Bobbie goods, bonecos labubu e itens de capivara têm invadido os corredores das escolas. O que começa como um viral nas redes sociais rapidamente se transforma em febre entre os alunos. Apesar do sentimento de pertencimento e da alegria em ter certos objetos, pais e professores procuram saídas para equilibrar o desejo das crianças e dos adolescentes de participarem das tendências com os limites de consumo e de convivência dentro da sala de aula.
Mesmo com o grande fluxo de tendências na atualidade, o fenômeno não é novo. Antes dos monstrinhos de pelúcia, por exemplo, houve a febre do tamagotchi, do beyblade, das barbies e também dos álbuns de figurinhas. Embora as tendências infantis sejam passageiras, o impacto no ambiente escolar pode ser grande, principalmente em relação às distrações durante a aula, disputas entre colegas e exclusão de crianças que não têm os mesmos itens.
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A representante comercial Jéssica Alves, 32 anos, é mãe de Catarina Dias Medeiros, 8, e sempre se depara com pedidos da filha por novos brinquedos e coisas de modinhas. Entre os itens preferidos de Catarina estão labubus, Bobbie Goods e carmeds. Embora não tenha sido a favor da pelúcia, as canetinhas e os cadernos de colorir foram vistos com bons olhos por Jéssica, pois reduziram o tempo de tela da filha.
Mesmo gostando das tendências, ela acredita que é necessário colocar limites e não ceder a pedidos diários de consumo. No entanto, ela sempre incluiu as filhas nas novidades entre as crianças. "Sempre fui a mãe que deu tudo da moda, posso estar até errando nisso", conta.
Desejo e pertencimento
Os objetos de desejo despertam interesse porque são amplamente divulgados nas mídias sociais e reforçados a todo o momento nas escolas. Acompanhar essas tendências pode favorecer a socialização e estimular a criatividade. "Na infância, sentir-se parte de um grupo de amigos e colegas é fundamental para o desenvolvimento emocional e social. Isso fortalece a autoestima, ajuda na socialização e dá à criança certa segurança emocional", destaca a psicóloga clínica Lídia Brito Araujo.
A pedagoga e psicóloga Eusiléa Pimenta Roquete Severiano destaca que as crianças estão em uma fase de formação de identidade e de pertencimento social, então as "modinhas" funcionam como símbolos de integração. "O pertencimento é fundamental para a autoestima, para o desenvolvimento das habilidades sociais e para a construção da confiança. É no grupo que a criança aprende a se relacionar, a lidar com diferenças e a experimentar acertos e erros."
Um exemplo disso é Laura Paiva, 13, que é grande fã da Hello Kitty e se empolga com todas as novidades da personagem, que foi criada há mais de 50 anos, mas continua um fenômeno. Atualmente, ela tem uma faixa para proteger o cabelo quando vai passar maquiagem e uma caneca, mas está de olho em uma pelúcia e em um travesseiro com o tema. Antes de se encantar pela boneca que lembra um gato, a adolescente acompanhava a Peppa Pig, mas, ao longo dos anos, a deixou de lado.
De acordo com ela, esses itens ajudam a fazer amizade, mas tem colegas que não gostam, porque consideram brinquedos "infantis". Além disso, Laura não se sente mal quando um amigo leva para a escola algo que está na moda e ela não tem, apenas pede para ver e pergunta onde foi comprado.
Pressão para ter
Mãe de Laura, a técnica de saúde bucal Cristiane Lima, 49, acha positivo o interesse da filha por Hello Kitty e não vê problema em comprar camisetas, canecas, chaveiros e outros itens da personagem. Ainda assim, confessa que às vezes tenta convencê-la a escolher produtos de outros temas.
Na época escolar de Cristiane, as tendências giravam em torno de marcas de mochilas e tênis, como o All Star. Porém, ela não conseguia acompanhar todas, pois vinha de uma família de classe social mais baixa, e lembra bem da sensação de "todo mundo tem e eu não". "Hoje, os adolescentes querem ter celular de última geração e, se não têm, acabam se sentindo excluídos", conta.
Mesmo ciente da dificuldade em atender a todos os desejos, Cristiane afirma que, como mãe, sempre procura agradar os filhos para que não se sintam tristes ou excluídos. "Tento explicar que existe hora para tudo. Acho que o papel da família é orientar de acordo com as condições financeiras de cada um", diz.
A psicóloga Lídia Brito Araújo acrescenta que, como a alta exposição pode estimular o consumo excessivo e imediatista, os pais e cuidadores têm o papel de acompanhar os interesses da criança, impor limites saudáveis de consumo e estimular um olhar crítico sobre o que aparece como moda. "As crianças tendem a se espelhar em seus grupos e no que veem nas mídias sociais. Além disso, ainda não têm maturidade cognitiva e emocional suficiente para diferenciar claramente desejo de necessidade, o que as torna ainda mais suscetíveis às estratégias de marketing."
Mesmo assim, ceder em alguns momentos pode ser positivo, pois atende a uma necessidade social legítima da criança de se sentir parte de um grupo. Eusiléa Pimenta Roquete Severiano afirma que a proibição, quando rígida e sem diálogo, pode fazer a criança se sentir excluída, diferente e inferior ao grupo. De acordo com ela, isso pode comprometer a autoestima e a participação social durante a fase de desenvolvimento.
Dessa forma, permitir em alguns momentos possibilita que a criança viva experiências coletivas e impor limites de forma clara e objetiva ensina sobre frustração, prioridades e responsabilidade. "O equilíbrio está em permitir, mas também educar para o consumo consciente, evitando que a criança associe afeto e valor pessoal apenas à posse de objetos", salienta Eusiléa Pimenta Roquete Severiano.
Sabedoria antes de tudo
Como essas tendências normalmente são nutridas no ambiente escolar, alguns acreditam que a escola deve intervir de alguma forma, mas Jéssica Alves e Cristiane Lima defendem que esse papel cabe apenas à família.
Lídia Brito Araujo concorda que a proibição escolar não resolve a questão, apenas reduziria conflitos imediatos dentro desse ambiente. No entanto, para a psicóloga, é fundamental que a escola trabalhe com a educação para o consumo e promova reflexões e brincadeiras sobre valores, inclusão e respeito às diferenças.
Além disso, a pedagoga Eusiléa Pimenta Roquete Severiano defende a inclusão desses fenômenos em projetos educativos, rodas de conversa, atividades artísticas e lúdicas. "Quando o universo infantil é reconhecido e respeitado, o aprendizado fortalece tanto o emocional quanto o convívio social."
Reflexões sobre consumo consciente com linguagem clara e acessível também são indispensáveis nessas ocasiões. Para os pais, Lídia Brito Araujo indica o livro Infância, mídia e consumo, de Clotilde Perez e Maria I. Vassallo de Lopes, que aborda como a mídia molda desejos e práticas de consumo infantil. Já para as crianças, a psicóloga recomenda os filmes Toy Story e Wall-E, pois o primeiro mostra a relação afetiva e de consumo com brinquedos e o segundo apresenta o excesso de lixo causado pelo consumo desenfreado, gerando uma reflexão sobre o assunto.
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