mercado dinâmico

Aprendizagem profissional reduz em quase 4 vezes o número de jovens nem-nem no Brasil

Enquanto 26,4% dos jovens brasileiros não estudam nem trabalham, entre egressos da modalidade, o índice cai para 7%, aponta pesquisa do Espro. Resultado revela impacto de programas na inclusão produtiva no país

Júlia Christine*
Marina Rodrigues
postado em 13/04/2025 06:00 / atualizado em 13/04/2025 06:00
Jovens profissionais em formação na Rede Nacional de Aprendizagem -  (crédito: Renapsi/Divulgação)
Jovens profissionais em formação na Rede Nacional de Aprendizagem - (crédito: Renapsi/Divulgação)

Com a exigência de experiência cada vez maior pelo mercado, conquistar o primeiro emprego no Brasil é um desafio para milhões de jovens, que acabam, muitas vezes, optando pela informalidade. Em meio a esse cenário, programas de aprendizagem profissional, isto é, de jovem aprendiz, têm se mostrado potentes ferramentas de transformação social, ampliando o acesso ao trabalho formal e estimulando a permanência na escola.

A última edição da Pesquisa Empregabilidade, realizada pelo Ensino Social Profissionalizante (Espro), revela que 81% dos jovens que participaram do programa seguem ocupados um ano após o término do contrato, enquanto 60% conciliam trabalho e estudo — índice quatro vezes maior que a média nacional. Apenas 7% deles estão na condição de “nem-nem” — que não estudam nem trabalham —, contra 26,4% entre brasileiros sem experiência com a modalidade, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE.
Os dados reforçam o impacto da Lei da Aprendizagem (nº 10.097/2000), que completa 25 anos em 2025 e garantiu a contratação formal de profissionais entre 14 e 24 anos em todo o país. Em setembro de 2024, o Brasil registrou o maior número de aprendizes da história, de 639.94, representando um aumento de 9,5% em relação ao ano anterior, conforme o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e o Relatório Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego. 

Evasão e abandono 

Alessandro Saade, do Espro: "Uma das políticas mais eficazes de inclusão"
Alessandro Saade, do Espro: "Uma das políticas mais eficazes de inclusão" (foto: Divulgação)

Para Alessandro Saade, superintendente-executivo do Espro, a aprendizagem profissional é uma das políticas públicas mais eficazes de inclusão social: “O jovem aprende desde o início como se portar no ambiente corporativo até adquirir habilidades técnicas, como o uso correto do e-mail, anotações de reuniões e prestação de contas. Esse espaço de preparação reduz o choque inicial e capacita o jovem para o futuro.” 
Nesses programas, o participante trabalha quatro dias por semana e dedica um dia à formação teórica. A capacitação dura em média 18 meses. No Espro, além da prática, os jovens têm acompanhamento psicológico e assistência social. “Nosso objetivo é que ele saia do programa consciente do funcionamento do mercado e confiante em sua jornada profissional. Quem passa por um programa como o nosso dificilmente entra na estatística dos nem-nem”, afirma Saade. 
Ainda, a exigência de matrícula escolar ou conclusão do ensino médio é obrigatória, o que contribui diretamente para combater a evasão — quando o aluno não se matricula no ano seguinte — e o abandono dos estudos — quando o aluno deixa de frequentar as aulas durante o ano letivo —, frequentemente, para trabalhar. Nesse sentido, a pesquisa mostra que 73% dos ex-aprendizes seguem estudando. Entre os 27% que não estão matriculados, a maioria já concluiu o ensino médio e 37% citam a falta de recursos como principal impeditivo para ingressar no ensino superior. 

Perfil dos jovens 

Maria Elisa Muntaner, do Espro, defende a redução do trabalho informal
Maria Elisa Muntaner, do Espro, defende a redução do trabalho informal (foto: Divulgação)

Entre os entrevistados na pesquisa, 78% estudaram em escola pública, 38% têm mães ou responsáveis sem ensino médio completo, e 12% vivem em locais onde falta pelo menos um serviço básico, como energia elétrica, coleta de lixo ou saneamento. A média de idade é de 21 anos; 68% são mulheres, 53% se autodeclaram pretos ou pardos e 25% pertencem à comunidade LGBTQIAPN+. 
“Meninos sofrem pressão para sustentar a casa, enquanto meninas, muitas vezes, deixam a escola por gravidez precoce ou para cuidar de familiares”, analisa Maria Elisa Muntaner, coordenadora de inteligência de mercado do Espro. Ela afirma que o acesso a programas como esse pode contribuir também para a redução do trabalho informal, considerando a possibilidade de efetivação e a experiência adquirida: “O jovem respira a cultura da empresa, o que incentiva a continuidade nos estudos.” 
Nesse sentido, entre os participantes do programa do Espro, 30% foram efetivados nas empresas onde atuaram como aprendizes, e 76% deles permanecem trabalhando nos mesmos locais. A maioria (44%) tem carteira assinada, 21% estão em estágio, 8% continuam em novos contratos de aprendizagem, 1% atua no setor público e 1% iniciou um pequeno negócio. Apenas 6% atuam na informalidade, como freelancers ou autônomos. 
Mesmo entre os 19% que estão momentaneamente desocupados, 90% estão em busca ativa de uma vaga. As maiores dificuldades relatadas são não serem chamados para entrevistas, mesmo após envio de currículos (48%), escassez de vagas (33%) e exigência de experiência (28%). 

Porta de entrada 

Aline Dária, da Renapsi, ressalta a importância de condições de vida dignas
Aline Dária, da Renapsi, ressalta a importância de condições de vida dignas (foto: Jonathan Jayme/ FSB )

A Rede Nacional de Aprendizagem (Renapsi), organização da sociedade civil com 30 anos de atuação, busca transformar a vida de jovens em situação de vulnerabilidade por meio da aprendizagem profissional. O programa começa com o cadastro no site oficial da instituição. Após preencher os dados pessoais, o jovem passa por uma etapa de autoconhecimento, que inclui testes de estilo de aprendizagem, perfil comportamental e avaliação dos cinco grandes fatores de personalidade para jovens. 
Em seguida, ele tem acesso a uma vitrine de vagas disponíveis e pode se candidatar àquelas com as quais mais se identifica. Caso seja selecionado, inicia um período de 10 dias de preparação, como uma escola antes da entrada na empresa escolhida. Durante o contrato, o jovem conta com acompanhamento contínuo e pode acessar cursos complementares oferecidos pela plataforma, como “Criando projetos com JavaScript”, “Descomplicando o e-mail”, “Entrevista de sucesso” e “O currículo ideal”. 
Para a diretora-executiva Aline Dária Ferreira, um dos principais desafios do primeiro emprego está na realidade desses jovens. “Muitos não têm sequer o básico dentro da cadeia de necessidades humanas. E aí, repetem-se ciclos”, explica Aline. “Nossa equipe dá suporte através do trabalho digno, formação profissional e acompanhamento psicossocial. Às vezes, exige esforço e resiliência, mas traz oportunidades incríveis de transformação”, completa. 
Caio Linhares, 20: "Preparação como um todo, não só para uma função"
Caio Linhares, 20: "Preparação como um todo, não só para uma função" (foto: Renapsi/Divulgação)
Aos 20 anos, Caio de Almeida Linhares encontrou no programa de aprendizagem uma forma segura de ingressar no mercado sem abrir mão dos estudos. Morador de Ceilândia, ele vive com a mãe, avó e irmão. “Minha avó faz bolo e doce para vender, minha mãe é analista de sistemas e meu irmão, tatuador”, detalha. 
Apesar da dificuldade, às vezes, de equilibrar faculdade, trabalho e vida pessoal, ele acredita na modalidade: “O programa de jovem aprendiz me prepara para o ambiente de trabalho como um todo, não só para uma função específica”, defende o estudante. 
Geovanna Ribeiro, 16: "O momento de lutar pelos sonhos é agora"
Geovanna Ribeiro, 16: "O momento de lutar pelos sonhos é agora" (foto: Jonathan Jayme / FSB)
Vivendo com nove familiares, Geovanna Ribeiro de Morais, 16 anos, já contribui com as despesas: “Pago a internet”, diz, orgulhosa. Apesar dos desafios, vê o esforço como um investimento no futuro. “Não é porque temos dificuldades que devemos desistir. Agora é o momento de lutar pelos nossos sonhos.” 
Yasmin Menezes, 14: "A aprendizagem prepara para a vida"
Yasmin Menezes, 14: "A aprendizagem prepara para a vida" (foto: Jonathan Jayme / FSB)
Yasmin Menezes de Abreu, também de 16 anos, sempre quis trabalhar. “Desde os 14 anos, eu tentava entrar no mercado”, conta. Inspirada pela mãe, enfrentou desafios, como transporte lotado e cansaço, mas segue firme: “A aprendizagem não prepara só para o mercado, mas para a vida. Quanto mais cedo você começar, melhor.” 
Regiane Dias, 15 anos, quer ser advogada: "Agora é a minha vez!"
Regiane Dias, 15 anos, quer ser advogada: "Agora é a minha vez!" (foto: Renapsi/Divulgação)
Aos 15 anos, Regiane Dias dos Anjos viveu em acolhimento e encontrou no trabalho um caminho para a independência. Ela conta que o início foi difícil, mas que, agora, tudo se encaixou. “Foi complicado equilibrar escola e trabalho, pois sempre têm atividades dos dois lados, mas me acostumei com a rotina. Meu fim de semana é para estudar”, diz. 
Para o futuro, ela tem um plano bem definido: quer ser advogada. “Todos os dias, eu acordo e agradeço a Deus pela oportunidade que tanto esperei. Desde os 13 anos, eu queria isso. Agora é a minha hora.” 
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. (foto: Valdo Virgo)

Programas disponíveis no DF

ESPRO
Programa de aprendizagem para estudantes de ensino médio, ensino médio técnico ou ensino superior: 20 mil vagas em todo o Brasil, com previsão de cerca de 400 vagas para adolescentes e jovens residentes em Brasília. Informações e inscrições pelo site: www.espro.org.br 
RENAPSI
Programa de Aprendizagem 2025 está com vagas abertas para estudantes do ensino médio, ensino médio técnico ou ensino superior. São 165 oportunidades em todo o Brasil, voltadas para adolescentes e jovens em busca do primeiro emprego com formação e acompanhamento. No Distrito Federal, 10 estão abertas. Informações e inscrições pelo site: www.renapsi.org.br 
MOVTECH 2030
O Impulso Digital é um programa do Ciee e da Ada Tech, com o apoio do MovTech, que capacita jovens de 14 a 24 anos de todo o Brasil em habilidades digitais e disciplinas, como português, matemática e dados, preparandoos para o mercado de trabalho. O processo é dividido em três etapas: acesso à plataforma com conteúdos abertos, curso preparatório gratuito (Impulso Jovem) e inserção no programa de aprendizagem com foco em habilidades digitais. Informações e inscrições no site: https://portalciee.org.br/quero-contratar/ impulso-digital/ 
REDE SARAH
O Programa Aprendiz 2025 da Rede Sarah oferece 284 vagas para jovens de 18 a 21 anos, com contrato de até 24 meses, jornada de 20 horas semanais e salário-mínimo. Os participantes realizam atividades teóricas e práticas supervisionadas na área da saúde, com foco humanista e apoio educacional, social e psicológico. Há vagas para Brasília e outras cidades. As inscrições vão até este domingo (13/4) pelo site: https://renapsi.org.br/ processo-seletivo-rede-sarah/.  
*Estagiária sob a supervisão de Marina Rodrigues 

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