Suzana Pires é uma mulher de números potentes. Como atriz, ela acumula mais de 10 filmes, 15 novelas e 20 peças de teatro no currículo, mas não para por aí. Há 20 anos também como autora, ela assinou inúmeros trabalhos na tevê e lançou o segundo filme nas duas funções: após De perto, ela não é normal, de 2020, baseado em uma peça de sua autoria, ela traz, agora, aos cinemas Câncer com ascendente em virgem, com direção de Rosane Svartman.
A atividade da carioca de 48 anos, que também é filósofa, vai além, entretanto. A partir da experiência de escrever em diversas publicações sobre empoderamento feminino, Suzana criou o Instituto Dona de Si, uma ONG com o mesmo nome do livro que lançou em 2022 e que tem a missão de empoderar e desenvolver talentos femininos Brasil afora. Em seis anos de atuação, já alavancou a realidade profissional de mais de 5 mil mulheres na indústria criativa brasileira. "O estopim foi sentir na própria pele a misoginia, o desvalor e o despeito ao conquistar uma posição de poder", afirmou.
A Jornada Dona de Si oferece oportunidades de formação e desenvolvimento para mulheres de diversas localidades, com aulas sobre gestão de negócios e organização financeira; comunicação e marketing; e investimento e tributação. Além disso, a formação pretende trabalhar a autoestima e confiança das participantes por meio de aulas de empatia e autocuidado, inteligência emocional e desenvolvimento pessoal. "O instituto nasceu da minha dor e me trouxe um amor 10 vezes maior", declarou.
Recentemente, foram abertas inscrições para mulheres nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Porto Alegre e Brasília participarem de uma nova jornada de aceleração. Na capital federal, 200 mulheres iniciam o curso nesta segunda-feira (21/4).
Em entrevista exclusiva, Suzana Pires fala sobre as motivações para usar sua vivência em prol do empoderamento de milhares de mulheres pelo país e como enxerga a presença do sexo feminino no mercado de trabalho. Confira abaixo:
Você é uma mulher de muitas realizações, com uma carreira de sucesso em teatro, cinema e televisão, além de ser a fundadora do Instituto Dona de Si. Como você equilibra suas diferentes paixões e projetos?
Hoje, olhando para trás, vejo que consegui tantas realizações porque eu escolhi, consciente, me dedicar 100% aos meus sonhos durante 30 anos. De alguns anos para cá, é que fiz a escolha em construir uma vida pessoal, ter folga, me divertir sem preocupações. Mas, para isso, precisei organizar uma equipe incrível; de maioria feminina, claro!
O Instituto Dona de Si é um projeto que visa empoderar e desenvolver talentos femininos em todo o Brasil. Qual foi o estopim para criar essa iniciativa e como você vê o impacto que ela pode ter na vida das mulheres?
O estopim foi sentir na própria pele a misoginia, o desvalor e o despeito ao conquistar uma posição de poder como autora que não era o arquétipo que esperavam de mim… Uma atriz, que ama fazer comédia e que tem um corpo. E essas opressões não foram individuais, ela é sistemática, inconsciente, mas drena a nossa energia. Se isso aconteceu comigo, imagina com as mulheres que não tinham os mesmos privilégios que eu? Foi esse o estopim. O instituto nasceu da minha dor e me trouxe um amor 10 vezes maior.
A Jornada Dona de Si oferece uma variedade de aulas e workshops para ajudar as mulheres a desenvolverem habilidades e confiança. Quais são os principais objetivos da jornada e como você vê o impacto que ela pode ter na vida das participantes?
O principal objetivo é fazer essa mulher olhar para si e se validar em todos os aspectos. Mas, não pense que isso é algo fácil. Para uma mulher validar sua existência, ela precisa se libertar de muitas camadas culturais que a levam a ser somente um ser que serve aos outros. Nossa área de desenvolvimento pessoal é o mais importante. Se uma mulher entende a cultura na qual está inserida, ela neutraliza melhor suas dores. Se ela aprende a colocar limite, ela passa a existir e quando ela se conecta a um grupo, ela se sente apoiada e menos sozinha. Então, é claro que as mulheres aprendem finanças, marketing digital e muitas outras ferramentas, mas a autonomia que a consciência de si mesma traz, com suas fragilidades, e a grande força de poder de uma dona de si.
Quais são os principais desafios que as mulheres enfrentam ao tentar empreender ou liderar em seus campos?
A sobrecarga, as opressões e a solidão. Vou explicar melhor: nós somos o gênero que mais abre CNPJ no Brasil e o que mais fecha em até 5 anos. As razões para isso não têm a ver com formação, eficiência ou capacidade. Os grandes problemas são a sobrecarga, essa mulher tem três jornadas de trabalho (casa, marido e filhos) sem divisão de responsabilidades. Essa mulher sofre diversas opressões diárias, desde o ônibus até em uma reunião em um ambiente corporativo. E, diante de tantos desafios, essa mulher se sente sozinha, desvalorizada e sem possibilidade de sair do lugar. Ela patina. Em qualquer forma de trabalho. Essas dores não somem, mas são manejáveis que soubermos quem somos, o que queremos e o que aturamos.
Você menciona que as mulheres são mais propensas a falir nos primeiros anos de negócio devido a fatores sutis, como sobrecarga, falta de apoio e solidão. Como o Instituto Dona de Si aborda esses desafios e ajuda as mulheres a superá-los?
Nossa formação Jornada Dona de Si tem como foco tornar a mulher empreendedora da própria vida; trazendo passos para que ela neutralize essas dores tomando ciência de quem ela é, seus limites, gostos, valores pessoais e alinhando suas escolhas a si mesma. Normalmente, essa mulher sai de um estado de "existir para servir" para um estado de "existir para me construir". A autonomia de escolha e a independência emocional transformam em algo produtivo tudo o que ela escolher fazer.
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Você é uma defensora de que as mulheres precisam construir novas crenças e ações para serem empreendedoras de si mesmas. Mas como empoderar mulheres que, lá na ponta, convivem diariamente com fatores socioeconômicos opressores, como maternidade solo e alta incidência de violência doméstica?
Empoderar alguém é validar quem essa pessoa é. É dar condições para que ela se constitua com mais autonomia, estabelecendo limites e objetivos claros para a própria trajetória. A autoestima, a autoconfiança e o autovalor são fundamentais para isso. Essa é a base digna para qualquer ser humano. Agora, a violência doméstica é caso de polícia porque existe um agressor covarde que tenta eliminar a existência dessa mulher. Precisamos, mais do que nunca, olhar para os valores da criação masculina, rever nossas leis e endurecer a aplicação para agressores.
Um dos 10 mandamentos do #donadesi é: "Eu sou bela, sensual e inteligentíssima, sem padrões!". Você acredita que as mulheres ainda sentem na beleza e na estética um obstáculo para serem respeitadas no mercado de trabalho?
É algo quase ridículo da crença patriarcal, a de que se você tem sensualidade, não tem inteligência. Que crença reducionista. Se um homem é bonitão e bem-sucedido, ele é o máximo. Se uma mulher é bonitona e bem-sucedida, ela não conquistou aquilo com trabalho?
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A sororidade (ou a falta dela) também é uma questão que atravanca o sucesso das mulheres?
Totalmente. Mas desengatilhar a competição feminina da nossa célula é tarefa diária e árdua. Mas, quando entendemos que sororidade não é ser amiguinha, mas parceira, a união feminina se torna possível.
O trabalho remoto (home office) é um dos legados positivos da pandemia, mas, para as mulheres, resultou em um acúmulo maior de tarefas. Como você acredita que essa equação pode ser melhor resolvida?
Com humanidade, equidade e responsabilidade. Em uma casa onde mora um casal, e os dois trabalham para sustentar e construir o lar, por que um trabalha mais que o outro? Que falta de noção é essa? Temos muito a caminhar nesses assuntos. Eu escolhi cooperar para uma sociedade mais justa, focando na base emocional das mulheres. Com base interna estruturada, ninguém interrompe nosso voo.
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