TRABALHO

Ter uma relação com um colega de trabalho pode causar demissão?

Casos como a demissão do CEO da Nestlé reacendem o debate sobre limites entre vida pessoal e profissional; especialista explica até onde vão os direitos do trabalhador e as regras que a empresa pode impor

Bianca Lucca
postado em 02/09/2025 17:44
Namoros no trabalho podem gerar conflitos de interesse. Empresas podem estabelecer regras razoáveis, mas não podem proibir totalmente -  (crédito: Gerada por IA)
Namoros no trabalho podem gerar conflitos de interesse. Empresas podem estabelecer regras razoáveis, mas não podem proibir totalmente - (crédito: Gerada por IA)

Ter um relacionamento amoroso com um colega de trabalho é uma situação que gera muitas dúvidas sobre limites e regras no ambiente profissional. Entre os questionamentos mais comuns, estão se esse tipo de relação pode ser motivo para demissão, quais são os direitos dos funcionários envolvidos e como as empresas podem lidar com essas situações sem infringir a legislação trabalhista.

O episódio da demissão do CEO da Nestlé por manter um relacionamento amoroso com uma funcionária sob supervisão direta dele reacendeu esse debate. Conforme comunicado da Nestlé, o namoro viola o Código de Conduta da empresa, que proíbe relacionamentos hierárquicos para evitar conflitos de interesse. 

Segundo Fernanda Maria Rossignolli, sócia do HRSA Sociedade de Advogados com atuação em relações de trabalho, uma empresa pode criar regras no regulamento interno sobre relacionamentos, mas essa proibição não pode ser absoluta. Embora o Tribunal Superior do Trabalho (TST) compreenda que proibir totalmente relacionamentos seja uma violação do direito de intimidade do trabalhador, a empresa pode estabelecer regras que busquem evitar conflitos de interesse, proteger o ambiente de trabalho e garantir a imparcialidade.

“Por exemplo, uma regra pode proibir um relacionamento entre chefe e subordinado direto, especialmente se houver risco de favoritismo ou assédio. A validade dessas regras depende de sua razoabilidade e da sua finalidade legítima”, explica. 

A fim de evitar problemas legais, a intimidade entre colegas de trabalho não pode interferir no desempenho das funções ou na convivência com os outros colegas. A especialista indica que demonstrações de afeto excessivas no ambiente profissional devem ser evitadas, e ambas as partes devem manter a vida pessoal separada da profissional para que o tratamento não seja diferenciado.

Um relacionamento consensual ainda pode se tornar um problema caso o término envolva posições hierárquicas retaliatórias contra o ex-parceiro. “Pode haver conflito e interesse se o relacionamento afetar a imparcialidade nas decisões da empresa. Por exemplo, um gerente que é responsável por avaliar ou promover um funcionário com quem tem um relacionamento”, ilustra Fernanda. 

Embora a relação seja consensual, as consequências dela para a organização podem justificar uma advertência, suspensão ou até demissão, de acordo com a advogada, desde que haja uma prova concreta do prejuízo. 

Na Justiça do Trabalho, Fernanda relata existir inúmeros casos envolvendo relacionamentos entre colegas. Em geral, as demissões são revertidas quando a empresa não comprova que o vínculo afetou de forma concreta o ambiente, como queda de produtividade, quebra de norma interna válida ou conflitos graves. Por outro lado, decisões favoráveis às empresas ocorrem quando há prova de prejuízo real.

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“Conheça as regras”, recomenda a especialista. “Leia o regulamento interno da sua empresa para entender se há políticas específicas sobre relacionamentos.” Além disso, Fernanda afirma que o relacionamento não deve ser um tema constante de conversa nem interferir na produtividade, sendo a melhor opção manter a discrição. 

  • Regras internas da empresa: A empresa pode criar normas sobre relacionamentos, mas a proibição não pode ser absoluta, respeitando o direito de intimidade do trabalhador.
  • Evitar conflitos de interesse: Políticas podem ser aplicadas para prevenir favorecimento, assédio ou decisões parciais, especialmente em relações hierárquicas (chefe e subordinado direto).
  • Comportamento no ambiente de trabalho: Afetos exagerados devem ser evitados, e a vida pessoal deve ser mantida separada da profissional para não gerar tratamento diferenciado.
  • Consequências de término: Relacionamentos que envolvam hierarquia podem gerar conflitos se afetarem decisões da empresa, como promoções ou avaliações de desempenho.
  • Advertências e demissão: Mesmo relações consensuais podem levar a sanções (advertência, suspensão ou demissão) se houver prova concreta de prejuízo à empresa.
  • Justiça do Trabalho: Demissões costumam ser revertidas quando não há comprovação de impacto real no ambiente. Quando há prejuízo concreto, decisões podem favorecer a empresa.
  • Recomendações: Conhecer e seguir o regulamento interno, manter discrição, evitar que o relacionamento seja tema constante de conversa e não prejudicar a produtividade.


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