Oriente Médio

Faixa de Gaza: Ataque israelense a sete voluntários de ONG choca o mundo

Bombardeio mata funcionários da World Central Kitchen que distribuíam comida para palestinos. Netanyahu cita "coisas que acontecem na guerra". EUA mostram indignação e exigem investigação transparente

Moradores de Deir Al-Balah observam carro carbonizado de voluntários da World Central Kitchen -  (crédito: AFP)
Moradores de Deir Al-Balah observam carro carbonizado de voluntários da World Central Kitchen - (crédito: AFP)
postado em 03/04/2024 06:05

Um bombardeio israelense contra um comboio humanitário em Deir Al-Balah, no centro da Faixa de Gaza, matou sete trabalhadores da organização não governamental World Central Kitchen (WCK) e levou outras entidades que ajudavam os palestinos a suspenderem suas operações. Entre os mortos, estão cidadãos da Austrália, Polônia, Reino Unido e Palestina, além de um voluntário de nacionalidade canadanse-americana. O Correio entrou em contato com a ONG, que declinou o pedido de entrevista. "A WCK não pode fornecer uma entrevista neste momento difícil", escreveu uma funcionária. 

Em nota, a ONG esclareceu que os funcionários viajavam em dois carros blindados identificados com a logomarca da WCK. Apesar de movimentos de coordenação com as Forças de Defesa de Israel (IDF), o comboio foi atingido ao deixar o armazém de Deir Al-Balah, após descarregar mais de 100t de alimentos."Este não é apenas um ataque contra a WCK, é um ataque a organizações humanitárias que aparecem nas situações mais terríveis, em que os alimentos são usados como arma de guerra. Isso é imperdoável", declarou Erin Gore, CEO da World Central Kitchen. Um drone disparou três mísseis contra os carros. 

As IDF admitiram o erro. "Como militares profissionais comprometidos com o direito internacional, estamos empenhados em examinar as nossas operações de forma completa e transparente", assegurou o contra-almirante Daniel Hagari, porta-voz do Exército judeu. "Temos analisado o incidente nos mais altos níveis para compreender as circunstâncias. Abriremos uma investigação para examinar mais detalhadamente este grave incidente." Fontes da IDF relataram ao jornal Haaretz que os militares envolvidos na operação agiram por conta própria e cometeram indisciplina, ao ignorarem ordens. 

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, admitiu o incidente "trágico", mas deu uma declaração polêmica. "As nossas forças atingiram, de forma não intencional, pessoas inocentes na Faixa de Gaza", afirmou o líder de direita. "São coisas que acontecem numa guerra (…), faremos tudo o possível para que isso não aconteça novamente." O presidente Isaac Herzog telefonou para o chef hispano-americano José Andrés, fundador da WCK, para manifestar "sua própria tristeza e suas sinceras desculpas".

A Casa Branca demonstrou "indignação" e cobrou uma investigação ampla e transparente. O presidente dos EUA, Joe Biden, ligou em três ocasiões para Andrés — na noite de segunda-feira (1º/4), durante a madrugada e manhã desta terça-feira. O secretário-geral da ONU, António Guterres, lembrou que os "ataques devastadores que mataram os funcionários da WCK elevaram o número de trabalhadores humanitários mortos durante este conflito para 196, incluindo 175 membros" das Nações Unidas. "Isso é inescrupuloso", comentou.  

Mohamed Al Assar, um palestino que viveu dos 8 meses aos 16 anos no Brasil, estava a pouco mais de 1km do local do ataque. "Estou refugiado em uma casa, em Deir Al Balah, depois que meu prédio foi destruído. Tudo ocorreu ao anoitecer de segunda-feira. Escutei o barulho e vi o clarão da explosão", contou ao Correio, por meio do WhatsApp. "É um filme de terror. Até mesmo trabalhadores humanitários são atacados. Isso quer dizer que todos na Faixa de Gaza podem virar alvo a qualquer hora."

Umas das organizações que decidiram suspender as operações em Gaza foi a Ajuda Americana a Refugiados do Oriente Médio (Anera), responsável por fornecer 150 mil refeições diárias para os palestinos, especialmente no norte do enclave, em parceria com a WCK. "Temos trabalhado com os palestinos pelos últimos 55 anos, desde que Israel ocupou a Cisjordânia e Gaza. Distribuíamos refeições quentes para desabrigados, além de tendas, colchões, cobertores e medicamentos", disse ao Correio Naser Qadous, membro da equipe de resposta a emergências da Anera, baseado em Ramallah. 

Ele classificou como "estratégica" a relação com a WCK e reconheceu o risco "elevado" enfrentado pela Anera. "Temos trabalhado em cooperação com os israelenses e em condições muito difíceis. Sempre repassamos às IDF as coordenadas de nossa equipe."

Eu acho...

"Eu conhecia duas das pessoas mortas no bombardeio: uma australiana e um polonês. Trabalhei com eles por mais de uma semana. Essas pessoas tinham que estar protegidas para realizar o seu trabalho humanitário. Elas morreram. Poderiam ter ficado com suas famílias, mas preferiram ajudar o povo de Gaza. Todos os dias, distribuíamos 150 mil refeições diárias para os palestinos. Amanhã (hoje), não haverá mais nada. Essas pessoas que jejuam durante o Ramadã e esperam comer depois do crepúsculo não encontrarão alimentos. Isso vai agravar a fome. Espero protestos pedindo a retomada das operações de nossa ONG e de outras."

Naser Qadous, membro da equipe de resposta a emergências da ONG Anera

FOTOLEG - Manifestantes chamam Netanyahu de "traidor"

Milhares de israelenses, entre eles vários familiares de reféns sequestrados em Gaza, voltaram a exigir, em Jerusalém, a renúncia do primeiro-ministro ultranacionalista Benjamin Netanyahu, a quem acusam de ter "traído" a confiança popular. "O senhor está em campanha contra mim, contra as famílias dos reféns, se colocou contra nós. O senhor nos chama de 'traidores', quando o senhor é o traidor, um traidor de seu povo, de seus eleitores, do Estado de Israel", proclamou, com um microfone na mão, uma das manifestantes, Einav Zangauker. Seu filho, Matan, é um dos reféns em poder do Hamas desde a incursão letal de milicianos islamistas no sul do território israelense, em 7 de outubro, que desencadeou a guerra na Faixa de Gaza. Foi o quarto protesto desde o sábado em frente à Knesset, o Parlamento israelense. Durante o ato, o ex-primeiro-ministro trabalhista Ehud Barak pediu a realização de "eleições já", uma possibilidade que Netanyahu descarta taxativamente.

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