A ativista Walaa Najeh Hassan, 30 anos, deixou Rafah na manhã desta segunda-feira (27/5). Levou consigo as lembranças do pesadelo da noite do último domingo (26), quando Israel bombardeou um acampamento de deslocados mantido pela UNRWA, agência da ONU para refugiados palestinos, no bairro de Tel Al-Sultan. O ataque deixou ao menos 45 mortos e 200 feridos e atraiu a indignação da comunidade internacional. "Rafah tornou-se um local perigoso. Estamos em Deir Al Balah, no centro da Faixa de Gaza", disse Walaa ao Correio. Como se existisse lugar no seguro no enclave palestino, há 192 dias sob bombardeios quase diários. Ela relatou que, por volta das 20h50 de domingo (14h50 em Brasília), escutou uma "horrível explosão". "Depois, foram mais oito estrondos. Então, vimos o fogo tomando conta de tudo. Amedrontadas, as pessoas corriam para lugar nenhum. Vimos pessoas queimadas vivas e crianças decapitadas", descreveu a palestina. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, falou em "acidente trágico". A UNRWA confirmou "baixas massivas" entre crianças e mulheres. "Gaza é o inferno na Terra", reagiu. O Conselho de Segurança da ONU se reunirá, nesta terça-feira, em caráter de emergência, a pedido da Argélia.
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As autoridades israelenses iniciaram uma investigação sobre o incidente, que, segundo elas, tinha como alvos extremistas do grupo islâmico Hamas. "De acordo com os primeiros dados, ocorreu um incêndio após o ataque. Os terroristas estavam escondidos no porão", disse o porta-voz do governo israelense, Avi Hyman. "Apesar de nossos esforços para não machucar (os civis), houve um acidente trágico. (...) Para nós, é uma tragédia; para o Hamas, uma estratégia", declarou, por sua vez, Netanyahu.
Morador Khan Yunis, a 9km de Rafah, Khalil Abu Shammala, 53 anos, vai com frequência à cidade vizinha para coordenar ajuda humanitária. "Dessa vez, Israel não aconselhou os civis a saírem. Pretendia matar um dos líderes do Hamas responsável por um escritório do grupo na Cisjordânia. Isso não concede a Israel justificativa ou desculpa para o ataque", afirmou ao Correio. Ele acusou Israel de se julgar acima do direito internacional. "Nós, palestinos, não podemos aceitar o papel de 'boas vítimas' ante essa agressão brutal cometida pela ocupação israelense. Interesses têm controlado essa guerra. A Casa Branca tem aberto os seus braços para Israel. Sem apoio dos EUA e da Europa, Israel nunca vai parar com isso. Não temos justiça."
O governo dos Estados Unidos admitiu estar "impactado" pelas imagens do bombardeio e fez nova cobrança ao aliado. "Deixamos claro que Israel deve tomar todas as precauções possíveis para proteger os civis", disse um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional. "Israel tem o direito de atacar o Hamas, e entendemos que no bombardeio morreram dois terroristas de hierarquia elevada", acrescentou.
"Esse horror deve parar", exigiu, por sua vez, o secretário-geral da ONU, António Guterres. Em publicação no X, ele disse condenar "as ações de Israel que mataram dezenas de civis inocentes que apenas buscavam abrigo nesse conflito mortal". O presidente da França, Emmanuel Macron, revelou-se "indignado" com a matança. "Essas operações (em Rafah) devem parar. Não há área segura para os civis palestinos na cidade. Conclamo o pleno respeito pelo direito internacional e cessar-fogo imediato", escreveu na rede social X, o antigo Twitter. Em nota, o Ministério das Relações Exteriores da Alemanha afirmou que "as imagens de cadáveres carbonizados, incluindo crianças, no ataque aéreo em Rafah são insuportáveis".
Josep Borrell, chefe de diplomacia da União Europeia (UE), se disse "horrorizado" e condenou o massacre "nos mais contundentes termos". "Não existe lugar seguro em Gaza. Esses ataques devem parar imediatamente", comentou. Borrell defendeu que as decisões do Tribunal Penal Internacional (TPI) e da Corte Internacional de Justiça (CIJ) sejam respeitadas por todas as partes. Em 20 de maio, o procurador do TPI, Karim Khan, solicitou mandados de prisão contra Netanyahu; o seu ministro da Defesa, Yoav Gallant; e de três líderes do Hamas, incluindo Ismail Haniyeh.
Vários governos da região também condenaram a ação israelense. Nasser Kanaani, porta-voz da chancelaria iraniana, escreveu no X que Israel merece "uma forte condenação e uma resposta prática da comunidade internacional". O Egito denunciou um "ataque a civis indefesos"; a Jordânia acusou "crimes de guerra" por parte de Israel; e a Arábia Saudita lamentou "os contínuos massacres cometidos pelas forças de ocupação israelenses".
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