
Mais do que uma questão de transição energética, o programa nuclear era visto pelas autoridades e pela população do Irã como um motivo de orgulho nacional. Para uma parte da comunidade internacional, transmitia desconfiança e estava fadado à fabricação de uma arma atômica. Durante os 12 dias de guerra, as Forças de Defesa de Israel (IDF) bombardearam sucessivamente as instalações de processamento de urânio de Natanz, Isfahan e Bushehr.
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Na madrugada de domingo (22/6), os EUA entraram na guerra: sete bombardeiros B-2 Spirit — furtivos aos radares — despejaram dez bombas antibunker GBU-57, de 14t, sobre a usina nuclear subterrânea de Fordow. Caças americanos também atacaram Natanz e Isfahan. No dia seguinte, o presidente Donald Trump anunciou o êxito da operação. "Ontem, tivemos um sucesso militar espetacular, tirando a 'bomba' das mãos deles (e a usariam se pudessem!)", escreveu o republicano, na segunda-feira (23).
Uma imagem flagrada por satélite, na última quinta-feira (19/6), dois dias antes do ataque americano a Fordow, levantou suspeitas de que o regime teocrático islâmico possa ter se antecipado ao bombardeio para tentar salvar o programa nuclear. Dezesseis caminhões, em fila, aparecem estacionados diante da principal entrada de Fordow. Construída dentro de uma montanha, Fordow mantinha 2.976 centrífugas a cerca de 90m de profundidade.
O flagrante sugere que todo o urânio altamente enriquecido tenha sido removido do complexo para um local desconhecido. Um jornal da Arábia Saudita publicou que Israel conhece o paradeiro da carga. O Irã garante que "tomou as medidas necessárias" para a continuidade do programa nuclear. "Os planos para reativar (as instalações) foram preparados com antecedência, e a estratégia é garantir que a produção não seja interrompida", declarou o chefe da Organização de Energia Atômica do Irã, Mohammad Eslami. Um relatório da Agência de Inteligência de Defesa dos EUA, divulgado também ontem, indica que os bombardeios a Natanz, Isfahan e Fordow apenas atrasaram em menos de seis meses o programa nuclear.

Nicholas L. Miller, professor de governo da Dartmouth College (em New Hampshire) e especialista em proliferação nuclear, explicou ao Correio que o ataque dos Estados Unidos a Fordow, no último sábado, danificou, "mas certamente não destruiu o programa nuclear iraniano". "Pelo menos grande parte de urânio altamente enriquecido está provavelmente intacto, e o Irã provavelmente ainda possui muitas centrífugas. É provável que Teerã mantenha e busque reconstruir seu programa nuclear, inclusive, pode até considerar a saída do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP)", afirmou.
Miller não descarta que o regime iraniano tenha escondido o urânio altamente enriquecido antes do bombardeio a Fordow. "Como era de conhecimento público que os EUA preparavam um possível ataque, é lógico que o Irã buscaria proteger suas capacidades nucleares o máximo possível. As imagens de satélite parecem corroborar a ideia de que o Irã removeu materiais de Fordow antes do ataque."
"Impossível"
Diretor de Pesquisas do Programa de Política Externa do think tank Brookings Institution (em Washington), Michael O'Hanlon disse à reportagem que, por enquanto, é impossível inferir se o programa nuclear foi desmantelado ou não pelas bombas antibunker, em Fordow. "As informações visuais vindas de satélites são inconclusivas. Acredito que a capacidade da arma americana de penetrar profundamente seja apenas parcialmente compreendida", admitiu. "Creio que a probabilidade de os iranianos contarem o que ocorreu, ou deixarem os inspetores verificarem, seja modesta. Podemos saber com o passar do tempo, mas também podemos não tomar conhecimento disso."

Por sua vez, John Erath, diretor sênior de Políticas do Centro de Controle de Armas e Não Proliferação, também sediado na capital dos EUA, concorda em parte com O'Hanlon. "É difícil avaliar a extensão dos danos a Fordow, especialmente ante o fato de que partes importantes dos alvos são subterrâneas. É provável que houve algum dano, mas mesmo que as instalações estejam atualmente inoperantes, o programa de armas nucleares não está encerrado. O Irã retém o elemento mais importante — o conhecimento técnico — e pode reconstruí-lo", assegurou ao Correio.
Erath reconhece a possibilidade de o regime uraniano ter retirado a carga radioativa da usina de Fordow. "O urânio enriquecido é relativamente transportável. Caso haja novas negociações sobre o futuro do programa nuclear iraniano, essa deve ser uma questão fundamental", defendeu.
EU ACHO...

"Provavelmente, o Irã manterá e buscará reconstruir seu programa nuclear. O país tem se comprometido fortemente com o programa de enriquecimento de urânio durante décadas. Os ataques dos Estados Unidos e de Israel — que foram parte de um esforço para a mudança do regime — podem convencer a liderança iraniana de que armas nucleares são essenciais para a segurança nacional."
Nicholas L. Miller, professor de governo da Dartmouth College (em New Hampshire) e especialista em proliferação nuclear