
Apesar de um relatório da inteligência do Pentágono indicar que os bombardeios dos Estados Unidos às instalações de Fordow, Natanz e Isfahan apenas atrasaram o programa nuclear iraniano em até seis meses, o presidente Donald Trump tornou a assegurar que a capacidade do Irã de enriquecer urânio desapareceu por completo. Em um aceno contrário, o Parlamento iraniano aprovou a suspensão da colaboração do país com as inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) — a decisão está a cargo do Conselho dos Guardiões, responsável pela revisão das leis.
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Trump chegou a comparar o contexto do lançamento das bombas antibunkers de 14t sobre Fordow ao das explosões atômicas em Hiroshima e Nagasaki. "Aquele ataque acabou com a guerra. Não quero usar o exemplo de Hiroshima, não quero usar o exemplo de Nagasaki, mas foi essencialmente a mesma coisa. Aquilo acabou com a guerra. Isto acabou com a guerra. Se não tivéssemos eliminado, eles esteriam lutado até agora", declarou, à margem da cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em Haia, na Holanda.
O titular da Casa Branca insistiu que a ofensiva americana, na madrugada de 22 de junho (noite do dia 21, em Brasília), destruiu "totalmente" as instalações nucleares iranianas e que o programa nuclear "retrocedeu décadas". "Não vão construir bombas por muito tempo", anunciou. Trump ameaçou o Irã com novos ataques caso o regime teocrático islâmico tente retomar o enriquecimento de urânio. Ele também anunciou que autoridades de Washington e de Teerã reativarão as negociações e disse que "podem assinar um acordo". "Vamos conversar na próxima semana com o Irã, poderemos assinar um acordo, ainda não sei", declarou.
O porta-voz das Forças de Defesa de Israel (IDF), Effie Delfrin, foi mais comedido na análise do impacto dos bombardeios. "Acredito que demos um duro golpe no programa nuclear e também posso dizer que o atrasamos em vários anos", disse. "Ainda é cedo para avaliar os resultados da operação", relativizou.
Daryl G. Kimball, diretor-executivo da Associação para o Controle de Armas (em Washington), contestou a comparação feita por Trump sobre os bombardeios ao Irã e os ataques nucleares contra Hiroshima e Nagasaki, em 1945. "Ao contrário dos ataques ilegais dos EUA no Irã, os bombardeios americanos de 6 e de 9 agosto, respectivamente, nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, mataram mais de 210 mil pessoas. Mas, assim como os bombardeios no Japão, a ofensiva americana ao Irã, em 21 de junho, representa um desvio desnecessário e trágico dos esforços diplomáticos que poderiam ter colocado fim às hostilidades", explicou ao Correio.
De acordo com Kimball, os indícios iniciais confirmam que o bombardeio americano a Fordow e a outras instalações nucleares iranianas danificaram seriamente e até mesmo destruíram algumas delas. "No entanto, o ataque combinado provavelmente apenas atrasou em vários meses a capacidade do Irã de produzir material para a bomba atômica", avaliou. "A ação militar, por si, pode apenas reduzir as capacidades nucleares, mas é incapaz de sua eliminação. O conhecimento nuclear, o estoque de urânio enriquecido e a determinação do regime teocrático islâmico em manter o programa em andamento ainda estão lá."
Pesquisador associado do Centro James Martin para Estudos de Não Proliferação (CNS, em Monterey, Califórnia), Sam Lair avaliou que é prematuro inferir se o Irã ficará compelido a construir a bomba atômica por uma questão de segurança nacional, após sofrer os ataques de Israel e dos EUA. "Nós teremos que ver a extensão dos danos e qual o sentimento dominante no Irã antes de avaliar se Teerã poderia optar por desenvolver uma arma nuclear", afirmou à reportagem.
Lair considera que a comparação entre os ataques no Irã e os bombardeios nucleares de Hiroshima e Nagasaki é "historicamente carregada". "Não está claro se o atual conflito acabou, pois o cessar-fogo pode fracassar. Além disso, as ofensivas contra as instalações nucleares não parecem ter encerrado a guerra. O Irã golpeou uma base americana no Catar dias depois do ataque em Fordow, e tanto iranianos quanto israelenses continuaram a trocar fogo até que o cessar-fogo passou a vigorar."
PALAVRAS DE ESPECIALISTAS
"É hora da diplomacia séria"
"Ficou bastante claro que os iranianos, em antecipação ao bombardeio americano, removeram o estoque de mais de 400kg de urânio enriquecido a 60% do complexo de Fordow e talvez de outras instalações, incluindo Isfahan. Este material, caso enriquecido até os 90%, forneceria matéria-prima suficiente para cerca de 10 bombas atômicas. Informações da inteligência americana dão conta de que seria necessário pelo menos um ano para que esse material fosse transformado em ogivas pequenas e leves o suficiente para serem lançadas por um míssil balístico. Além disso, o Irã também mantém capacidade de fabricação de centrífugas, um fator que pode ajudá-lo a reconstruir as máquinas para permitir mais atividades de enriquecimento de urânio.
Os ataques dos EUA a Fordow atrasaram o programa iraniano em pelo menos vários meses, mas ao custo de prejudicarem ainda mais a confiança entre as partes. Também devem fortalecer a determinação de Teerã em reconstituir suas atividades nucleares sensíveis, além de reduzirem os incentivos do Irã para cooperar com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Permanece o risco de proliferação a médio e longo prazo. Isso inclui a possibilidade de o Irã anunciar a intenção de abandonar o Tratado de Não Proliferação Nuclear e, possivelmente, prosseguir com o armamento.
Agora é hora de retornar à diplomacia séria e concordar com o retorno dos inspetores da AIEA ao Irã para que eles possam avaliar o status das atividades nucleares do Irã e tentar prestar contas de seu material nuclear, incluindo o urânio altamente enriquecido acumulado antes da guerra."
Daryl G. Kimball, diretor-executivo da Associação para o Controle de Armas (em Washington)
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"Programa nuclear não acabou"
"Os iranianos terão a capacidade de reconstruir seu programa nuclear. Ainda que muitos cientistas nucleares tenham sido assassinados por Israel, o programa de centrífugas iranianas tem cerca de 30 anos. Há muitos indivíduos com expertise e conhecimento para ajudar a reconstruí-lo. Além disso, instalações-chave, incluindo a fábrica subterrânea de montagem de centrífugas perto de Natanz e a instalação subterrânea perto do centro de pesquisa nuclear de Isfahan, não foram atacadas em nenhum momento durante o conflito. Tudo isso indica que o Irã tem a experiência e a infraestrutura necessárias para reconstruir seu programa, se quiser.
Um relatório recente da Agência de Inteligência de Defesa indica que o programa nuclear iraniano atrasou em um poucos meses por conta da guerra. Mesmo que as instalações atingidas tenham sido severamente danificadas, o que levanta sérias questões, os iranianos ainda têm centrífugas armazenadas, capacidade para fabricar mais centrífugas e cerca de 400kg de urânio enriquecido a 60%. Tudo isso indica que o programa nuclear iraniano não acabou.
Por meio de imagens de satélite, conseguimos visualizar o tráfego de caminhões perto das entradas do túnel no complexo de Fordow. Embora parecesse que as entradas estavam sendo cobertas ou enterradas para protegê-las do ataque americano, também parecia que algum material poderia ter sido removido da instalação. Ainda que não possamos dizer o que foi removido do local, parece provável que os iranianos tenham transportado o urânio enriquecido, com o objetivo de protegê-lo de ataques. Também não podemos dizer se todo o material foi removido ou apenas parte dele."
Sam Lair, pesquisador associado do Centro James Martin para Estudos de Não Proliferação (CNS, em Monterey, Califórnia)
Críticas à imprensa e pedido de demissão
Reportagens sobre os ataques a instalações nucleares do Irã publicadas por renomados veículos de comunicação dos Estados Unidos, como a TV CNN e o jornal The New York Times, enfureceram o presidente, que chegou a sugerir a demissão de uma jornalista. "Acabamos de flagrar o decadente The New York Times, em parceria com a CNN de notícias falsas, trapaceando de novo! Eles tentaram menosprezar o excelente trabalho que nossos pilotos de B-2 fizeram, e erraram ao fazê-lo. Esses repórteres são simplesmente pessoas ruins e doentes", escreveu em sua plataforma Truth Social. Em um segundo post, citou o nome de uma jornalista da CNN. "Natasha Bertrand deveria ser demitida da CNN! Ela deveria ser imediatamente repreendida e, depois, expulsa 'como uma cadela'. (...) Ela mentiu sobre a história das instalações nucleares. (...) Demitam Natasha!", reagiu.
Cooperação é compulsória, adverte AIEA
Ante a informação de que o Parlamento do Irã aprovou a suspensão da colaboração do país com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o diretor-geral da organização, o diplomata argentino Rafael Grossi, alertou que a cooperação entre as duas partes é "uma obrigação". "A cooperação do Irã conosco não é um favor, é uma obrigação jurídica, enquanto o Irã continuar sendo signatário do Tratado de Não Proliferação (TNP)", disse Grossi à emissora de televisão France 2.
A declaração chega no momento em que não há informações sobre o paradeiro ou a possível destruição de aproximadamente 400kg de urânio altamente enriquecido por causa dos ataques israelenses. "A AIEA perdeu visibilidade sobre esses materiais desde que as hostilidades começaram", acrescentou Grossi. No entanto, o diretor disse que "não quer dar a impressão de que está perdido ou escondido".
Grossi foi perguntado sobre as declarações do presidente americano Donald Trump, que afirmou que o programa nuclear iraniano retrocedeu várias "décadas" pelos bombardeios de seu país. O argentino respondeu que não tem muita confiança "nesta visão cronológica sobre as armas de destruição em massa". "Imagino que é uma avaliação política", concluiu.
Credibilidade
Ao justificar a decisão de aconselhar a suspensão da colaboração com a agência da ONU, o presidente do Parlamento iraniano, Mohammed Bagher Ghalibaf, não poupou críticas à organização. "A AIEA, que se recusou inclusive a condenar minimamente o ataque às instalações nucleares do Irã, colocou em jogo sua credibilidade internacional", declarou.
Ghalibaf anunciou que a Organização de Energia Atômica do Irã suspenderá a cooperação com a AIEA "até que seja garantida a segurança das instalações nucleares". O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Esmail Baqai, confirmou que a cooperação com a AIEA "certamente será afetada". Ele criticou a agência por ter aprovado uma resolução, em 12 de junho, acusando o Irã de não respeitar suas obrigações nucleares.
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