Estados Unidos

Cortes em serviços de emergência coloca a gestão de crise dos EUA em xeque

O desastre por causa das cheias no Texas, que matou pelo menos 109 pessoas e deixou 161 desaparecidas, acende o debate sobre os cortes nas agências e nos serviços de emergência, que poderiam ter avisado sobre as ameaças e os riscos

Voluntários se juntam aos socorristas profissionais na busca por vítimas das enchentes do dia 4, em Camp Mystic, onde estavam 750 pessoas          -  (crédito: AFP)
Voluntários se juntam aos socorristas profissionais na busca por vítimas das enchentes do dia 4, em Camp Mystic, onde estavam 750 pessoas - (crédito: AFP)

Em meio às buscas por desaparecidos e mortos, vítimas da tragédia em Camp Mystic, no Texas, especialistas discutem as falhas no sistema de alerta e das agências responsáveis pelos serviços de emergência em caso de desastres naturais. Com pelo menos 109 mortos e 161 desaparecidos, especialistas criticam a falta de ação do governo do presidente norte-americano, Donald Trump, e os cortes de investimentos e de profissionais em setores específicos. As cheias agravadas pelas chuvas atingiram acampamentos estudantis, em seis condados do Texas, nos quais havia 750 pessoas, incluindo crianças e adolescentes de 7 a 17 anos.

O jornal The Guardian informa que essas enchentes "mortais" no Texas podem sinalizar uma nova norma nos EUA, à medida que Trump e aliados desmantelam agências federais fundamentais no apoio para que os estados se preparem e respondam às ameaças e aos perigos. De acordo com a reportagem, não está claro por que o sistema de alerta não conseguiu advertir para a evacuação a tempo em Camp Mystic. Mas há uma preocupação de que os cortes definidos por Trump e seu doador bilionário Elon Musk no Serviço Nacional de Meteorologia (NWS) e na Agência Federal de Gestão de Emergências (Fema) contribuíram para a tragédia.

Demissões

Ao analisar a situação ao The Guardian, Samantha Montano, professora de gestão de emergências na Academia Marítima de Massachusetts, ressaltou que meteorologistas, climatologistas e especialistas em gestão de emergências vinha advertindo sobre a intensidade das tempestades na região atingida no Texas. Segundo ela, é fundamental investir em conhecimento para dar mais segurança à população.

O The Guardian detalha que a gestão de emergências e o serviço meteorológico trabalham em conjunto. No NWS, mais de 600 pessoas foram demitidas ou se aposentaram antecipadamente, o que levou os escritórios em áreas propensas a tempestades e inundações ficarem sem meteorologistas e profissionais disponíveis 24 horas por dia. A agência também teve de reduzir o monitoramento meteorológico de rotina.

Dois meteorologistas seniores do escritório do Serviço Nacional de Serviços de Emergência (NWS) de San Antonio, responsável pela previsão do tempo na região de Hill Country, estavam entre os demitidos por ordem do governo Trump. Na relação dos exonerados, o meteorologista responsável pela coordenação de alertas, designado para manter contato com os gestores de emergência locais para ajudar a traduzir as previsões do NWS em impactos prováveis de apoio às ações locais, como alertas e ordens de evacuação.

De acordo com o The Guardian, no orçamento de 2026 há mais cortes nas agências, incluindo o encerramento do Escritório de Pesquisa Oceânica e Atmosférica, o que pode levar ao fim dos esforços para melhorar os alertas para eventos, como as enchentes no Texas, alertou Alan Gerard, ex-chefe da Divisão de Pesquisa e Desenvolvimento de Alertas do Laboratório Nacional de Tempestades Severas de Noaa, em entrevista ao site DemocracyNow!.

Dificuldades

As equipes de socorristas travam uma luta contra o tempo, o risco de mais tempestades e as dificuldades de locomoção no terreno. Ben Baker, um dos guardas florestais do Texas, disse que as operações de busca e resgate com helicópteros, drones e cães são difíceis devido à água e à lama. "Quando tentamos realizar esses resgates, essas grandes pilhas de destroços podem ser muito obstrutivas, e adentrar nelas é muito perigoso", afirmou. "É extremamente perigoso e leva muito tempo. É um trabalho sujo, a água ainda está lá", acrescentou. Ele ressaltou que há uma atenção especial com o estado psicológico dos socorristas, sobretudo porque estavam sendo recuperados corpos de crianças.

No condado de Hunt, epicentro do desastre, uma equipe da AFP viu os socorristas revistando montanhas de destroços com helicópteros sobrevoando a área, enquanto as esperanças de encontrar sobreviventes pareciam cada vez mais remotas. Javier Torres, de 24 anos, cavava na lama em busca do corpo da avó, depois de ter localizado os restos mortais do avô. Ele também encontrou os corpos de duas crianças, aparentemente arrastadas pelo rio.

A Casa Branca anunciou que Trump planeja visitar o Texas na sexta-feira, ou seja, uma semana depois de a tragédia ter ocorrido e causado comoção internacional por envolver crianças e adolescentes que participavam de acampamentos religiosos em pleno feriado de 4 de Julho — Dia da Independência dos EUA. Paralelamente, ele critica aqueles que afirmam que seus cortes orçamentários às agências meteorológicas enfraqueceram os sistemas de alerta. 

 Falhas e ineficiência

 O desastre que matou mais de uma centena de pessoas na região texana de Hill Country era uma tragédia anunciada, segundo especialistas. Hatim Sharif, professor de Hidrologia da Universidade do Texas em San Antonio, afirmou que é uma área chamada de "beco das inundações repentinas", suscetível a cheias e tempestades com relativa frequência. Ele e outros especialistas advertem sobre o agravamento da situação diante das mudanças climáticas. 

Sharif disse que o ar quente do Golfo sobe pela Escarpa de Balcones — uma linha de colinas e penhascos íngremes que se curva para sudoeste a partir de Dallas — esfria e despeja torrentes sobre solos finos que rapidamente cedem lugar ao leito rochoso. O escoamento, então, se afunila por uma densa rede de riachos. "A água sobe muito, muito rápido, em questão de minutos ou algumas horas", disse Sharif à AFP. E as primeiras horas de 4 de julho comprovaram isso.

Um medidor próximo ao Camp Mystic, em Hunt, indicava que o rio Guadalupe estava subindo quase 30 centímetros a cada cinco minutos, o nível do rio estava mais de seis metros acima do normal, segundo os dados do Serviço Nacional de Meteorologia (NWS). De acordo com especialistas, um volume de água suficiente para arrastar pessoas, veículos e edifícios.

Para Sharif, é incontestável a importância dos serviços de previsão hidrológica, indicando níveis prováveis de cheias e enchentes. "A precipitação precisa ser convertida em escoamento", disse. "Se você tem 25 centímetros, o que vai acontecer?", questiona.

Mudanças climáticas

Uma atmosfera mais quente retém mais umidade, o que pode provocar chuvas mais intensas. Uma nova análise do ClimaMeter mostra que as condições meteorológicas que antecederam as enchentes, quando foi registrado mais que o dobro da média mensal de chuvas em apenas um dia, não podem ser explicadas apenas pela variabilidade natural.

"As mudanças climáticas já estão nos afetando, então precisamos nos adaptar", disse Mireia Ginesta, climatologista da Universidade de Oxford, coautora da pesquisa, financiada pela União Europeia e pelo Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS). "Também precisamos reduzir nossas emissões e garantir e garantir que os serviços de previsão e a pesquisa em geral sobre mudanças climáticas recebam financiamento adequado".

Especialistas destacam, no entanto, que os meteorologistas do NWS tiveram um desempenho admirável diante das circunstâncias. Alguns moradores questionaram a ausência de sistemas de alerta de inundação mais robustos na região sul e central do Texas. Nicole Wilson, uma mãe de San Antonio que esteve prestes a enviar suas filhas ao acampamento Mystic, criou uma petição no site Change.org para exigir que o governador Abbott modernize a rede de alerta. "Cinco minutos da sirene ressoando poderiam ter salvado cada uma dessas crianças", disse à AFP.

Na segunda-feira à noite, uma vigília foi organizada em San Antonio e muitos texanos se reuniram para rezar pelas vítimas da tragédia. "Não esperava uma cheia tão rápida dos nossos rios", disse Rebeca Gutiérrez, de 29 anos. "Esperamos que sejam feitos esforços preventivos em áreas similares para garantir que nada desta dimensão aconteça", acrescentou.

 

Falhas e ausência de ações efetivas

 O desastre que matou mais de uma centena de pessoas na região texana de Hill Country era uma tragédia anunciada, segundo especialistas. Hatim Sharif, professor de Hidrologia da Universidade do Texas em San Antonio, afirmou que é uma área chamada de "beco das inundações repentinas", suscetível a cheias e tempestades com relativa frequência. Ele e outros especialistas advertem sobre o agravamento da situação diante das mudanças climáticas. 

Sharif disse que o ar quente do Golfo sobe pela Escarpa de Balcones — uma linha de colinas e penhascos íngremes que se curva para sudoeste a partir de Dallas — esfria e despeja torrentes sobre solos finos que rapidamente cedem lugar ao leito rochoso. O escoamento, então, se afunila por uma densa rede de riachos. "A água sobe muito, muito rápido, em questão de minutos ou algumas horas", disse Sharif à AFP. E as primeiras horas de 4 de julho comprovaram isso.

Um medidor próximo ao Camp Mystic, em Hunt, indicava que o rio Guadalupe estava subindo quase 30 centímetros a cada cinco minutos, o nível do rio estava mais de seis metros acima do normal, segundo os dados do Serviço Nacional de Meteorologia (NWS). De acordo com especialistas, um volume de água suficiente para arrastar pessoas, veículos e edifícios.

Para Sharif, é incontestável a importância dos serviços de previsão hidrológica, indicando níveis prováveis de cheias e enchentes. "A precipitação precisa ser convertida em escoamento", disse. "Se você tem 25 centímetros, o que vai acontecer?", questiona.

Mudanças climáticas

Uma atmosfera mais quente retém mais umidade, o que pode provocar chuvas mais intensas. Uma nova análise do ClimaMeter mostra que as condições meteorológicas que antecederam as enchentes, quando foi registrado mais que o dobro da média mensal de chuvas em apenas um dia, não podem ser explicadas apenas pela variabilidade natural.

"As mudanças climáticas já estão nos afetando, então precisamos nos adaptar", disse Mireia Ginesta, climatologista da Universidade de Oxford, coautora da pesquisa, financiada pela União Europeia e pelo Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS). "Também precisamos reduzir nossas emissões e garantir e garantir que os serviços de previsão e a pesquisa em geral sobre mudanças climáticas recebam financiamento adequado".

Especialistas destacam, no entanto, que os meteorologistas do NWS tiveram um desempenho admirável diante das circunstâncias. Alguns moradores questionaram a ausência de sistemas de alerta de inundação mais robustos na região sul e central do Texas. Nicole Wilson, uma mãe de San Antonio que esteve prestes a enviar suas filhas ao acampamento Mystic, criou uma petição no site Change.org para exigir que o governador Abbott modernize a rede de alerta. "Cinco minutos da sirene ressoando poderiam ter salvado cada uma dessas crianças", disse à AFP.

Na segunda-feira à noite, uma vigília foi organizada em San Antonio e muitos texanos se reuniram para rezar pelas vítimas da tragédia. "Não esperava uma cheia tão rápida dos nossos rios", disse Rebeca Gutiérrez, de 29 anos. "Esperamos que sejam feitos esforços preventivos em áreas similares para garantir que nada desta dimensão aconteça", acrescentou.

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postado em 09/07/2025 06:00
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