
O discurso de Volodymyr Zelensky no púlpito da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) ocorreu um dia depois de os Estados Unidos sinalizarem com uma guinada em relação à concessão de territórios para a Rússia. O presidente da Ucrânia disse que seu país não tem escolha a não ser lutar, acusou o sistema internacional de fracasso e advertiu: "Estimados líderes, estamos vivendo a corrida armamentista mais destrutiva da história da humanidade, porque, desta vez, ela inclui a inteligência artificial (IA)". "Precisamos de regras globais agora sobre como a IA pode ser usada em armas. E isso é tão urgente quanto impedir a disseminação de armas nucleares", disse. Depois do pronunciamento, Zelensky encontrou-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ouviu do brasileiro o compromisso de "fazer tudo o que estiver ao seu alcance" para levar a paz à Ucrânia.
- Donald Trump ataca as Nações Unidas e faz afagos ao próprio ego
- Trump, em mudança abrupta, afirma que a Ucrânia pode recuperar todo o território
Zelensky também alertou que a Europa não pode perder a Moldávia para a Rússia e denunciou as aspirações expansionistas de Vladimir Putin. Nos 18 minutos de pronunciamento, 40 a menos que o de Donald Trump, o ucraniano cobrou o envio de armas do Ocidente a Kiev e afirmou que, se não for contido, Putin seguirá levando a guerra adiante, "de forma mais ampla e profunda".
"Ninguém além de nós mesmos pode garantir a segurança. Somente alianças fortes, somente parceiros fortes e somente nossas próprias armas", declarou Zelensky. Na terça-feira (23/9), após reunião com Zelensky, o presidente americano disse que a Ucrânia poderia recuperar todo o território perdido para a Rússia. "Acredito que a Ucrânia, com o apoio da União Europeia, está em condições de lutar e recuperar todo o território. (...) A Ucrânia poderia recuperar seu país em sua forma original e, quem sabe, talvez até ir mais além!", acrescentou.
Professor de relações internacionais da ESPM, Gunther Rudzit lembrou que Trump, "em uma mesma frase, consegue dizer duas coisas opostas sem se constranger". "Ao que tudo indica, ele começa a perceber que Putin não quer a paz e deseja continuar com a guerra até conquistar os territórios que faltam para a Rússia controlar as províncias anexadas, pelo menos no papel, no início da invasão. O presidente viu que está sendo manipulado. A estratégia dele seria a de vender equipamentos militares para os aliados da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que os repassariam à Ucrânia. Isso poderia ser suficiente para que Kiev resistisse", disse ao Correio. Em 28 de fevereiro passado, Trump hostilizou e praticamente expulsou Zelensky da Casa Branca.
O estudioso da ESPM acha difícil que a Ucrânia retome os territórios perdidos para a Rússia — Kherson, Luhansk, Zaporozhzhia e Donets — e considera impossível a reconquista da Península da Crimeia, anexada pelas forças de Moscou em 2014. Segundo Rudzit, caso Putin sinta que está perdendo a guerra na Ucrânia, poderia provocar uma escalada nuclear. "Nenhum dos lados quer isso."
Em reunião com o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, responsabilizou a Ucrânia e a Europa por prolongarem a guerra. O enviado de Putin "destacou o caráter inaceitável dos planos promovidos por Kiev e por algumas capitais europeias destinados a prolongar o conflito", disse. Por sua vez, o chefe da diplomacia de Washington instou Moscou a pôr fim ao "massacre" na Ucrânia.
Brasil
Ao fim do encontro bilateral com Lula, Zelensky falou à imprensa e admitiu que "é bom que haja sinais do Brasil, do presidente brasileiro e de sua equipe que eles apoiam, em primeiro lugar, um cessar-fogo e a paz para o povo ucraniano". De acordo com Zelensky, Lula disse que fará o seu melhor para levar a paz à Ucrânia. "Sou grato a ele por sua posição clara. Acho que realmente faltou tempo para nós. Tivemos uma conversa de uma hora", declarou.
Elogios e recomendações de mudanças
O presidente argentino, Javier Milei, pareceu determinado a utilizar boa parte de seu pronunciamento aos chefes de Estado e de governo, em Nova York, para bajular o colega americano, Donald Trump. O líder libertário declarou que o republicano tomou "decisões difíceis" para evitar uma "catástrofe global". "Neste momento histórico, Trump entende que deve fazer o necessário, embora muitos não gostem, antes que seja muito tarde", disse. Na véspera, os Estados Unidos anunciaram um aporte financeiro de US$ 20 bilhões (cerca de R$ 106 bilhões) à Argentina.
"Neste momento histórico", Trump "entende que deve fazer o necessário, embora muitos não gostem, antes que seja muito tarde", afirmou Milei. O argentino destacou o fato de que "Trump realiza uma limpeza da captura institucional do Estado americano, pois nele haviam se infiltrado facções de esquerda que atentavam contra qualquer programa de reforma, por mais necessário que fosse".
Milei recomendou que a ONU adote um plano de austeridade similar ao que ele impulsionou na Argentina. "Assim como iniciamos a otimização do Estado, eliminando estruturas redundantes e devolvendo recursos aos contribuintes, entendemos que a ONU precisa de um caminho similar. Isso implica a realização de auditorias confiáveis, o fechamento de programas ineficazes, a consolidação de agências únicas e um financiamento condicionado a resultados verificáveis", afirmou.
Professora de ciência política da Universidad Nacional del Litoral (em Santa Fe), a argentina María Emilia Perri explicou ao Correio que o discurso Milei se insere em uma série de ações capazes de viabilizar o acesso da Argentina aos fundos internacionais, a fim de aliviar a crise financeira. "O alinhamento com o discurso de Trump vai nessa órbita. Não deixa de ser um pronunciamento marcado de posições ideológicas, como o valor da liberdade, o enxugamento das instituições estatais e as críticas à burocratização da ONU", avaliou. "Milei precisa desse vínculo para conseguir acordos internacionais que lhe permitam surfar o momento de crise, pelo menos até as eleições legislativas nacionais de 26 de outubro." (RC)
RÁPIDAS
Síria volta à tribuna depois de 58 anos
Pela primeira vez desde 1967, a Síria voltou a ter um presidente no púlpito da Assembleia Geral da ONU. Ex-rebelde islamita que derrubou Bashar Al-Assad do poder e ascendeu à Presidência, e chegou a ser considerado terrorista pelo governo dos Estados Unidos, Ahmed Al Sharaa criticou incursões das Forças de Defesa de Israel (IDF) ao território sírio. "As políticas israelenses contradizem a posição internacional de apoio à Síria, o que ameaça provocar novas crises e conflitos em nossa região", disse Al Sharaa. Ativista dos direitos humanos e preso político torturado pelo regime de Al-Assad, Omar Alshogre disse ao Correio que o discurso de Sharaa foi "direto, realista e focado no futuro da Síria". "A promessa de responsabilizar qualquer pessoa envolvida em derramamento de sangue enviou uma mensagem forte aos sírios, dando-lhes esperança e justiça. A ênfase de que as armas devem estar apenas nas mãos do Estado foi um passo importante para a construção de um país baseado na lei e em instituições fortes", concluiu Alshogre.
Líder do Irã defende programa nuclear
O presidente do Irã, Masud Pezeshkian, reiterou que o programa nuclear conduzido por seu país não tem fins armamentistas. Pezeshkian fez a declaração em meio às negociações entre Teerã e França, Reino Unido e Alemanha para alcançar um acordo sobre um programa nuclear e evitar o restabelecimento das sanções da ONU à meia-noite de sábado. "Por meio deste, declaro mais uma vez, perante esta assembleia. que o Irã nunca buscou ou buscará fabricar uma bomba nuclear", afirmou o iraniano na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York.
Webstories
Diversão e Arte
Esportes