
Na antevéspera do segundo aniversário do massacre de 7 de outubro de 2023, o movimento islâmico palestino Hamas exigiu, neste domingo (5/10), a libertação de lideranças-chave e de militantes envolvidos na matança, além da retirada das Forças de Defesa de Israel (IDF) de áreas populosas de Gaza e a rápida entrega dos reféns. O presidente dos EUA, Donald Trump, ameaçou que o Hamas enfrentará a "completa obliteração", caso agarre-se ao poder. O negociador-chefe da facção, Khalil Al-Hayya, desembarcou no Egito para dialogar, indiretamente, com o governo israelense, depois de aceitar a libertação de todos os 48 reféns.
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Os civis que viram a morte bater à porta de suas casas ou que perderam familiares no atentado — sem precedentes na história do país — são obrigados a conviver com as memórias daquele sábado de horror. Pelo menos 6 mil terroristas, incluindo 3.800 integrantes da Nukhba, a força de elite do Hamas, romperam 119 pontos da fronteira com o sul de Israel e invadiram o território por terra, mar e ar. Fortemente armados, abordaram as vítimas em casa ou na rodovia, fuzilaram e queimaram 1.195 pessoas. Também sequestraram 251 — 48 deles ainda estão em Gaza.
Nascido nos EUA, Yossi Landau, 57 anos, mudou-se para Israel em 1989, onde assumiu o comando das operações na região sul da unidade de resgate Zaka, formada por voluntários. Ele relatou ao Correio que, por volta das 6h30 de 7 de outubro de 2023, estava em casa com os 10 filhos e 29 netos celebrando o shabbat, dia sagrado para os judeus, na cidade de Ashdod (sul). "Os alarmes tocaram, e vimos vários foguetes sobre nossas cabeças. Naquele dia, foram cerca de 40. Percebi que havia algo diferente acontecendo", disse. "Vesti o uniforme, procurei saber onde dois artefatos tinham caído na cidade e descobri que, graças a Deus, não deixaram feridos. Voltei para casa e encontrei minha família no quarto seguro. O rádio e o celular não paravam de receber ligações da polícia e das Forças de Defesa de Israel (IDF). Às 9h30, o chefe da polícia do sul de Israel pediu-me que dirigisse até Sderot, onde o encontraria."
Acompanhado de dois voluntários do Zaka, Landau deparou-se com um tiroteio na estrada. "Nosso carro foi atingido. Naquele incidente, nove policiais e terroristas do Hamas morreram. Durante o trajeto até Sderot, vi um campo de batalha. Pessoas assassinadas e jogadas no chão. Coloquei 19 feridos em meu carro e consegui salvá-los, após levá-los a um hospital de campanha, na entrada de Sderot", lembrou Landau.
A decisão seguinte foi resgatar 50 corpos espalhados pela cidade. "Eu me aproximei de um carro. Um casal estava morto, dentro do veículo. No momento em que eu verificava a pulsação deles, ouvi um bebê chorar, no banco de trás. A pequenina menina me perguntou, em hebraico, se eu era 'amigo'. Fiquei chocado. Foi o pior que eu podia esperar. Ela me pediu por um sinal para provar que eu era amigo. Dei a ela uma palavra em hebraico. A criança saiu do carro, e cobri os olhos dela para que não visse os pais mortos", disse o comandante do Zaka. "À noite, quando terminamos Sderot, encontramos 152 pessoas mortas na Rodovia 232. Levamos sete horas para percorrer a estrada, em um caminho que levaria 20 minutos. Parávamos para recolher os corpos, muitos deles dentro de carros em chamas. Pessoas foram queimadas vivas."
Então, Landau seguiu até o Nova Festival, uma rave no kibbutz de Re'im, a 5km da fronteira com Gaza. "Coletamos mais de 237 cadáveres em quatro horas e meia. Então, alcançamos os kibbutzim; o primeiro deles, Be'eri, na manhã de domingo. O que vimos foi o pior do pior", desabafou. "Ao entrarmos nas casas, vimos famílias inteiras executadas, com sinais de tortura. Havia pedaços de corpos faltando. Pais viram os filhos serem assassinados, e vice-versa."
Quarto seguro
Dorin Rai vivia em Nir Oz com o marido, Bijay, e os três filhos — duas meninas, de 13 e de 11 anos, e um menino, de 9. Às 6h30 daquele dia, despertaram com explosões e alarmes. "As crianças choravam. Sentimos que algo grande estava acontecendo, parecia que tínhamos sido colocados no meio de uma guerra. Quando saí de casa e fui à varanda para buscar nossos dois cães, pensei ter escutado tiros. Os terroristas invadiram o nosso lar, aos gritos de Allahu Akbar ('Deus é maior'). Por quatro vezes, tentaram abrir a porta do quarto seguro, mas Bijay conseguiu empurrá-los e trancou-nos lá dentro, salvando nossas vidas", contou ao Correio. "Durante 12 horas, meu marido bloqueou a porta. Os terroristas destruíram e levaram tudo o que puderam: televisores, microondas, pratos, sapatos, joias e bicicletas." O filho caçula entrou em pânico e sofreu convulsões, durante a primeira invasão do Hamas.
Por várias vezes, ela pediu aos filhos que chorassem sem fazer barulho. "Eu rezava para que morrêssemos juntos. Às 18h, os soldados nos resgataram", comentou Dorin. "Meus filhos viram uma mulher com o rosto desfigurado, de tanto apanhar. Bijay ajudou a identificar os mortos, a pedido das autoridades."
Resiliência
Rita Lifshitz, 61, deixou Nir Oz às 20h30 de sexta-feira, 6 de outubro, dez horas antes da chegada do Hamas. Há duas décadas, costumava ensinar os idosos do kibbutz sobre como deveriam proceder no caso da presença de terroristas dentro da comunidade. "Ao fim daquele sábado, telefonei para um grande amigo de meu filho. Soube que ele e a irmã haviam morrido. Meu sogro, o avô de meu filho, não está mais aqui conosco. Não tenho mais com quem beber um copo de cerveja aos sábados, na casa dele", desabafou ao Correio. Oded Lifshitz, 83, foi executado depois de 503 dias no cativeiro, em Gaza. "Somos refugiados em Israel e tivemos que nos mudar de Nir Oz. Às sextas-feiras, eu cozinhava para o kibbutz. Não tenho feito isso há dois anos. Nós somos fortes e retornaremos a Nir Oz. Precisamos que todos os reféns voltem", disse.
Filho de Rita e neto de Oded, Daniel Lifshitz considera importante que os reféns sejam libertados em 72 horas, sem atrasos, dentro do plano de Trump. "Israel está pagando um preço alto ao libertar assassinos em massa e os piores terroristas", afirmou ao Correio. "É importante seguirmos adiante com as libertações, o quanto antes. Nir Oz começou a ser reconstruído, passo crucial para vencermos o trauma. Esperamos que os nove reféns retornem ao kibbutz até o próximo shabbat."
RELATO DE HERÓI
"Nas 16 semanas posteriores ao 7 de outubro de 2023, eu não pude fitar os olhos dos meus filhos e netos, abraçá-los ou beijá-los. Eu não pude nem sequer voltar para casa. Eu e meus colegas apenas pensávamos: 'Por que não morremos? Por que eles tiveram misericórdia de nós? Por que os outros? Eu me colocaria no lugar daquelas pessoas. Nós ainda lutamos para permanecermos no nosso normal."
Yossi Landau, comandante das operações na região sul da unidade de resgate Zaka
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