
Aos 58 anos, a venezuelana María Corina Machado, deputada cassada e líder da oposição ao regime de Nicolás Maduro, tornou-se a 20º mulher a ganhar o Prêmio Nobel da Paz e entrou para um seleto rol de 143 laureados desde 1914. "O Comitê Nobel Norueguês decidiu conceder o Prêmio Nobel da Paz de 2025 a Maria Corina Machado por seu trabalho incansável promovendo os direitos democráticos para o povo da Venezuela e por sua luta para alcançar uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia", afirmou a instituição. A Casa Branca desqualificou a escolha como "política".
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"Oh, meu Deus! Oh, meu Deus!", reagiu a venezuelana, escondida há mais de um ano em seu país, ao receber o telefonema de Christian Berg Harpviken, secretário do Comitê Nobel, às 10h55 pelo horário de Oslo (4h55 em Caracas). "Não tenho palavras. Muito obrigada, mas espero que entenda que isso é um movimento. É uma conquista de toda uma sociedade. Eu sou apenas uma pessoa. Certamente não mereço isso. Meu Deus", acrescentou a venezuelana, que, recentemente, tinha conquistado outros dois importantes prêmios, o Sakharov e o Václav Havel.
Após o anúncio oficial, María Corina publicou na rede X que "os venezuelanos recebem com imensa emoção e renovada esperança este reconhecimento". "O maior tributo ao legado de Alfred Nobel será assegurar a transição à democracia, conquistar a nossa liberdade e, dessa forma, alcançar a paz. A Venezuela será livre!", prometeu. "Estamos no limiar da vitória e hoje, mais do que nunca, contamos com o presidente (Donald) Trump (...) Dedico este prêmio ao sofrido povo da Venezuela e ao presidente Trump por seu apoio decisivo à nossa causa."
Professor de relações internacionais da ESPM, Gunther Rudzit explicou ao Correio que o Nobel deste ano é um sinal de apoio dos países europeus a um movimento democrático. "Não podemos nos esquecer de que vivemos uma recessão democrática, um aumento do populismo e dos movimentos de extrema-direita, do qual Trump faz parte. Ante a possibilidade de a extrema-direita chegar ao poder na França, o Nobel para María Corina é um gesto de apoio à democracia", disse.
Regiane Bressan — professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) — disse ver um impacto muito positivo do Nobel à oposição venezuelana. "Não significa que o regime de Maduro acabará, pois ele conta com a Rússia, e usará isso para se fortalecer. É fato que María Corina obteve recursos dos EUA para desempenhar uma atuação tão importante. Tanto que viajou por muitos países para angariar apoio", avaliou, por telefone. "Há uma polarização política muito gritante na Venezuela. Isso não significaria que ela esteja atuando pela paz."
Ressalvas
Bressan lembrou que, durante o governo de Hugo Chávez, a Venezuela superou a pobreza e a desigualdade mais do que os países da região. "Quando Chávez faleceu e Maduro assumiu, houve ruptura democrática, e a Venezuela entrou em um momento mais delicado. A pressão sobre Maduro aumentou, mas o Nobel não é suficiente para mudar muita coisa." Ela analisa o Nobel para María Corina "com muito cuidado". "Nos últimos anos, o Nobel foi dado a opositores. Isso faz com que ele acabe sendo carregado de valores ocidentais e liberais, que não necessariamente revelam a paz e a justiça no mundo."
Para Jose Vicente Carrasquero Aumaitre, professor de ciência política da Universidad Simón Bolívar (em Caracas), a outorga do Nobel a María Corina expõe o "caráter ilegítimo do regime de Maduro". "É um grande respaldo ao povo venezuelano, na pessoa de María Corina, que liderou todo esse processo de ganhar o poder por meio da via eleitoral", afirmou ao Correio. "Nosso país está sofrendo desgraças, cuja soberania foi sequestrada por um regime de terror que aprisiona, assassina e desaparece com pessoas."
Repercussão
Laureado com o Nobel da Paz em 2009, o ex-presidente democrata dos Estados Unidos Barack Obama parabenizou María Corina e destacou "sua valente luta para devolver a democracia à Venezuela". Para ele, a opositora venezuelana "deve inspirar aqueles que travam lutas semelhantes ao redor do mundo". Trump, que esperava ganhar a honraria, colocou em sua página na plataforma Truth Social a mensagem publicada pela venezuelana no X. A Casa Branca, no entanto, criticou a escolha. "O presidente Trump continuará alcançando acordos de paz, pondo fim a guerras e salvando vidas", escreveu o diretor de comunicação da Casa Branca, Steven Cheung. "O Comitê Nobel provou que coloca a política acima da paz."
PERSONAGEM DA NOTÍCIA
Símbolo de coragem e resiliência
Cérebro e coração da oposição, emoção e razão unidas, María Corina Machado, 58 anos, incorporou a mensagem de mudança na Venezuela, depois de 25 anos de governos chavistas. Simpatizantes e amigos enaltecem a "coerência" da opositora, que não se intimida com o assédio do regime de Nicolás Maduro e promete acabar com o socialismo da Revolução Bolivariana, abrindo caminho ao liberalismo no país. Mãe de três filhos e engenheira de formação, María Corina está há 23 anos na carreira política. O começo foi tímido: criou a organização Súmate, que coordenou um plebiscito para anular o mandato do então presidente Hugo Chávez. Entre 2011 e 2014, atuou como deputada da Assembleia Nacional da Venezuela, acabou destituída e teve os direitos políticos cassados.
O advogado, professor de cultura política e diplomata Orlando Viera-Blanco, ex-embaixador da Venezuela no Canadá, afirmou ao Correio que María Corina Machado "é uma representação da mulher venezuelana". "Uma mulher de uma linda, honrada e digna família de nosso país. Trata-se de uma mulher corajosa, decidida, determinada e bem formada em aspectos éticos, familiares e acadêmicos. Ela assumiu um papel histórico em um matriarcado que se chama Venezuela. Coloca a cabeça e a razão na política, mas também lhe dá um toque de coração e de amor a tantos venezuelanos mergulhados na escuridão, na desesperança, na miséria, na fome e na violência", disse.
Viera-Blanco vê a amiga de vários anos como "um toque de luz". "Ela concede uma esperança renovada ao povo. Enquanto pessoa, é encantadora: risonha, alegre, humana e, sobretudo, uma grande mãe." Ainda segundo ele, María Corina é uma "mulher de trabalho em equipe e intuitiva". A reportagem conversou com uma venezuelana que trabalhou por três anos com María Corina, depois da graduação em sociologia pela Universidad Católica Andrés Bello. "Muitas coisas me chamaram a atenção nela: o compromisso inquebrantável e a convicção com que ela assumia suas tarefas", disse, sob a condição de anonimato. "É uma pessoa absolutamente comprometida, genuína e muito venezuelana. Ela não tem duas faces, é exatamente como a vemos, além de ser de trato afável", acrescentou.
Algo que chamou a atenção da ex-funcionária foi o fato de que María Corina sempre fazia anotações ao conversar com pessoas. "Houve uma ocasião em que eu dirigia o carro dela em alta velocidade. Éramos quatro pessoas, incluindo ela. Pegamos um congestionamento. Ela tinha um compromisso e ficou muito angustiada e desesperada para chegar ao local da reunião. María Corina parou um motocicleta jovem e pediu-lhe carona. Ela desceu do carro e seguiu viagem sobre a moto. Quando María Corina diz que a luta seguirá até final, sei que ela está absolutamente comprometida com a libertação da Venezula." (RC)
Ao Correio, uma denúncia: "Querem silenciar minha voz"
Em 30 de março de 2014, pouco depois de ser cassada pela Assembleia Nacional, María Corina concedeu uma entrevista ao Correio, às vésperas de uma visita a Brasília. "Esse regime busca me silenciar, calar minha voz, dentro e fora da Venezuela. Inclusive, querem me meter numa prisão para transmitir um exemplo a todos os venezuelanos que são parte de um movimento social, cívico, pacífico e inédito", desabafou. "O senhor Maduro cruzou uma linha vermelha." Ao ser questionada sobre o que diria ao presidente venezuelano, caso tivesse a chance de se encontrar com ele, respondeu: "Eu diria que ele escute o povo venezuelano. Que caminhe por todo o país, para que se dê conta de que há uma Venezuela unida na dor, mas também na determinação em lutar pela democracia."
ENTREVISTA / Edmundo González Urrutía
"Ela é referência ética, cívica e política"
Menos de uma hora depois do anúncio do Comitê Nobel Norueguês, um vídeo em que o líder opositor venezuelano e diplomata Edmundo González Urrutia parabeniza María Corina Machado pelo prêmio. Com a voz trêmula, ela diz ao colega: "O que é isso? Não posso acreditar! Não sei como estou, estou em choque!". Mais tarde, em entrevista ao Correio, González, 76 anos, que se proclama presidente eleito da Venezuela, falou ao Correio sobre a conquista.
Como o senhor vê o impacto do Nobel da Paz para María Corina Machado?
O Nobel da Paz para María Corina é um reconhecimento moral da luta democrática travada pelo povo venezuelano. Ele demonstra que é possível resistir com coerência e com verdade.
Quais os efeitos práticos do prêmio, no contexto desta luta?
Na prática, o Nobel da Paz amplia o respaldo internacional a uma transição pacífica e devolve esperança aos venezuelanos. Sem dúvida, é uma proteção simbólica para aqueles que defendem a liberdade na Venezuela.
O que representa María Corina para o povo venezuelano?
María Corina se converteu em uma referência ética, cívica e política. Representa a coragem de dizer a verdade e manter-se firme na convicção da mudança.
Ela tornou-se, então, uma espécie de símbolo de transformação?
Sim, ela é símbolo de integridade e de esperança para milhões de venezuelanos que acreditam em uma transformação pacífica e democrática.
Que mensagem o Comitê Nobel envia para Nicolás Maduro?
O Comitê disse, claramente, que a verdadeira paz somente nasce da democracia e do respeito aos direitos humanos. (RC)
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