Depois de garantir ter consultado lideranças de outras facções, e feito contatos com mediadores, o movimento islâmico palestino Hamas acenou com a libertação de todos os reféns israelenses, como parte do plano de paz de Donald Trump. No entanto, demonstrou resistência em relação a pontos da proposta e fez ressalvas à "imprecisão" do texto. O anúncio do Hamas foi feito poucas horas depois de o presidente dos EUA dar um prazo final — até às 19h deste domingo (pelo horário de Brasília) — para que o Hamas aceitasse a proposta. "O movimento anuncia sua aprovação para libertar todos os prisioneiros da ocupação — vivos e restos mortais —, de acordo com a fórmula de troca contida na proposta do presidente Trump, com a garantia das condições de campo necessárias para a execução da operação", afirmou o Hamas, em nota enviada à reportagem, por meio do WhatsApp.
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Consultados pelo Correio, moradores de Nir Oz, kibbutz com maior número de mortos (64) e sequestrados (74) durante o massacre de 7 de outubro de 2003, reagiram com ceticismo e com cautela ao anúncio do Hamas. Em publicação na sua plataforma Truth Social, Trump mostrou otimismo e exigiu que Israel pare de bombardear a Faixa de Gaza. "Com base na declaração que o Hamas acaba de emitir, acredito que estão prontos para uma paz duradoura. Israel deve interromper de imediato o bombardeio de Gaza para que possamos libertar os reféns de forma segura e rápida!", escreveu. "Neste momento, é muito perigoso fazê-lo. Já estamos negociando os detalhes que faltam. Não se trata apenas de Gaza, trata-se da tão aguardada paz no Oriente Médio."
O Hamas destacou que tomou a decisão com base na responsabilidade nacional. Também reafirmou a disposição em iniciar imediatamente, por meio dos mediadores, negociações para discutir os detalhes da libertação. Além do aceno em soltar os reféns, anunciou que aceita "transferir a administração da Faixa de Gaza para um órgão palestino formado por independentes (tecnocratas), com base no consenso nacional palestino e apoiado pelo respaldo árabe e islâmico".
No entanto, indicou resistência a pontos do plano, principalmente a respeito do futuro de Gaza e dos direitos legítimos e inalienáveis do povo palestino. O comunicado adverte que tais pontos "estão vinculados a uma posição nacional unificada, (...) devendo ser discutidos em um marco nacional palestino coletivo, do qual o Hamas fará parte e contribuirá com plena responsabilidade". A proposta da Casa Branca alija a facção de qualquer influência ou poder.
Horas antes do anúncio, Trump tinha determinado um prazo para que o Hamas respondesse se aceitaria ou não o plano de paz. "Se este acordo final não for alcançado, um inferno total, como ninguém jamais viu, rebentará contra o Hamas. Haverá paz no Oriente Médio, de um jeito ou de outro", escreveu em sua plataforma Truth Social.
Esperança
Irit Lahav, ex-porta-voz do kibbutz de Nir Oz, se disse "verdadeiramente esperançosa" de que o Hamas seja "sincero". "Mas, duvido disso. Famílias de 48 reféns esperam dia e noite, há dois anos, para terem seus entes queridos libertados. Muitas pessoas sofrem, de ambos lados, desde que o Hamas brutalmente nos atacou, em 7 de outubro de 2023. Muitos soldados e civis estão aguardando o retorno para casa", desabafou, por meio do WhatsApp.
Dorin Rai; o marido, Bijai; e os três filhos sobreviveram ao massacre trancados em um quarto seguro, em Nir Oz. "Em outras ocasiões, o Hamas descartou se livrar das armas e do poder. Vi as notícias, agora, e espero que aceite o acordo. Espero, realmente, que seja verdade e que os reféns voltem para casa. Mas eu tenho medo de colocar esperança nisso. Esperamos tantas vezes e nada aconteceu", disse Dorin. "Até que eles soltem os reféns, não acreditarei nisso." Dos 48 reféns em poder do Hamas, nove são amigos de Dorin e de Bijai.
Deportação de ativistas da Flotilha Global Sumud
As autoridades israelenses começaram o processo de deportação dos mais de 400 tripulantes dos 41 barcos da Flotilha Global Sumud ("resiliência", em árabe). As embarcações partiram de Barcelona, em setembro, com ativistas como a sueca Greta Thunberg e o brasiliense Thiago Ávila, e tinham o propósito de romper o bloqueio à Faixa de Gaza e levar medicamentos e alimentos ao enclave palestino. Na quarta-feira, a Marinha israelense interceptou as embarcações que se aproximavam de Gaza. Ontem, os militares detiveram a "Marinette", o último barco que permanecia no mar. "Mais de 470 participantes da flotilha foram detidos pela polícia militar, submetidos a inspeções rigorosas, e transferidos para a administração penitenciária", informou a polícia.
"Quatro cidadãos italianos tinham sido deportados. O restante está em vias de ser deportado. Israel quer terminar o procedimento o quanto antes", afirmou o Ministério das Relações Exteriores de Israel em postagem no X. A interceptação da flotilha desencadeou manifestações em Brasília, Buenos Aires, Paris, Roma, Túnis e Berlim. Na Itália, cujo governo tinha criticado os integrantes da flotilha, os sindicatos realizaram, ontem, uma greve geral que provocou cancelamentos e atrasos na rede ferroviária.
Dirigentes israelenses qualificaram alguns dos ativistas de antissemitas e aplaudiram a interceptação dos navios. "Sua ação importante evitou que dezenas de barcos entrassem em uma zona de guerra e rechaçou uma campanha de deslegitimação contra Israel", declarou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
