
Horas antes de uma reunião de emergência entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o Conselho de Segurança Nacional, na noite desta segunda-feira (1º/12), a Casa Branca precisou se esquivar das acusações feitas por congressistas republicanos e democratas sobre a legalidade de um segundo bombardeio a uma lancha supostamente usada por narcotraficantes na Venezuela. Alguns legisladores chegaram a acusar Trump por crimes de guerra. Em 2 de setembro, no início da campanha militar dos Estados Unidos no Mar do Sul do Caribe, dois sobreviventes do primeiro ataque morreram em um novo "disparo de acompanhamento". Naquela ocasião, o presidente anunciou que 11 "narcoterroristas" tinham sido eliminados em "um ataque".
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A porta-voz da Presidência dos EUA atribuiu o segundo bombardeio às ordens dadas pelo almirante Frank Bradley — chefe do Comando de Operações Especiais dos Estados Unidos. Segundo Karoline Leavitt, Bradley "agiu dentro de sua autoridade e de acordo com a lei, ao dirigir o ataque para garantir que o barco fosse destruído e a ameaça aos EUA eliminada", declarou. No entanto, ela rejeitou formular o tipo de ameaça representada. Leavitt esclareceu que o secretário de Guerra, Pete Hegseth, autorizou a ofensiva.
A informação vai de encontro a uma notícia divulgada, na semana passada, pelo jornal The Washington Post, segundo o qual Hegseth deu a ordem para que todos a bordo das lanchas fossem mortos. O líder da minoria democrata no Senado, Chuck Schumer, convocou Hegseth para depor no Congresso sobre o incidente e classificou o chefe do Pentágono de "tão leviano, tão infantil e tão obviamente inseguro".
Schumer exigiu que as gravações alusivas ao duplo bombardeio tornem-se públicas e criticou o presidente republicano. "Trump parece estar planejando uma guerra totalmente secreta, sem autorização do Congresso, sem transparência, sem qualquer explicação sobre quais são seus objetivos." O deputado republicano Mike Turner, ex-diretor do Comitê de Inteligência, admitiu à tevê CBS que, "caso isso tenha ocorrido, seria algo muito sério, um ato ilegal".
Em recente conversa telefônica, Trump teria dado um ultimato ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, revelou o jornal britânico The Guardian. Segundo a reportagem, o venezuelano rejeitou a oferta e exigiu uma "anistia global" que contemple ele e aliados.
Professor visitante da Faculdade de Assuntos Pùblicos e Internacionais da Universidade de Princeton e ex-diretor executivo da organização não governamental Human Rights Watch (HRW), Kenneth Roth afirmou ao Correio que o combate ao tráfico é uma atribuição das forças da lei, regidas por regras rígidas. "A força letal somente pode ser empregada como último recurso para impedir uma ameaça iminente de morte ou lesão corporal grave. Ninguém alega que homens não identificados nos barcos representem tal ameaça."
Roth crê que Trump tenta contornar essa regra, declarar um "conflito armado", em que as diferentes normas permitem que combatentes opostos sejam baleados e mortos. "Não existe um conflito armado; nenhuma força armada organizada está atirandop contra outra", observou. "Ironicamente, enquanto busca um 'conflito' para impedir o tráfico de drogas da Venezuela, Trump ameaça perdoar o ex-presidente hondurenho Juan Orlando Hernández. Por trás dessa hipocrisia está ou a crença de que apenas o tráfico de drogas por governos de esquerda é ruim, ou uma aversão à perseguição judicial de um ex-presidente de direita."
Terrorismo psicológico
Maduro classificou de "terrorismo psicológico" as 22 semanas de "agressão" por parte dos EUA. "São 22 semanas em que nos testaram. O povo da Venezuela foi colocado à prova por seu amor pela Pátria", disse, ao citar o alistamento de 6,2 milhões de milicianos — número contestado por especialistas. No domingo, a pressão sobre o regime envolverá protestos em 24 países, exceto na Venezuela, com homenagens à líder opositora María Corina Machado, quatro dias antes de receber o Nobel da Paz. Na América Latina, haverá atos em Brasília, Medellín e Bogotá (Colômbia), Buenos Aires e Córdoba (Argentina), Assunção (Paraguai), Lima e Arequipa (Peru), La Paz e Sucre (Bolívia), Montevidéu (Uruguai) e Quito (Equador).
DUAS PERGUNTAS PARA...
KENNETH ROTH, professor visitante da Faculdade de Assuntos Públicos e Internacionais da Universidade de Princeton e ex-diretor executivo da organização não governamental Human Rights Watch (HRW)
Como o senhor vê a alegação do governo Trump de que os ataques no Mar do Sul do Caribe são de autodefesa?
A justificativa de "autodefesa" é tão fictícia quanto o "conflito armado", que só Trump parece enxergar. Mesmo que as pessoas sumariamente executadas sejam traficantes de drogas, elas estão simplesmente envolvidas em um negócio ilícito. Elas não estão atirando ou atacando os Estados Unidos. Como foi dito, os esforços para combater o tráfico de drogas, mesmo considerando o perigo do uso de algumas drogas, justificam ações policiais, não uma "guerra" fabricada de "autodefesa".
O senhor acredita em uma invasão dos EUA à Venezuela?
Embora Trump esteja agindo como se pudesse invadir a Venezuela para derrubar o regime de Maduro, suspeito que isso seja, em grande parte, conversa fiada. Para começar, tal invasão seria flagrantemente ilegal. O Conselho de Segurança da ONU não a autorizou. A Venezuela não atacou os Estados Unidos (isso seria suicídio), portanto, não há justificativa de autodefesa. E, dadas as apostas e os riscos envolvidos, o argumento para uma intervenção humanitária só funciona quando necessária para impedir um genocídio em curso ou iminente, ou um massacre em massa comparável. Apesar da má gestão cleptocrática e repressiva de Maduro no país e dos milhões de refugiados que ele gerou, ele não está envolvido no tipo de assassinato em larga escala que justificaria uma intervenção humanitária. (RC)

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