Estados Unidos

Retórica belicista de Donald Trump eleva tensão na América Latina

Presidente da Colômbia responde a ameaças do líder norte-americano e afirmou que atacar a soberania do país equivale a declarar guerra. Analistas avaliam risco de conflito. Família de pescador colombiano morto em bombardeio denuncia os EUA

Trump, em reunião na terça-feira:
Trump, em reunião na terça-feira: "Qualquer um que venda (drogas) em nosso país está suscetível a ser atacado" - (crédito: Andrew Caballero-Reynolds/AFP)

Depois de anunciar que os Estados Unidos iniciarão "muito em breve" uma ofensiva terrestre na Venezuela, Donald Trump também ameaçou atacar qualquer país que enviar drogas ao território americano. A resposta do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, não abandonou o tom belicoso. "Venha, senhor Trump, à Colômbia. Eu o convido a participar da destruição de nove laboratórios, diariamente, para que a cocaína não chegue aos Estados Unidos. Sem mísseis, meu governo destruiu 18.400 laboratórios. (...) Mas não ameace a nossa soberania, pois acordará o jaguar. Atacar nossa soberania é declarar guerra, não prejudique dois séculos de relações diplomáticas", avisou Petro, em publicação nas redes sociais.

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À troca de farpas somou-se a imposição de sanções, por parte de Washington, a venezuelanos acusados de ligações com o cartel Tren de Aragua, incluindo a cantora e DJ Jimena Romina Araya Navarro, conhecida como "Rosita", acusada de fornecer apoio material à organização criminosa.

O governo Trump tem se engajado em uma campanha de ataques aéreos a lanchas supostamente utilizadas pelo narcotráfico venezuelano para escoar a droga até os EUA. A família de um pescador colombiano morto em 15 de setembro negou que ele transportasse entorpecentes e apresentou uma denúncia contra os Estados Unidos na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). 

O historiador venezuelano Miguel Tinker Salas — cientista político do Pomona College (em Claremont, Califórnia) — não descarta ações militares dos EUA na Venezuela e em outras nações latino-americanas. "A ampliação da retórica belicista de Trump, com ameaças de ataques à Colômbia e ao México, revela que o verdadeiro objetivo é o de "restabelecer a hegemonia norte-americana na América Latina". "Como carece de influência política ou econômica, Trump usa a força militar", disse ao Correio. "A Venezuela poderá ser o primeiro alvo dos ataques de Trump, mas não será o único."

Gustavo Petro: "Não prejudique dois séculos de relações diplomáticas"
Gustavo Petro: "Não prejudique dois séculos de relações diplomáticas" (foto: AFP)

Pós-doutor em história e sociologia e especialista do Centro Transregional para Estudos Democráticos, Emmanuel Guerisoli afirmou ao Correio que não tenderia a levar a sério a ameaça contra a Colômbia. No entanto, ele lembrou que, no primeiro mandato, o republicano cogitou atacar laboratórios de cartéis no México e até mesmo enviar forças especiais, mas acabou dissuadido pelos militares dos EUA. "Durante o segundo mandato, Trump vem expurgando todas as instituições e agências de funcionários públicos considerados desleais ou contrários a cumprir ordens. Isso também ocorreu nas Forças Armadas, forçando muitos generais a se aposentarem. Não sabemos se algum oficial militar de alta patente se oporia a cumprir ordens para atacar cartéis", admitiu. "Cartéis e grupos guerrilheiros colombianos foram designados como Organizações Terroristas Estrangeiras (OTF, pela sigla em inglês) pelo Departamento de Estado, o que tornaria um ataque legal."

Guerisoli assegura que qualquer ação militar americana na Colômbia, na Venezuela ou no México seria ineficiente. De acordo com ele, o narcotráfico global depende da imensa cadeia logística de suprimentos, infraestrutura e finanças. "Explodir laboratórios não deterá o fluxo de drogas para os EUA. As drogas não representam um problema de segurança, mas sim de saúde pública. Dito isso, a criminalização do narcotráfico deveria ser de responsabilidade da polícia e do sistema judiciário militar." O estudioso alerta que ataques dos EUA agravariam a situação. "Os cartéis poderiam recorrer a atos terroristas contra alvos americanos nos EUA ou no exterior, ou sequestrar turistas americanos em retaliação. Não vale a pena."

Denúncia

Familiares de Alejandro Carranza, o colombiano morto em um bombardeio americano, contaram à agência  France-Presse (AFP) que ele saiu da cidade costeira de Santa Marta com o intuito de pescar em mar aberto e, dias depois, foi encontrado sem vida. "Sabemos que Pete Hegseth, secretário da Defesa dos Estados Unidos, foi o responsável por ordenar o bombardeio de embarcações como a de Alejandro Carranza Medina e o assassinato de todas as pessoas que estavam nelas", assinala a primeira denúncia formal sobre estas mortes apresentada a um organismo internacional, à qual a AFP teve acesso. "O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ratificou a conduta do secretário." O presidente Pedro anunciou que prestará auxílio à família de Carranza e classificou o incidente como uma "execução extrajudicial". 

PALAVRA DE ESPECIALISTA

Emmanuel Guerisoli, especialista do Centro Transregional para Estudos Democráticos (em Nova York)
Emmanuel Guerisoli, especialista do Centro Transregional para Estudos Democráticos (em Nova York) (foto: Arquivo pessoal )

"Um perigo real"

"A retórica belicista de Trump segue três princípios: reinstaurar uma nova política externa de 'grande porrete' (como a do início do século 20, adotada por Teddy Roosevelt), usando a força contra países latino-americanos que representam uma ameaça (percebida) à segurança dos EUA devido a regimes hostis ou à incapacidade de conter o que Trump considera duas forças desestabilizadoras — migrantes e organizações criminosas transnacionais. 

Nesse sentido, Trump recalibra a doutrina de segurança dos EUA para priorizar a securitização do Hemisfério Ocidental, a fim de proteger as fronteiras americanas. Este é o segundo princípio. Por fim, reivindicar uma esfera de influência exclusiva na região, sem a presença de qualquer rival regional ou externo em potencial (como a Rússia ou a China). O perigo (e é um perigo real) é que estejamos testemunhando a realocação das táticas americanas usadas na guerra contra o terror, do Oriente Médio para a América Latina. Assim, Trump poderia usar ataques com drones na Colômbia e no México para atingir cartéis."

Emmanuel Guerisoli, especialista do Centro Transregional para Estudos Democráticos (em Nova York)

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    Emmanuel Guerisoli, especialista do Centro Transregional para Estudos Democráticos (em Nova York) Foto: Arquivo pessoal
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    Gustavo Petro: "Não prejudique dois séculos de relações diplomáticas" Foto: AFP
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postado em 04/12/2025 05:50
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