
Depois de anunciar que os Estados Unidos iniciarão "muito em breve" uma ofensiva terrestre na Venezuela, Donald Trump também ameaçou atacar qualquer país que enviar drogas ao território americano. A resposta do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, não abandonou o tom belicoso. "Venha, senhor Trump, à Colômbia. Eu o convido a participar da destruição de nove laboratórios, diariamente, para que a cocaína não chegue aos Estados Unidos. Sem mísseis, meu governo destruiu 18.400 laboratórios. (...) Mas não ameace a nossa soberania, pois acordará o jaguar. Atacar nossa soberania é declarar guerra, não prejudique dois séculos de relações diplomáticas", avisou Petro, em publicação nas redes sociais.
- Como indulto de Trump a ex-presidente de Honduras mostra 'incoerência' de sua guerra ao narcotráfico na América Latina
- Governo Trump paralisa processos de residência e cidadania para imigrantes de Cuba, Venezuela e outros 17 países
- Venezuela: Trump amplia ameaça a outros países ligados ao narcotráfico
À troca de farpas somou-se a imposição de sanções, por parte de Washington, a venezuelanos acusados de ligações com o cartel Tren de Aragua, incluindo a cantora e DJ Jimena Romina Araya Navarro, conhecida como "Rosita", acusada de fornecer apoio material à organização criminosa.
O governo Trump tem se engajado em uma campanha de ataques aéreos a lanchas supostamente utilizadas pelo narcotráfico venezuelano para escoar a droga até os EUA. A família de um pescador colombiano morto em 15 de setembro negou que ele transportasse entorpecentes e apresentou uma denúncia contra os Estados Unidos na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
O historiador venezuelano Miguel Tinker Salas — cientista político do Pomona College (em Claremont, Califórnia) — não descarta ações militares dos EUA na Venezuela e em outras nações latino-americanas. "A ampliação da retórica belicista de Trump, com ameaças de ataques à Colômbia e ao México, revela que o verdadeiro objetivo é o de "restabelecer a hegemonia norte-americana na América Latina". "Como carece de influência política ou econômica, Trump usa a força militar", disse ao Correio. "A Venezuela poderá ser o primeiro alvo dos ataques de Trump, mas não será o único."
Pós-doutor em história e sociologia e especialista do Centro Transregional para Estudos Democráticos, Emmanuel Guerisoli afirmou ao Correio que não tenderia a levar a sério a ameaça contra a Colômbia. No entanto, ele lembrou que, no primeiro mandato, o republicano cogitou atacar laboratórios de cartéis no México e até mesmo enviar forças especiais, mas acabou dissuadido pelos militares dos EUA. "Durante o segundo mandato, Trump vem expurgando todas as instituições e agências de funcionários públicos considerados desleais ou contrários a cumprir ordens. Isso também ocorreu nas Forças Armadas, forçando muitos generais a se aposentarem. Não sabemos se algum oficial militar de alta patente se oporia a cumprir ordens para atacar cartéis", admitiu. "Cartéis e grupos guerrilheiros colombianos foram designados como Organizações Terroristas Estrangeiras (OTF, pela sigla em inglês) pelo Departamento de Estado, o que tornaria um ataque legal."
Guerisoli assegura que qualquer ação militar americana na Colômbia, na Venezuela ou no México seria ineficiente. De acordo com ele, o narcotráfico global depende da imensa cadeia logística de suprimentos, infraestrutura e finanças. "Explodir laboratórios não deterá o fluxo de drogas para os EUA. As drogas não representam um problema de segurança, mas sim de saúde pública. Dito isso, a criminalização do narcotráfico deveria ser de responsabilidade da polícia e do sistema judiciário militar." O estudioso alerta que ataques dos EUA agravariam a situação. "Os cartéis poderiam recorrer a atos terroristas contra alvos americanos nos EUA ou no exterior, ou sequestrar turistas americanos em retaliação. Não vale a pena."
Denúncia
Familiares de Alejandro Carranza, o colombiano morto em um bombardeio americano, contaram à agência France-Presse (AFP) que ele saiu da cidade costeira de Santa Marta com o intuito de pescar em mar aberto e, dias depois, foi encontrado sem vida. "Sabemos que Pete Hegseth, secretário da Defesa dos Estados Unidos, foi o responsável por ordenar o bombardeio de embarcações como a de Alejandro Carranza Medina e o assassinato de todas as pessoas que estavam nelas", assinala a primeira denúncia formal sobre estas mortes apresentada a um organismo internacional, à qual a AFP teve acesso. "O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ratificou a conduta do secretário." O presidente Pedro anunciou que prestará auxílio à família de Carranza e classificou o incidente como uma "execução extrajudicial".
PALAVRA DE ESPECIALISTA
"Um perigo real"
"A retórica belicista de Trump segue três princípios: reinstaurar uma nova política externa de 'grande porrete' (como a do início do século 20, adotada por Teddy Roosevelt), usando a força contra países latino-americanos que representam uma ameaça (percebida) à segurança dos EUA devido a regimes hostis ou à incapacidade de conter o que Trump considera duas forças desestabilizadoras — migrantes e organizações criminosas transnacionais.
Nesse sentido, Trump recalibra a doutrina de segurança dos EUA para priorizar a securitização do Hemisfério Ocidental, a fim de proteger as fronteiras americanas. Este é o segundo princípio. Por fim, reivindicar uma esfera de influência exclusiva na região, sem a presença de qualquer rival regional ou externo em potencial (como a Rússia ou a China). O perigo (e é um perigo real) é que estejamos testemunhando a realocação das táticas americanas usadas na guerra contra o terror, do Oriente Médio para a América Latina. Assim, Trump poderia usar ataques com drones na Colômbia e no México para atingir cartéis."
Emmanuel Guerisoli, especialista do Centro Transregional para Estudos Democráticos (em Nova York)

Política
Brasil
Cidades DF