Alemanha

Alemanha vive alerta político entre o ódio e o nacionalismo

Correntes neonazistas e extremistas de direita ganham força na sociedade e na política alemã, ameaçando o pluralismo e a democracia. Com agenda xenofóbica e anti-imigração, o ultraconservador AfD tornou-se o segundo maior partido do país

Adolf Hitler disparou contra a própria cabeça em 30 de abril de 1945, dentro do bunker, quando estava prestes a ser capturado pelo Exército Vermelho, da União Soviética. Oito décadas depois da morte de seu líder, a ideologia do Führer — na forma do neonazismo — segue viva na Alemanha e inspirou outras correntes, com visões ultranacionalistas e xenofóbicas, que ganharam espaço na política. Sob os slogans "Alemanha, mas normal"; "Nosso país primeiro"; e "Remigração, em vez de imigração em massa", o partido Alternative für Deutschland (Alternativa para a Alemanha) tem conquistado cada vez mais adeptos. Na esteira de seu crescimento, crimes de propaganda e atos de violência cometidos pela extrema direita ameaçam uma sociedade pluralista e multiétnica.

Tanjev Schultz, especialista em extrema direita da Johannes Gutenberg-Universitat Mainz (centro-oeste da Alemanha), lembrou que, no meio acadêmico e entre as agências governamentais, costuma-se fazer uma distinção entre neonazistas — que aderem claramente ao nacional-socialismo histórico em termos de ideologia e comportamento — e extremistas de direita. "Esse último grupo pode ser encontrado em várias organizações com orientações diversas, inclusive em partidos como o AfD. Os neonazistas podem ser compreendidos como um subgrupo de todos os extremistas de direita. Se considerarmos todas as pessoas da Alemanha que são integrantes de partidos da extrema direita (como o AfD ou legendas menores, como 'Die Helmat' ou 'Der III Weg') ou que estão envolvidas em estruturas não partidárias, estima-se um total potencial de 51.500 em todo o país", disse ao Correio

Segundo Schultz, o número de crimes de extremistas de direita, incluindo crimes de propaganda, subiu drasticamente. Por isso, ele vê o extremismo de direita como uma grave ameaça na Alemanha. Pessoas de cor negra ou pertencentes à comunidade LGBTQIAPN+ estão cada vez mais expostas à violência da direita. Em 2024, foram registrados quase 38 mil crimes cometidos pela extrema direita, a maioria deles de propaganda, incluindo 1.281 delitos violentos — dos quais 1.121 envolveram lesão corporal. "No ano passado, uma média de três crimes violentos foram cometidos por extremistas de direita todos os dias na Alemanha", advertiu. 

Professor titular da cátedra de Estudos do Holocausto e Genocídio na Universidade Brown (Rhode Island), Omer Bartov explicou ao Correio que o número de neonazistas tem aumentado na Alemanha. Em 2023, eram cerca de 40 mil — mais da metade da capacidade de público da Arena BRB, em Brasília. "Ainda que bastante marginal, essa estatística representa o crescimento de tendências de extrema direita que são muito prevalentes e se refletem na ascensão meteórica do AfD, o segundo maior partido da Alamenha", afirmou. "Isso é inédito desde o fim da década de 1920 e o início dos anos 1930, e motivo de preocupação. Partidos de extrema direita desse tipo também se expandiram em outros países europeus, como Itália, França, Holanda, Suécia e Espanha. A expectativa é de que cresçam em breve também no Reino Unido. Nos Estados Unidos, o movimento MAGA ('Torne a América Grande Novamente') pode servir como paralelo." 

Para Bartov, é um erro falar do AfD e de outros partidos populistas europeus como se fossem neonazistas, neofascistas ou fascistas. O especialista reconhece ligações históricas e ideológicas e acredita que o fenômento atual tem características distintas que necessitam ser reconhecidas. "Os novos partidos, como os da francesa Marine Le Pen e a italiana Giorgia Meloni, reformularam a própria imagem, em um esforço para se libertarem de suas raízes nazistas e fascistas e, assim, atraírem mais pessoas", disse o historiador israelense.

Bartov acrescentou que o AfD e outros partidos da extrema direita apelam ao orgulho e aos valores nacionais; e à oposição a estrangeiros e imigrantes, às elites políticas, econômicas e intelectuais. "Esses partidos vivem no isolamento, afastam-se de organizações internacionais e concentram-se em melhorar a situação dos italianos, dos alemãos e dos franceses 'de verdade'. São habilidosos com as mídias sociais e atraem os jovens, não tanto com uma mensagem de nacionalismo expansionista, mas com a reafirmação do orgulho étnico."

O estudioso da Johannes Gutenberg-Universitat Mainz admitiu que os extremistas de direita alteraram negativamente o clima político na Alemanha. "Nos últimos anos, conseguiram garantir que a migração seja discutida repetidamente de forma simplista e desumana. Também impediram que debates sérios ocorressem nas redes sociais e que muitas pessoas fossem intimidadas", disse Schultz.

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Eu acho...

"A ideologia do AfD encontra eco na Alemanha devido a setores da população que se opõem ao fluxo de migrantes, principalmente muçulmanos; à sensação, especialmente na Alemanha Oriental (antiga RDA), de que os alemães 'comuns' foram deixados para trás e que há menos oportunidades de emprego e carreira para os jovens; ao ressentimento em relação ao que é chamado de Schuldkult (culto da culpa) — que lembra repetidamente aos jovens sua responsabilidade histórica pelo Holocausto; e à sensação de que não podem se orgulhar de serem alemães e da cultura e história alemãs. A combinação do ressentimento socioeconômico e da vergonha de serem alemães, com a sensação de que os partidos tradicionais não cumpriram suas promessas, reflete-se na mudança do mapa eleitoral da Alemanha."

Omer Bartov, professor titular da cátedra de Estudos do Holocausto e Genocídio na Universidade Brown (Rhode Island)  

 "Felizmente, a ideologia neonazista declarada não desempanha papel significativo nos governos dos estados federados ou no governo federal. Mas os extremistas de direita atacam a mídia e outros partidos. O AfD tem assentos nos parlamentos estaduais e é a maior facção da oposição no Bundestag (Parlamento). Apesar de isso não lhe conferir poder executivo, lhe dá certa influência sobre os acontecimentos políticos. E outros partidos mudaram de posição em questões como a imigração, em parte devido a essa pressão. O AfD conta com vários integrantes particularmente radiciais que têm ligações com estruturas neonazistas. O partido poderá obter ganhos significativos em algumas eleições estaduais em 2026. Membros do partido conservador do chanceler Friedrich Merz (a CDU) estão cada vez mais dispostos a fazer coligações com o AfD."

Tanjev Schultz, especialista em extrema direita da Johannes Gutenberg-Universitat Mainz (Alemanha)