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Artigo: A lei de cotas para a representatividade de mulheres negras no serviço público

Segundo o Observatório da Presença Negra no Setor Público, em setembro de 2023 as pessoas negras correspondiam a 40,5% dos servidores públicos da administração pública federal

. -  (crédito:  Kleber Sales)
. - (crédito: Kleber Sales)
postado em 08/03/2024 06:00 / atualizado em 08/03/2024 06:00

Segundo o Censo 2022, a população negra compõe 55,5% da população brasileira. As mulheres negras são 28,1% do total da população, maior grupo populacional brasileiro. No entanto, no início de 2000, a estimativa da participação de servidores negros na administração pública federal era de 17%. Para reduzir as desigualdades raciais no serviço público federal, a então Ministra Luiza Bairros, secretária de Políticas de Promoção de Igualdade Racial, e a ex-presidenta Dilma Rousseff anunciaram, em 2013, projeto de lei para reservar vagas para a população negra nos concursos públicos. Assim, foi aprovada a Lei nº 12.990/2014, que garantiu a reserva de 20% das vagas, por 10 anos. O término da vigência da lei ocorrerá em 9 de junho próximo. É fundamental o debate público sobre a inclusão de pessoas negras, em especial de mulheres negras, na administração pública federal, qualificando a necessidade de renovação e atualização da Lei.

Segundo o Observatório da Presença Negra no Setor Público, em setembro de 2023 as pessoas negras correspondiam a 40,5% dos servidores públicos da administração pública federal, direta e indireta. A remuneração média de servidores públicos negros do Poder Executivo Federal é 21% menor que a de servidores brancos. No entanto, servidores negros possuem, em média, tempo de serviço 8% maior que seus colegas brancos. Ademais, as pessoas negras estão, proporcionalmente, concentradas nos cargos de menor remuneração e prestígio. Os dados também possibilitam a análise de acordo com o gênero, o que ressalta a subrepresentação das mulheres negras na administração pública federal. As mulheres negras são 38,7% das servidoras públicas federais, sendo que 47,8% delas ocupam cargos de nível médio e 31,4% cargos de nível superior.

A transparência e a publicidade dos dados desagregados por raça e gênero são cruciais para o monitoramento, a avaliação e o controle social quanto à implementação da Lei e à promoção da equidade racial. Possibilitam, ademais, identificar a existência de disparidades raciais entre cargos. O Relatório sobre a Implementação da Lei, publicado em 2021, aponta que, em que pesem os 365 certames públicos para mais de 240 cargos realizados entre a vigência da lei até o ano de 2019, não se atingiu os 20% de reserva de vagas. Nesse período, 15,4% das pessoas ingressantes no serviço público federal, com exceção do magistério superior, haviam optado pelo sistema de cotas. No magistério superior, esse percentual é de apenas 0,53%. O relatório concluiu que a implementação da lei se correlaciona a um aumento de 3% de pessoas negras no serviço público federal até o ano de 2019. Os dados apresentados não estão desagregados por gênero, o que pode ocultar percentuais ainda menos expressivos no ingresso de mulheres negras.

Diante do desafio do término da vigência da lei, o senador Paulo Paim propôs o Projeto de Lei n° 1.958/2021. Além da prorrogação de sua vigência, o PL propõe dispositivos para evitar o fracionamento das vagas, o que se traduz pelo baixíssimo percentual de pessoas negras ingressantes. Se busca aumentar a efetividade das cotas, já que também houve casos de fraude na autodeclaração racial. O senador Fabiano Contarato apresentou substitutivo à proposição original, propondo ampliar o percentual para 30%, a reserva de vagas para mulheres negras dentro desses 30%, a obrigatoriedade da heteroidentificação e a implementação de cotas para candidatos indígenas nos concursos da Funai. Tais dispositivos são importantes contribuições para se garantir a efetividade da lei, em especial para a participação de mulheres negras.

Também cabe destacar a mobilização da sociedade civil, protagonista na proposição das ações afirmativas e no monitoramento da política de equidade racial. Pessoas negras buscam o serviço público para dedicarem-se a carreiras que prestam serviços à sociedade. Porém, além da dificuldade de ingressar nos cargos com melhor remuneração, as mulheres negras enfrentam desafios no reconhecimento do seu trabalho cotidiano e no acesso a posições de liderança. Em face desses desafios, em 2023 foi criado o Coletivo de Mulheres Negras Servidoras e Empregadas Públicas do Governo Federal. No coletivo, realizamos ações de formação para mulheres negras para os concursos públicos federais, debatemos os desafios da nossa presença e atuação, e buscamos fortalecer uma rede para o nosso acesso e permanência na administração pública federal.

Na perspectiva do coletivo, o sistema de reserva de vagas é crucial para o enfrentamento às desigualdades estruturais que afetam a representatividade da burocracia estatal. Além das cotas, são necessárias ações afirmativas complementares. Uma política efetiva de promoção da equidade racial e de gênero requer mecanismos que garantam a equidade no ingresso, o enfrentamento ao racismo e ao sexismo institucionais, o reconhecimento e a valorização das pessoas negras do serviço público, a ocupação de pessoas negras em posições de liderança, entre outros.

Dalila Fernandes de Negreiros e Ana Julieta Teodoro Cleaver Integrantes do Coletivo de Mulheres Negras Servidoras e Empregadas Públicas do Governo Federal

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