
LUIS FERNANDO LIMA, produtor cultural e bacharel em história pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Ao longo da trajetória na vida, nós nos deparamos com muitos desafios. Ingressar numa universidade pública era um desses. Por muito tempo, relutei em encarar a dificuldade, pois sabia que não seria fácil, como não foi. A possibilidade era sempre deixada para trás na medida em que os anos passavam. Deixei o antigo ginásio e fui construir, por meio do trabalho, aquilo que era possível, uma vez que, para nós negros e da periferia, poucas possibilidades apareciam.
Encontrei na cultura e no carnaval um caminho, no qual fui me aperfeiçoando e construindo alternativas para ganhar a vida e me aprimorar. Integrante e responsável pela ala, divulgador, coordenador e por aí vai. Em dado momento, minha curiosidade levou-me para dentro de um barracão de alegorias, onde conheci pessoas que realizavam montagem e decoração dos carros alegóricos para o desfile. Uma dessas pessoas mostrou-me o caminho para construir o tema enredo. Como sempre gostei de leitura e me interessava por história, vi uma forma de unir as duas coisas.
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Dali para outros setores, foi um pulo. Quando pude fazer um curso para jurados de carnaval, logo me inscrevi e participei no que entendia ser minha prioridade: tema e alegorias. Saí com mais aprendizado. Fiz novas parcerias que me levaram a participar de uma associação de jurados, pela qual tive a oportunidade de viajar por várias cidades do Rio Grande do Sul, bem como para outros estados e até ao Uruguai e à Argentina. Participava de seminários, palestras e arriscava-me, vez ou outra, a rabiscar um tema enredo. Com isso, surgiram vários outros convites e uma certeza: a necessidade de estudar mais.
Assim, entre um trabalho e outro, passei por várias escolas de samba, ampliando conhecimentos e buscando me projetar entre aqueles que desenvolviam a arte de escrever e realizar trabalhos que pudessem me manter no meio dessa cultura tão esquecida em um estado que não a valoriza, preferindo investir muito mais na cultura alemã, italiana e tantas outras. Não à toa, somos considerados um dos estados mais racistas do país, pois a sociedade elitista e preconceituosa nos vê apenas como serviçais. Só que temos uma história, uma rica e preciosa diversidade, além de uma gama grande de personalidades negras de relevo.
Por vezes, deparei-me com o olhar desconfiado de pessoas que nos contratavam. Ouvia sussurros e cochichos pelos cantos, mas seguia em frente, preparado para o desafio. Quando fui convidado para uma palestra na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS), em 1992, pensei em não aceitar, pois sabia o que encontraria, mas fui e fiz o que me foi solicitado, uma vez que, na época, pertencia ao Movimento Negro e dominava a pauta proposta.
Fiz parte de um partido político, outra experiência difícil, pois as oportunidades eram poucas e ainda diziam que sem um diploma só conseguiria trabalhos menores. Passei um ano ouvindo a frase: "Não é por aí companheiro". Passado algum tempo, eu me envolvi com uma mulher batalhadora, mãe de duas meninas, que se formou em Saúde Coletiva pela UFRGS e trabalhava na área. Ela me incentivava a fazer o vestibular. Dizia que eu estava desperdiçando meu tempo e utilizando pouco minha inteligência. Decidi seguir seu conselho e foram quatro tentativas até ser aprovado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 2018, para o curso de bacharelado em história. Nem acreditei quando meu filho mais velho me deu a notícia.
Iniciei então a realização de um sonho, em março de 2019. Foram cinco anos e meio e durante esse tempo aconteceu de tudo um pouco, da aprovação no vestibular até a conclusão. Tivemos pandemia, semestre cancelado, semestre com aulas remotas, dois estágios obrigatórios, separação, experiência da covid, síndrome do pânico, ansiedade, depressão, temporadas em Florianópolis (SC) — Canasvieiras, Praia da Daniela — (recomeço) e superação. Mais semestres, TCC, perda de pessoas especiais, um semestre maluco com 14 disciplinas. E aí, cancelei duas, rodei em quatro; até disciplina errada fiz...
Vieram as inundações, semestre paralisado, incertezas... Semestre retomado e, finalmente, a colheita. Concluí o curso em 2024, aos 64 anos. Quando nos preparávamos para a formatura, a colação de grau no Salão de Atos teve de ser adiada. Naquele momento, quase desisti. Tava querendo fazer, por meio do gabinete, uma cerimônia simples, sem custo, uma vez que a questão financeira não ajudava. Mas a família se reuniu e disse que eu deveria ir à Colação de Grau no Salão de Atos, e assim foi. Um dia inesquecível. Daí porque digo, nunca desista dos seus sonhos! Agradeço a Deus por me permitir chegar até aqui. Se ele deixar, mais voos estão por vir.
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