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Mais deputados: representatividade ou privilégio disfarçado?

A elevada correlação intergeracional da pobreza é decorrente das instituições construídas no passado para manter o status quo dos privilegiados em nosso país, e a decisão do Congresso Nacional vai justamente nessa linha

Câmara dos Deputados -  (crédito: José Cruz/Agência Brasil)
Câmara dos Deputados - (crédito: José Cruz/Agência Brasil)

LUCIANO NAKABASHI, doutor em economia e professor associado da FAERP/USP

O presidente Lula vetou projeto de lei sobre o aumento do número de deputados de 513 para 531 a partir das eleições de 2026. No entanto, o Congresso Nacional poderá derrubar o veto. A Constituição de 1988 prevê que o número de deputados seja proporcional à população dos estados, desde que respeitados os números mínimo de oito e máximo de 70 deputados por estado. A última redistribuição de cadeiras por estado foi realizada em 1993, sendo que o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou nova redistribuição com base na população do Censo de 2022.

A solução mais coerente seria manter os 513 deputados, redistribuindo de forma a manter a proporcionalidade de acordo com a população das unidades da Federação. No entanto, a decisão do Congresso Nacional foi pelo aumento do número de deputados para que nenhum estado perdesse "cadeiras", jogando o custo do ajuste para a sociedade brasileira. Nossos deputados e senadores fornecem, dessa forma, mais uma evidência de que estão mais preocupados com os próprios interesses em detrimento da população brasileira que paga pelos seus salários e benefícios.

Não há nenhuma evidência de que o número de deputados traria algum benefício para nossa sociedade, enquanto os custos de tal medida são visíveis. Além de cada deputado e senador custar muito caro para os cofres públicos, há uma grande injustiça em manter essa casta de privilegiados enquanto a grande massa da população brasileira passa dificuldades para conseguir o mínimo necessário para uma sobrevivência digna. Muitas necessidades básicas não são satisfeitas, afetando o futuro de nossas crianças e, dessa forma, do nosso país.

O Brasil foi construído com base em trabalho escravo com poucas pessoas tendo grande poder político e econômico. Essa parcela sempre teve muitos privilégios, sendo que as instituições de nosso país foram construídas de forma a manter os privilégios para os ricos e poderosos, excluindo a maior parte da população dos benefícios econômicos e sociais. A parcela de pessoas pobres é muito grande, sendo que existe uma elevada correlação entre pobreza e cor da pele, o que é uma herança, em grande medida, de nosso passado colonial e escravista  

A elevada correlação intergeracional da pobreza é decorrente das instituições construídas no passado para manter o status quo dos privilegiados em nosso país, e a decisão do Congresso Nacional vai justamente nessa linha. Precisamos discutir medidas para redução dos privilégios de deputados, senadores e outras classes que se beneficiam das regras estabelecidas ao longo do tempo, e não criar propostas que os elevem ainda mais. 

Enquanto mantivermos um país com uma casta de privilegiados sem focar na necessidade da grande parcela da população, estaremos perdendo nosso talentos como já feito de forma histórica. Algumas medidas importantes foram adotadas ao longo da nossa história para reduzir a força desse ciclo, como a universalização do ensino básico e programas de transferência de renda como o Bolsa Família. No entanto, a escola pública é deficiente na maioria dos lugares e o ambiente familiar nas classes mais baixas tende a ser mais desestruturado, o que inibe o desenvolvimento do potencial dessas crianças, ou seja, elas acabam tendo pouco capital humano e capital emocional, o que dificulta sua saída da pobreza.

Por um lado, precisamos focar na redução da pobreza de forma sustentável, proporcionando maiores oportunidades para as crianças provenientes de famílias pobres e vulneráveis. Por outro, precisamos focar em uma agenda de redução de privilégios que podem ser vistos no Congresso Nacional, em diversos setores econômicos, em aposentadorias diferenciadas, salários e benefícios muito elevados de certas classes de servidores públicos, reservas de mercado, entre tantos outros exemplos. 

Precisamos alterar nossas instituições para promover o nosso desenvolvimento econômico e social através da redução dos privilégios e fornecendo maiores oportunidades para a população mais vulnerável. O projeto de lei que propõe o aumento de deputados vai em direção oposta e não atende aos desejos e necessidades da população brasileira.

 


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postado em 10/08/2025 06:04
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