
LUCIO ALMEIDA, presidente do Centro de Defesa das Vítimas de Trânsito (CDVT)
Ainda que o trânsito no Brasil seja considerado um dos mais violentos do mundo, segundo o relatório Status report on road safety, divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), não existe no país nenhuma política pública de amparo às vítimas de acidentes de trânsito desde que o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro extinguiu a arrecadação do DPVAT (Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Via Terrestre), em 2020. No atual governo, até houve uma proposta de criação do SPVAT (Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito). Mas, em dezembro de 2024, ela foi revogada.
Desde então, quem sofre um acidente de trânsito, seja culpado ou não pelo sinistro, vive à própria sorte. Muitos sem qualquer fonte de renda para custear o tratamento e poder se recuperar dos ferimentos sofridos — em muitos casos, as vítimas são condenadas a sequelas irreversíveis, como mostra o Estudo dos custos de acidentes de trânsito no Brasil, realizado pelo Instituto de Segurança no Trânsito, que aponta que há cerca de 250 mil vítimas nessa situação, por ano.
Porém, existe um fundo de reserva de R$ 2,6 bilhões proveniente da arrecadação do DPVAT, obtido antes de sua extinção. Valor que seria suficiente para indenizar, por exemplo, todas as vítimas de acidentes de trânsito nos anos de 2023 e 2024. No entanto, essa quantia segue intocável, apesar do Tribunal de Contas da União (TCU) já ter determinado sua liberação e da Defensoria Pública da União (DPU) ter entrado com uma ação judicial para assegurar as indenizações devidas. Entre argumentações e contestações que ainda tramitam pela Justiça, não é possível prever quando essa pendenga será finalmente resolvida.
Por outro lado, a morosidade observada para resolver essa questão agrava ainda mais o sofrimento das vítimas de trânsito. Portanto, é necessário e urgente que as autoridades competentes coloquem um ponto-final sobre isso, que esse montante represado seja liberado o quanto antes para indenizar as pessoas que, além de ser de direito, tanto necessitam desse recurso para se recuperar da melhor forma possível e que possam seguir suas vidas de forma digna. Há de se considerar que boa parte das vítimas pertence a classes sociais menos favorecidas e que, durante o período de recuperação, ficam impossibilitadas de voltar a trabalhar, desprovidas de qualquer fonte de renda.
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
Mas é preciso ir além de resolver essa questão dos R$ 2,6 bilhões. É imprescindível repensar sobre a criação de um mecanismo de proteção permanente às vítimas de acidentes de trânsito, sobre a necessidade de o país ter uma nova política pública que garanta uma assistência mínima para que as pessoas envolvidas em sinistros se recuperem das consequências dos danos causados, sem o sofrimento do descaso enfrentado em tempos atuais.
A política de um seguro obrigatório não é uma inovação recente. Iniciou-se em 1929 na Suécia, transformando-se num modelo que se estende atualmente por diversos países, inclusive nos menos desenvolvidos ou economicamente inferiores ao Brasil. No Peru, no Equador ou na Venezuela, por exemplo, as vítimas são cobertas pelo SOAT (Seguro Obrigatório de Acidentes de Trânsito), que cobre despesas médicas e hospitalares, independentemente de quem seja o culpado pelo acidente.
Nos últimos meses, temos pressionado nossos governantes a esse respeito, sugerindo projetos tanto no âmbito estadual quanto no federal. Em São Paulo, por exemplo, entre as medidas apresentadas estão indenização por óbito aos familiares, já que muitos mortos são provedores de família; reembolso parcial ou integral por despesas médicas para cobrir os gastos com hospitalização, medicamentos e reabilitação; e auxílio financeiro para as despesas com o funeral, em caso de vítimas fatais. Em Brasília, também apresentamos uma proposta de Projeto de Lei que obrigue plataformas digitais de transporte de passageiros e entregas de mercadorias a contratarem seguro de vida e acidentes pessoais em favor de motociclistas e passageiros.
Seja motorista, passageiro ou pedestre, o que não podemos mais é tolerar que cidadãos sejam ceifados, mutilados, tornem-se paraplégicos ou tetraplégicos, sofram sequelas irreparáveis e sejam excluídos do mercado de trabalho, muitas vezes dependendo da caridade alheia por não conseguirem acesso aos benefícios sociais. Uma luta que deve ser de toda a população. Lembre-se: a próxima vítima pode ser você!
Saiba Mais
Opinião
Opinião
Opinião
Opinião
Opinião