
JOÃO JORGE RODRIGUES, presidente da Fundação Cultural Palmares
Ao celebrarmos os 37 anos da Fundação Cultural Palmares, em 2025, trago comigo a lembrança nítida do momento em que assumi sua presidência, em março de 2023. Naquele instante, não recebi apenas um cargo, mas um gesto de confiança do povo negro, um chamado para levantar novamente um espaço marcado pela tentativa de apagamento, que resistiu e permanece vivo. Encontrei a Palmares com marcas profundas, livros sob ameaça, símbolos trocados, nomes apagados, histórias silenciadas. Ali, entendi que não havia tempo para hesitação. Como disse Martin Luther King, "não podemos esperar". E nós não esperamos.
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Nasci na Rua do Bispo, em Salvador. Cresci com a certeza de que arte, educação, cultura e política formam um só caminho, o da dignidade. Ao longo da vida, no Olodum, no direito, nas ruas e nas ideias, compreendi que nossa luta não cabe em molduras. Ela vibra nos tambores, nas palavras e no gesto de erguer uma instituição que carrega o nome de Palmares.
A primeira tarefa foi devolver o sentido, restaurar as cores pan-africanas, resgatar os nomes dos nossos heróis, revogar o que travava os quilombos. Fiz isso não para corrigir o passado, mas para garantir o futuro. A Fundação é um símbolo da luta preta no Brasil, um corpo coletivo, um chão sagrado.
Preservamos a Biblioteca Oliveira Silveira, digitalizamos acervos, criamos editais que prestam homenagem a algumas de nossas vozes mais fortes: Conceição Evaristo, Luiz Melodia, artistas das margens, escritores vindos dos quilombos, mulheres que constroem o mundo com palavras e silêncio. Reconhecer essas trajetórias reafirma que a cultura negra ocupa o centro, não a margem.
Retomamos parcerias com universidades, voltamos aos territórios, reabrimos escutas. A juventude negra voltou a enxergar na Palmares a sua casa. As mulheres negras, que sustentam o país com seus passos e mãos, ocuparam o centro das ações. Ampliamos programas com recorte de gênero e raça, apoiamos lideranças femininas e fortalecemos produções culturais protagonizadas por elas.
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O programa Afrodigital alcançou territórios distantes, levando computadores, internet e transporte. Não entregamos apenas máquinas, mas possibilidade e presença. O Estado atravessou muros para chegar aonde sempre deveria ter estado.
Com lideranças religiosas de matriz africana, realizamos encontros de reverência e verdade. Reafirmamos que o povo de terreiro funda o que somos. A capoeira, expressão ancestral de liberdade, tem retomado seu lugar de honra. Celebramos mestres, reconhecemos trajetórias e afirmamos o valor do corpo, do ritmo, do chão.
Em Brasília, inauguramos a nova sede da Casa Palmares, espaço vivo de dignidade e comunidade. No Rio, revitalizamos o Espaço Docas André Rebouças e lançamos o Viva Pequena África, projeto de valorização da cultura afro-brasileira e preservação da memória africana na região portuária.
Na Serra da Barriga, a Fundação voltou inteira. Ali, onde Zumbi permanece vivo, firmamos alianças, criamos formas de lembrar. Subimos aquela serra com respeito e a certeza de que com memória também se faz política.
Representamos o Brasil em viagens à África. Levamos acordos e afetos. Recebemos embaixadores africanos na nossa sede. Estabelecemos pontes e abrimos caminhos para uma travessia que nos permite olhar de igual para igual.
Em Salvador, celebramos a Revolta dos Búzios. João de Deus, Lucas Dantas, Manuel Faustino e Luís Gonzaga sonharam liberdade. Cabe a nós impedir que esse sonho seja adiado.
Com o apoio da ministra Margareth Menezes, abrimos caminhos para fazer da cultura um instrumento de transformação. Ao lado do presidente Lula, celebramos a oficialização do dia vinte de novembro como feriado nacional. Zumbi é presença, verdade, Palmares.
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A Fundação Cultural Palmares chega aos seus 37 anos com corpo, gesto e promessa. Celebramos a continuidade de uma história que se renova a cada conquista e se projeta para o futuro com a mesma intensidade de quando começou. Seguimos. Porque, como disse Mandela, "tudo parece impossível até que seja feito". Fizemos. E vamos continuar a fazer.
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