
A Fundação Cultural Palmares completa, hoje, 37 anos com um alerta do presidente João Jorge Rodrigues: o Brasil não pode continuar ignorando a importância da história e da cultura afro-brasileira sem arcar com graves consequências sociais, econômicas e políticas. A afirmação foi feita em entrevista concedida ao Podcast do Correio, às jornalistas Aline Gouveia e Jaqueline Fonseca. Criada em 1988, a autarquia é o resultado da mobilização do movimento negro, que denunciava a exclusão e as desigualdades persistentes, mesmo 100 anos depois da abolição da escravidão.
Segundo João Jorge, quando a fundação foi criada, a pressão social era intensa, pois o fim da escravidão no Brasil era considerada incompleta e a população negra permanecia nas piores condições sociais. Mas, para ele, esse cenário mudou pouco em quase quatro décadas. "Ou o Brasil encara isso agora, ou vai pagar a conta no futuro", alerta.
A Palmares nasceu com a missão de proteger territórios quilombolas, valorizar tradições religiosas de matriz africana e dar visibilidade à história negra no país. João Jorge lembra que a criação da autarquia foi uma resposta para reparar uma injustiça histórica. Ele destaca que o Brasil abriga a maior população negra fora da África, mas ainda convive com índices alarmantes de desigualdade. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que pessoas negras representam mais da metade da população, mas concentram as maiores taxas de pobreza, violência e desemprego. Conforme observa, essa realidade é consequência direta do racismo estrutural.
João Jorge também aponta que a falta de articulação entre ministérios e o enfraquecimento das políticas públicas agravam a situação. "Nos últimos anos, isso se perdeu. Agora, estamos reconstruindo", afirma.
Desde que assumiu a presidência, adotou como prioridade a recuperação da estrutura da fundação e a autoestima da equipe. Entre as ações iniciais, cita a preservação do acervo da biblioteca, que estava ameaçado. Outra medida que implantou foi a inauguração da nova sede, no Setor de Autarquias Sul, em Brasília.
"Brasília não tinha um centro cultural afro. Agora tem", destaca. O espaço conta com auditório, área para exposições, biblioteca digital e ambientes voltados à juventude.
A fundação também prepara projetos para digitalizar acervos, promover inclusão digital em comunidades tradicionais e ampliar o fomento à cultura afro-brasileira. Para João Jorge, a proposta é mais ampla que a preservação da memória: envolve oportunidades de educação, emprego e renda.
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
Apesar das mudanças recentes, o presidente da Palmares avalia que a pauta racial ainda ocupa lugar secundário nas prioridades do país, o que pode trazer consequências sérias. Ele compara com a área ambiental, onde a falta de prevenção resultou em barreiras tarifárias e restrições comerciais para produtos brasileiros no exterior.
Barreiras
"Hoje, existem barreiras relacionadas ao desmatamento. Amanhã, poderão surgir medidas por violação de direitos humanos e discriminação racial", observa. João Jorge lembra, ainda, compromissos internacionais, como o Plano de Ação da Década Internacional dos Afrodescendentes (2015-2024), das Nações Unidas, e critica o descumprimento das metas assumidas pelo Brasil.
Uma das prioridades para a Fundação é a efetivação da Lei 10.639/03, que determina o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas. "Essa lei tem 20 anos e ainda não é aplicada de forma plena", lamenta. Para ele, a ausência desse conteúdo nos currículos escolares impede que as novas gerações compreendam a diversidade do país.
O presidente da Palmares reforça que a educação é o caminho para combater o racismo estrutural. Se a verdadeira história do Brasil não for contada, diz, as desigualdades continuarão se reproduzindo.
Outro ponto de atenção, segundo João Jorge, é a propagação do racismo nas redes sociais. Em sua avaliação, a internet tem sido usada para estimular discriminação e violência. "É preciso regulamentar para proteger direitos", afirma, destacando que a impunidade em crimes virtuais fortalece discursos de ódio e de ameaça à democracia.
João Jorge resume o desafio da instituição em três pontos: valorizar a cultura afro, garantir direitos e construir políticas duradouras. E deixa um aviso: "Ou o Brasil valoriza sua história agora, ou vai pagar a conta lá na frente". Isso passa, sobretudo, pela inclusão no site da instituição de nomes de personalidades negras que haviam sido retirados nos últimos anos. A lista, que antes tinha 102 referências, agora terá 330, com maior equilíbrio entre homens e mulheres.
Para comemorar os 37 anos de existência, a Palmares promove um evento, hoje, na Caixa Cultural, em Brasília, a partir das 15h, com entrada gratuita. A programação inclui apresentações artísticas, lançamento de livros, exposições e show da cantora Ana Maneto com a banda Guardião Negro.
*Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi
Saiba Mais
Brasil
Brasil
Brasil
Brasil
Brasil
Brasil