
Conhecido no mundo sobretudo por abrigar parte do Himalaia, inclusive parcela do Monte Everest, o Nepal ocupa o noticiário mundial nos últimos dias diante da onda de protestos liderada pela população jovem contra o governo de K.P. Sharma Oli, que renunciou ontem ao cargo. Uma república parlamentarista, o país asiático vive seu momento de maior turbulência desde 2015, quando nova Constituição entrou em vigor meses após um terremoto matar cerca de 8 mil habitantes.
Ainda que a mobilização dos mais jovens tenha se voltado contra denúncias de nepotismo e a corrupção no Executivo, o estopim da crise se deu com o bloqueio das redes sociais por determinação do governo local. A medida foi adotada no último dia 4, sob a justificativa de que era necessário frear o compartilhamento em massa de discurso de ódio e de notícias fraudulentas nessas plataformas. Não durou muito. Diante das manifestações que deixaram ao menos 19 mortos e uma centena de feridos, K.P. Sharma Oli renunciou ao cargo de primeiro-ministro.
A situação vivida pelo país asiático é simbólica para entender o peso que as big techs passaram a ter na sociedade atual. As redes ocupam, cada vez mais, o papel de verdadeiras instituições do jogo político. Seus algoritmos assumem um papel institucionalizado, como bem observam os pesquisadores Ricardo F. Mendonça, Fernando Filgueiras e Virgilio Almeida no livro Política dos algoritmos, a ser lançado em outubro pela Ubu Editora.
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O Brasil não foge à regra. A exigência principal da população é por conectividade — o acesso ao smartphone de última geração e aos dados móveis, porta de entrada para o mundo digitalizado, por exemplo —, que, cada vez mais acessível, deixa também evidente os dilemas da dominância das redes digitais. Adultização, proibição de usos de celulares nas escolas, disseminação de fake news ligadas a temas de saúde e disputas partidárias são alguns dos desafios enfrentados pela população e que mobilizam figuras públicas.
O caso nepalense, portanto, é fundamental para encararmos as redes sociais e, em primeira camada, os algoritmos, como instituições capazes de decidir eleições, incriminar ou absolver pessoas e promover políticas públicas. Ainda com restrições, a população teve acesso e compartilhou vídeos mostrando rotinas luxuosas de políticos e familiares, em contraste com anos de instabilidade econômica. Levaram a indignação das telas para as ruas.
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Se o diagnóstico do alcance dessas plataformas é o primeiro passo, o segundo precisa ser se atentar à importância de essas tecnologias serem regidas pela democracia. O caminho, como o acontecido em Catmandu mostra, não é pela coerção e pela restrição do acesso, mas pela necessária regulamentação dessas instituições — como tem sido discutido no Supremo Tribunal Federal (STF), a partir da revisão do Marco Civil da Internet —, além, obviamente, do respeito ao bem-estar coletivo.
O desafio se amplia ainda mais com o surgimento e a consolidação da inteligência artificial (IA). Discussões legais e outras medidas de regularização, no Brasil e em boa parte do mundo, ainda não acompanham a velocidade da evolução da tecnologia rumo à IA. Não há mais tempo a ser perdido para o inadiável e inevitável debate sobre tal questão.
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