ARTIGO

Depressão assusta e machuca. É bom saber lidar com ela

No Brasil, apenas uma pequena parcela recebe tratamento adequado para depressão e ansiedade. Ampliar o acesso ao cuidado e quebrar o estigma em torno da saúde mental significaria transformar e salvar muitas vidas

MARÍLIA MELLO, bibliotecária, servidora pública do Supremo Tribunal Federal, instrutora de yoga e de respiração

Duas coisas que você deveria saber sobre a importância do Setembro Amarelo, mês dedicado à conscientização e prevenção do suicídio. Primeiro, falar sobre saúde mental salva vidas: muitas pessoas vivem em silêncio, sem compreender as próprias emoções ou perceber que precisam de ajuda. Segundo, depressão e ansiedade são doenças reais, não têm relação com fraqueza ou falta de força de vontade e podem atingir qualquer pessoa, independentemente de idade, gênero, aparência ou conquistas. 

Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicado em agosto de 2025, mais de 332 milhões de pessoas no mundo vivem com depressão ou ansiedade. No Brasil, são cerca de 11,5 milhões de adultos, aproximadamente 5,8% da população. Apesar desses números alarmantes, apenas uma pequena parcela recebe tratamento adequado. Ampliar o acesso ao cuidado e quebrar o estigma em torno da saúde mental significaria transformar e salvar muitas vidas. 

Para quem já enfrentou depressão e ansiedade, como eu, este mês não é apenas uma data no calendário. Ele traz a lembrança de que cada passo dado em direção à cura é motivo de celebração. Entre os 25 e os 43 anos, foram seis vezes que a vida me arrastou. Três delas, quase me levou. Não tinha forças para me levantar ou me alimentar. Perdi peso rapidamente, e a dor psíquica encontrou refúgio no corpo, manifestando-se em fortes dores no abdômen e no estômago. 

À noite, quando deveria descansar, surgiam crises de pânico noturno. Diferentemente da ansiedade diurna, que muitas vezes vem acompanhada de gatilhos, o pânico noturno chega sem aviso, em pleno sono profundo, como um alarme disparando no silêncio da noite. De repente, eu acordava com o coração acelerado, falta de ar, suor frio, náusea e uma sensação de morte iminente. 

Vivi quase duas décadas nesse ciclo de dor e recaídas. Tive dificuldades para cuidar dos meus filhos, manter meu trabalho e realizar atividades simples do dia a dia. Houve momentos em que pensamentos suicidas me assombraram. Nunca cheguei a planejar, mas eles estavam ali, reflexo da dor emocional que era insuportável. 

Meu processo de recuperação foi cheio de tentativas e erros. Passei por médicos, ajustes de medicação e longos períodos de psicoterapia, iniciados ainda na infância. Esses recursos foram importantes, mas senti falta de algo essencial: um acolhimento que fosse além da prescrição, um direcionamento para uma vida com mais qualidade. Ninguém me ensinou a cuidar do corpo, cultivar hábitos saudáveis ou adotar práticas que sustentam a saúde mental. Também nunca me disseram que o corpo fala, que a respiração é parte do tratamento e que a alma pode se reconstruir pelo ar. Nem no consultório médico, nem na psicoterapia, ouvi sobre o que é fundamental: a respiração influencia diretamente as emoções e o sistema nervoso. 

Quando descobri essa conexão, apresentada pelo yoga, minha vida ganhou uma nova direção. A respiração consciente, validada pela neurociência, tornou-se amiga fiel e me ajudou a controlar mais de 95% das crises de pânico. Hoje, mesmo que surjam episódios raros, sei como interrompê-los antes que o desespero se instale. O impacto foi tão profundo, que decidi me especializar como instrutora de yoga e respiração, para compartilhar esse conhecimento em cursos de respiração e meditação com quem busca equilíbrio emocional e deseja superar crises de ansiedade e pânico. 

Isso não é misticismo, é ciência. Emoções e respiração estão intimamente ligadas. Quando sentimos medo, ansiedade ou raiva, respiramos de forma rápida e superficial, uma resposta natural do sistema nervoso simpático. Respirar lenta e profundamente ativa o sistema parassimpático e estimula o nervo vago, que conecta cérebro e corpo, ajuda a reduzir os batimentos cardíacos, relaxar os músculos e promover sensação de calma. Com atenção e técnicas específicas, é possível assumir o controle do estado emocional e cultivar bem-estar, mesmo diante da ansiedade ou do medo. 

A respiração não é a única forma de neuromodulação, ou seja, de influenciar e regular a atividade do sistema nervoso para equilibrar emoções e respostas do corpo. Yoga, meditação, exercícios físicos, contato com a natureza, música, canto e outras práticas atuam nesse mesmo princípio, ajudando a acalmar a mente, reduzir a ansiedade e enfrentar o estresse de forma mais resiliente. 

Cuidar da saúde mental também envolve mudanças no estilo de vida. A medicina do estilo de vida aponta seis pilares fundamentais: alimentação equilibrada, atividade física regular, sono de qualidade, manejo do estresse, conexões sociais positivas e evitar substâncias tóxicas. Juntos, esses pilares criam um ambiente favorável para equilíbrio e bem-estar duradouros. 

Adotei essas mudanças e assumi a responsabilidade pela minha saúde mental. Compreendi que não posso terceirizar esse cuidado: meu bem-estar depende das escolhas que faço diariamente, dos hábitos que cultivo e da atenção que dedico ao meu corpo e à minha mente. Entendi também que o tratamento vai além dos medicamentos. Eles podem ser necessários em alguns casos, mas, sozinhos, não bastam.

Nada disso acontece de repente. É um caminho que exige autoconhecimento, aprendizado e constância. Depressão e ansiedade não definem quem você é. Elas podem fazer parte da sua história, mas não precisam ditar o rumo da sua vida. Sempre é possível recomeçar, com paciência e persistência.

 


Mais Lidas