ARTIGO

Uma ausência injustificada

A julgar pelo número pífio de finalistas do sexo feminino no prêmio Jabuti, o mais popular de literatura no Brasil, não somos um país de escritoras

Rachel de Queiroz foi a primeira imortal, 80 anos depois da fundação da ABL -  (crédito:  Marcos de Oliveira/CB/D.A Press)
Rachel de Queiroz foi a primeira imortal, 80 anos depois da fundação da ABL - (crédito: Marcos de Oliveira/CB/D.A Press)

A julgar pelo número pífio de finalistas do sexo feminino no prêmio Jabuti, o mais popular de literatura no Brasil, não somos um país de escritoras. Na categoria Romance Literário, não há uma sequer, o que se repete em Escritor Estreante de Romance. Na premiação organizada pela Câmara Brasileira do Livro, apenas uma mulher figura entre os cinco concorrentes em Conto e nenhuma está entre os inscritos em Crônica. 

Curiosamente, em Iniciativas de Fomento à Leitura, todas as incentivadoras desse hábito — que, como bem lembrou a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), é uma das principais armas de resistência — são, ora, vejam, mulheres. 

Na história recente da produção literária brasileira, vez por outra tentam apagar as mulheres. Chega a ser vergonhoso o que se fez com a jornalista e escritora Júlia Lopes de Almeida, que, em 1897, esteve entre os idealizadores da Academia Brasileira de Letras (ABL). Devido a seu gênero, ficou impedida pela panelinha de ser uma imortal. 

Mesmo que seus contos, crônicas, romances e peças de teatro figurassem entre os mais publicados e lidos da Primeira República, colegas como Machado de Assis, Olavo Bilac e Artur Azevedo vetaram o nome de Almeida da lista. Talvez como prêmio de consolação, incluíram o marido dela, o jornalista Filinto de Almeida, que reconheceu a manobra dos Acadêmicos. "Era ela, não eu, quem deveria estar lá", disse. 

Assim, a primeira a pisar na sede da ABL na condição de imortal foi Rachel de Queiroz, 80 anos depois da fundação da agremiação de autores. Desde então, pouquíssimas mulheres tiveram a honra de vestir o fardão de ouro. 

A injustiça sofrida por Júlia Lopes de Almeida parece se repetir agora na escolha dos finalistas do Jabuti. Nomes mais do que frequentes na premiação (todos homens, claro) ocupam lugares onde poderiam estar escritoras como Julia Dantas, Juliany Aparecida, Ana Paula Maia, Natalia Borges Polesso e Mariana Salomão Carrara, que, entre muitas outras excelentes autoras brasileiras, lançaram obras em 2024, como requer o prêmio. 

É claro que o Jabuti já premiou muitas mulheres, inclusive algumas das citadas acima. Também não creio que a ausência feminina na edição deste ano seja proposital (é pior, é estrutural). Embora longe de ser a única premiação literária brasileira, essa é, porém, a mais popular, conhecida mesmo por leitores não tão usuais, oferecendo uma oportunidade de divulgar autores para um público extenso.

Perdem as escritoras, perde, principalmente, a literatura brasileira.

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postado em 13/10/2025 06:01 / atualizado em 13/10/2025 14:35
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