
JAQUELINE FERREIRA, diretora de pesquisa no Instituto Escolhas; e JULIANA LUIZ, gerente de pesquisa no Instituto Escolhas
Em recente debate realizado pelo Correio Braziliense e pelo Instituto Escolhas sobre a transição do modelo da produção de soja no Brasil, ilustres palestrantes, como o então chefe-geral da Embrapa Cerrados, Sebastião Pedro Neto, destacaram como o modelo produtivo da soja — que foi relevante econômica e produtivamente por tantos anos — agora passa pelo desafio de "mudar e mudar rápido antes que o sistema colapse". A preocupação está diretamente relacionada com o crescimento vertiginoso do uso de insumos sintéticos, que tem impactos sentidos no solo, como o aumento da sua degradação, e no bolso do produtor, diante do achatamento dos lucros, em razão do crescimento dos custos da produção do grão.
Uma das principais razões para esse aumento expressivo no uso de insumos sintéticos na produção da soja é a ampla implementação do plantio direto desassociado de outras práticas de conservação do solo e combinado com o uso de herbicidas sintéticos.
A prática do plantio direto é popular e disseminada entre os produtores de soja no Brasil. Tem, inclusive, até data de comemoração nacional: 23 de outubro. A prática consiste em plantar a semente sem revolver o solo, ou seja, sem precisar arar a terra.
Pode até parecer trivial, mas o plantio direto foi fundamental para o avanço da agricultura no nosso país. O revolvimento do solo gera inúmeros problemas, como erosão, perda de matéria orgânica, prejuízo à infiltração e retenção de água e nutrientes pelo solo, para citar alguns. Essas consequências são ainda piores em solos frágeis como os solos brasileiros.
O problema é que, em grandes áreas cultivadas, como ocorre na soja, não arar a terra pode dificultar o controle das plantas daninhas, que competem por espaço e nutrientes com o grão. Esse risco aumenta se o plantio direto é adotado isoladamente, ou seja, desacompanhado dos demais princípios da agricultura conservacionista (como cobertura permanente do solo e rotação de culturas), o chamado Sistema de Plantio Direto (SPD). E, como um efeito dominó, o descontrole das plantas daninhas passa a demandar pelo maior uso de herbicidas sintéticos.
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Estudo recente publicado pelo Instituto Escolhas, em parceria com o Instituto Folio, mostra que, em 30 anos, a área de plantio direto no Brasil cresceu na mesma velocidade do uso de herbicidas sintéticos estimados para a soja, uma taxa média de 11% ao ano. Em 1993, o país tinha 2 milhões de hectares cultivados com plantio direto, 10,7 milhões de hectares de área cultivada com soja e 8,2 mil toneladas de herbicidas sintéticos potencialmente utilizados no cultivo da soja. Em 2023, o país passou a ter 41 milhões de hectares cultivados com plantio direto, 44,5 milhões de hectares de área cultivada com soja e 195 mil toneladas de herbicidas sintéticos potencialmente utilizados no cultivo da soja.
O Instituto Escolhas também foi a campo e entrevistou produtores de soja dos estados do Paraná, Goiás e Mato Grosso. Quando perguntados sobre as práticas de conservação do solo, 100% dos produtores convencionais de soja disseram adotar o plantio direto, mas apenas uma minoria adotava rotação de culturas (31%), diversidade de raízes (23%) ou adubação verde (15%), indicando a adoção do plantio direto fora do SPD. No caso dos herbicidas, que não dispõem de alternativa biológica, foi comum ouvirmos frases do tipo "não vejo como sair da dependência química".
O aumento de herbicidas provoca graves externalidades negativas para a saúde do solo, como redução da comunidade microbiana e acúmulo de resíduos no solo. Diante desse cenário, deveria o plantio direto isolado, fora do SPD, com potencial de aumentar a demanda por herbicidas (além de outros impactos), ser nossa ambição de sustentabilidade? Você pode achar que não, mas nossa meta nacional até 2030 diz que sim.
O Plano Setorial para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária, o Plano ABC , principal instrumento de política pública hoje dedicado à promoção da agricultura sustentável, tem, entre as suas metas o objetivo, de, até 2030, aumentar a área com SPD para produção de grãos em 12,5 milhões de hectares. Contudo, divide a meta em 4,5 milhões de hectares em SPD e 8 milhões de hectares em plantio direto fora do SPD.
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Como a produção de soja adota amplamente a prática do plantio direto de maneira isolada, podemos considerar a meta dos 8 milhões até 2030 quase como um crescimento natural da produção do grão. Inclusive, segundo dados do IBGE, a taxa de crescimento da área da soja no Brasil entre 2020 e 2023 era de 6% ao ano, representando um aumento de mais de 7,2 milhões de hectares. Além disso, não há nenhuma meta no plano ABC relativa à redução do uso de herbicidas.
O papel de uma política pública tão importante quanto a do Plano ABC deveria ser o de acelerar a transição para modelos produtivos mais sustentáveis que, no caso da soja, passa por uma necessária readequação da prática do plantio direto, na direção do SPD. Ou seja, a política pública deveria nos estimular a fazer mais e não "mais do mesmo". Em um contexto de preocupação compartilhada entre os produtores de soja com a resiliência dos seus cultivos no médio e no longo prazos, sobretudo em razão da evolução dos preços dos insumos e das variações climáticas, é fundamental reconhecer que o que fizemos até o momento, no âmbito da produção de soja, foi muito relevante, nos colocou como líder mundial na produção do grão, mas agora se mostra insuficiente e nos coloca em risco.
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