Artigo

Mulheres na Reforma Protestante

Afirma-se que não se escreveu sobre as mulheres porque elas não se ocupavam de assuntos religiosos, mas essa informação é falsa. Elas se interessavam pela igreja cristã e existiram mulheres dedicadas à pesquisa, estudo e escritos na área da religião

Em 2025, a Reforma Protestante completa 508 anos sendo preciso repensar o papel feminino nesse processo histórico  -  (crédito: Aaron Burden/ Unsplash)
Em 2025, a Reforma Protestante completa 508 anos sendo preciso repensar o papel feminino nesse processo histórico - (crédito: Aaron Burden/ Unsplash)

DENISE SANTANA, teóloga, doutora em teologia, historiadora e jornalista

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Elas foram apagadas da história do cristianismo e colocadas em segundo plano. Muitas vezes as mulheres aparecem na historiografia ao lado dos nomes dos homens sendo mencionadas como as esposas dos pastores, as amantes do rei ou as filhas bastardas dos papas. Nem sempre são citados os nomes e o trabalho que as mulheres fizeram para a igreja cristã. No dia 31 de outubro de 2025 a Reforma Protestante completa 508 anos sendo preciso repensar o papel das mulheres nesse processo histórico importante.

É necessário desfazer mitos sobre a participação das mulheres na Reforma. Afirma-se que não se escreveu sobre as mulheres porque elas não se ocupavam de assuntos religiosos, mas essa informação é falsa. Elas se interessavam pela igreja cristã e existiram mulheres dedicadas à pesquisa, estudo e escritos na área da religião. Elas aceitaram a salvação somente pela fé, pregada por Martinho Lutero, debateram e escreveram sobre doutrinas cristãs. Elas defenderam as ideias reformistas, também amavam teologia como os homens, mas não são mencionadas na história porque não tinham importância na época. A discriminação social também teve reflexos dentro da igreja. Destaque para nomes como Catarina von Bora, Àrgula Von Grumbach, Vittoria Colonna, Olympia Morata, Margarida de Navarra, Idelete D'Bures, Anna Heinhard, Renée de Este, Margaret Blaarer, Catarina Parr, entre outras.

Na Europa do século 16, o papel feminino era cuidar do lar e os homens ricos estudavam. As mulheres deveriam possuir as qualidades como silêncio, castidade, obediência ao marido e amor aos filhos. Não tinham destaques por si mesmas e nem voz pública. A admoestação social e religiosa era para estarem caladas, de acordo com a interpretação que faziam 1 Timóteo 2.12.

Era desafiador o ambiente religioso para as mulheres. Mesmo assim, elas estudaram nos conventos, escreveram e se posicionaram. Um exemplo de mulher que não se calou foi a abadessa de um convento agostiniano chamada Marie Dentiére (1495-1561) que defendia a Reforma e o direito das mulheres estudarem a Bíblia. Entendia que o sacerdócio universal de todos os crentes incluía as mulheres. Se elas tivessem acesso à Bíblia, poderiam interpretar e pregar a mensagem da salvação. Naquele tempo a interpretação da Bíblia cabia às autoridades eclesiásticas masculinas. Marie acreditava que o caminho para as mulheres buscarem sua identidade era por meio do conhecimento das Escrituras Sagradas. Foi autora de quatro obras importantes como a primeira gramática escrita em francês e o prefácio de um sermão de João Calvino sobre roupas femininas.

Marie dizia que as mulheres tinham recebido graça de Deus e não deveriam hesitar em escrever e falar umas às outras por causa dos difamadores. Pregava que seria muito audacioso tentar deter os homens que difamavam as mulheres, mas também seria insensato esconder o talento dado por Deus à elas. Marie desafiou as regras de seu tempo e escreveu textos questionando se Jesus Cristo não teria morrido também pelos pobres iletrados e pelos tolos tanto quanto pelos homens cultos como os clérigos. Perguntava se o Evangelho deveria ser pregado somente aos senhores sábios e grandes doutores ou a todos, incluindo as mulheres também. Questionava se existiam duas mensagens bíblicas de salvação, uma para homens e outra para mulheres. Também perguntava se existiam uma Bíblia para os eruditos e outra para o povo. Queria saber se todos os cristãos, homens e mulheres, não eram um em Deus. 

Em seus escritos sobre o papel feminino, Marie disse que as Escrituras estavam escondidas das mulheres e que ninguém falava sobre esse assunto passando a impressão de que elas não deveriam ler a Bíblia. Disse ainda que as mulheres não deveriam ser tão menosprezadas. Marie foi vítima de censura por parte do protestantismo. Como ela não se calou, irritou os reformadores de Genebra, na Suíça, que a consideraram uma má conselheira para Antonie Froment, seu segundo marido. O primeiro marido dela foi Simon Robert com quem teve filhos.

Em 3 de novembro de 2002, Marie foi reconhecida por sua contribuição para a história e a teologia. Teve seu nome gravado no Muro dos Reformadores, em Genebra. Nesse monumento, que é um memorial com as estátuas e nomes gravados em placas (estelas), há citações a, entre outros, John Wyclif, John Huss, João Calvino, Guilherme Farel, Teodoro de Beza, John Knox e Ulrico Zwinglio. 

 


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postado em 21/10/2025 06:04
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